Correio da Cidadania

Contrareforma conservadora

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Os que lutam pela mudança social no Brasil não podem se descuidar do tema da reforma política. A democracia participativa – onde nascem as demandas por mudança e os instrumentos capazes de garanti-la – não se realiza apenas na sociedade civil, mas pressupõe a existência de instituições políticas permeáveis ao dinamismo do movimento e capazes de reconhecer os direitos sociais.

Em qualquer parte onde prevaleça, mesmo limitado, o processo democrático, ele trará as marcas da tensão permanente entre a luta pela emancipação das classes dominadas e as formas de regulação política do chamado contrato social. A teoria política clássica registra três grandes princípios para esta regulação: o princípio do Estado, formulado de maneira mais pura em Hobbes; o princípio do Mercado, dominante sobretudo em Locke; e o princípio da Comunidade, que tem como ponto forte a formulação de Rousseau.

São três visões distintas do contrato social. Teorias que, em arranjos que ora privilegiam umas ora outras, aparecem combinadas nas variadas experiências concretas ordenamento da política. No quadro da furiosa investida neoliberal, marca forte da atualidade, há uma hipertrofia sem precedentes do princípio do Mercado. Ele extrapolou de seu “habitat” natural - o econômico - e aspira subjugar aos seus desígnios o princípio do Estado. Para juntos, em dobrada infernal, rechaçar qualquer manifestação autônoma do princípio da Comunidade, só admitindo dos comuns a dimensão subalterna, voltada para a execução de políticas compensatórias.

Foi tardia, e ainda é incompleta, a introdução entre nós da moda neoliberal. Houve resistências no movimento social e havia ferramentas políticas de certo peso sintonizadas com esta resistência no interior das instituições políticas. O PT, por exemplo, até chegar ao governo central era portador de um projeto de contraponto ao neoliberalismo. Ele foi alçado à condição de titular da principal alavanca do poder político com a promessa de mudar o modelo econômico e inaugurar uma nova “gramática do poder”.

No tema em pauta - a reforma política - dois grandes projetos globais polarizavam, naquele período, a infinidade de propostas parciais que ainda hoje tramitam nos escaninhos do parlamento. Um, liberal-conservador (sua melhor súmula é o relatório aprovado em comissão especial do Senado em 1988, de autoria do tucano Sérgio Machado), preconizava: voto distrital misto, cláusula de barreira, voto facultativo, manutenção das competências extrafederativas do Senado, entre outras coisas. Outro, elaborado pela bancada do PT e voltado para a transformação das maiorias sociais em maioria política, preconizava: sistema proporcional com lista fechada, inexistência de cláusula de barreira, voto obrigatório, financiamento público de campanhas, entre outras coisas.

Na questão do modelo econômico, o governo petista se passou de armas e bagagens para o outro lado. O princípio do Estado foi reduzido naquilo que nele representava direitos e conquistas sociais, obtidos por pressão do princípio da Comunidade. Neste quadro, onde o princípio do Mercado nada de braçadas, é preciso estar atento. A reforma política pode se realizar como contrareforma conservadora.

 

 

Léo Lince é sociólogo.

 

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