Correio da Cidadania

Corrigir as distorções para garantir o voto proporcional

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A história da representação proporcional, como muitas outras coisas importantes para a democracia, remonta à Revolução Francesa de 1789, onde se estabeleceu o princípio de que o parlamento deveria expressar, o mais fielmente possível, o perfil do eleitorado. O objetivo do sistema proporcional é garantir que um partido que receba 10% dos votos ocupe 10% das cadeiras no parlamento. Ao contrário do sistema majoritário, que premia o eleito no distrito e esteriliza os demais votos, ele busca a equidade na relação entre votos recebidos e cadeiras conquistadas, ao mesmo tempo em que assegura a presença plural de todas as correntes políticas organizadas na constituição da representação política.

Sem dúvida, é o sistema mais adequado para, num país de dimensões continentais e atravessado por tantas desigualdades como é o nosso, incorporar o povo no processo político e institucionalizar normas democráticas de competição eleitoral. Para travar este bom combate, o primeiro passo dos defensores da continuidade do voto proporcional no Brasil é reconhecer e propor formas de superação das profundas distorções que fragilizam e desqualificam a sua feição atual.

A distorção mais perversa do voto proporcional no Brasil é a distribuição desigual das cadeiras entre os estados da Federação. Como o distrito eleitoral, em nossa legislação, é o Estado e como os estados têm população e eleitorado extremamente desiguais, o resultado é que o voto do eleitor de Roraima vale 15.2 mais do que o voto do paulista. E, dado que a força eleitoral relativa dos partidos se distribui de maneira desigual entre as diferentes regiões, super-representa os partidos (em geral, conservadores) cuja votação se concentra nos estados menos populosos e sub-representa os partidos (em geral, ideológicos) com votação preponderante nos centros mais populosos.

Essa distorção não decorre da natureza do sistema proporcional, pelo contrário: agride os seus princípios basilares. Viola o princípio da igualdade do voto do cidadão (cada cabeça um voto do mesmo valor) e distorce a distribuição dos postos legislativos entre os estados da Federação. Na origem desta distorção está a norma constitucional (parágrafo do Art. 45 da Constituição) que definiu o número mínimo (8) e o máximo (70) de cadeiras para os estados no Congresso Nacional.

A defesa do voto proporcional passa pela adoção de fórmulas que corrijam tal distorção decorrente da magnitude diferenciada do distrito eleitoral. Conservando as unidades da Federação como distritos eleitorais e o tamanho absoluto do Congresso (513 deputados), o problema pode ser atacado com a redução do número mínimo e aumento do máximo, redistribuindo as cadeiras. Há, no entanto, limites para a redução do mínimo. No caso de alguns estados menos populosos, que pela regra proporcional rigorosa só poderiam eleger um parlamentar, a mudança resultaria em paradoxo: a eleição em tal distrito seria majoritária.

A solução, que não é simples, deve ser buscada no livre embate das propostas. O debate acadêmico e político é farto de sugestões, entre as quais: estabelecer um colégio eleitoral nacional único para a eleição da Câmara dos Deputados; manter os distritos eleitorais estaduais, mas com quociente nacional único para efeito de distribuição das cadeiras entre os partidos; redistritalização geral; alguma redistritalização localizada, juntando estados vizinhos de eleitorado rarefeito; reduzir o número mínimo para um patamar aceitável (4 deputados) e localizar a sub-representação apenas no maior distrito (São Paulo), que ainda assim aumentaria sua representação.

A garantia do mesmo valor para o voto cidadão em qualquer ponto do território nacional e a idéia do deputado como representante do povo e não despachante distrital são as questões em jogo. A melhor proposta será aquela que nos aproxime do objetivo fundamental: corrigir as distorções para garantir o voto proporcional.

 

 

Léo Lince é sociólogo.

 

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