Correio da Cidadania

A mãe de todas as reformas

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Chamada por alguns de a “mãe de todas as reformas”, a proposta da reforma política tem experimentado entre nós uma trajetória curiosa. Todos são a favor dela e, ainda assim, ela não anda. Os partidos políticos, os candidatos que disputaram a última eleição presidencial, e até os que agora se engalfinham na disputa corporativa pela mesa diretora das duas casas do Congresso, todos se alinham em torno desta aparente vontade geral que nunca se concretiza.

A razão imediata para semelhante descompasso é simples. Quem reúne forças para patrocinar a mudança, uma força adquirida por intermédio das regras em curso, não tem interesse. E quem tem interesse, não reúne forças. A cidadania, que anda apática e desencantada, só se ocupa do tema no calor das disputas eleitorais, ocasião em que se espanta com as aberrações de uma legislação deformada a golpes de casuísmo continuado.

Por conta de tal espanto, a promessa solene de prioridade para a reforma política é arroz de festa em campanha eleitoral. O Lula, na última, chegou a sugerir constituinte exclusiva para o tema. Passada a eleição, o hábito recorrente manda não se falar mais no assunto. As forças dominantes se acomodam no jogo das barganhas e só voltam ao tema quando faltar um ano para a próxima eleição. É o limite legal para costurar os remendos e ajustar o próximo pleito às conveniências do momento. Reforma digna deste nome não há, mas nunca se disputam duas eleições sob a mesma norma legal.

Para além da supremacia da pequena política, há uma questão política real por trás deste impasse recorrente. Não faltam propostas. Existem, engavetadas nas comissões e nas mesas das duas casas do parlamento, projetos que envolvem quase todos os pontos da reforma. E boa parte nem depende de emenda constitucional e pode ser aprovada por maioria simples. Como no caso da reforma tributária, a coisa não ata nem desata por conta de contradições políticas que, desde a resistência democrática contra a ditadura, só fazem se agravar.

A reforma política de verdade é tarefa que só se realiza a partir de um projeto global. Fora dos momentos de grandes rupturas político-sociais, a experiência mostra que é muito difícil aprovar em bloco uma reforma política. No entanto, até mesmo a presença desta dificuldade só faz acentuar a necessidade do projeto global. Como para cada ponto proposto na reforma muda a clivagem dos interesses, até para definir os pontos prioritários ou o sentido geral de cada mudança parcial proposta, a visão de conjunto é fundamental.

Vivemos um momento em que as cartas do jogo da política estão embaralhadas. Em tal situação, provocada pela troca de comando das principais alavancas do poder institucional com a chegada do PT ao governo federal, o impasse da reforma política ganhou nova configuração. Os projetos globais que antes disputavam a hegemonia no emaranhado de propostas que tramitam no Congresso Nacional perderam nitidez e entraram em compasso de espera.

Por outro lado, existe uma opinião quase que consensual sobre a existência de uma crise crônica na representação política. Ainda não se sabe como o problema será tratado na próxima legislatura, que promete capítulos novos para a novela da reforma política, a mãe de todas as reformas.

 

 

Léo Lince é sociólogo.

 

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