Correio da Cidadania

Um sonho ficcional sobre jurisprudência: os petrodólares e o roubo das “galinhas”

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Parte I

 

Senhor das leis:

A justiça evoluiu?...

Quem, ouvimos, rouba pode,

Se confessar os crimes

E seus cúmplices

Receber delação premiada?...

Bom, roubar, corromper...

Parece, pode levar a receber

“prêmios legais”...

Que amenizam os próprios

Crimes cometidos assumidos...

Senhor das leis:

Então a justiça evoluiu?...

 

Ouvi alguém dizer na rua:

Preciso perguntar

Para um senhor das leis

De alto escalão republicano:

Se alguém rouba “galinhas”

Mas não estava sozinho

E se for preso

Pode pedir a delação premiada?...

É possível ser analisado o pedido

Respondeu o senhor das leis...

Que alívio considerou o suposto ladrão

E seus cúmplices diante da justiça...

 

Bem, senhor das leis

Vamos lá:

Roubaram “galinhas”

Tão bonitas cheias de penas...

Eram muitos, os que roubaram...

Diziam senhor das leis:

Que elas, as “aves” roubadas, tinham bons dotes

As tarefas foram minuciosamente divididas

Algumas até anotadas em cadernetas

Saudosas das práticas dos “intocáveis”...

Uns sacrificavam os “animais”...

Outros ferviam água para o processo...

Outros já arrumavam os cardápios

E preparavam os pratos...

Lindos pratos senhor das leis

O senhor precisava ver...

E por fim serviram as refeições

Eram tantos nomes naquelas mesas

Muito cheias: sicrano, fulano...

Etc... etc... e tal... e tal...

Calma senhores...

Poderemos continuar

A ouvi-los amanhã...

Depois de amanhã...

Emitiremos listas diárias...

Se forem necessárias...

 

Calma senhores, pediu o senhor das leis

Já cansado de exaustivas audiências:

Vocês guardaram alguma coisa dos roubos?...

Podem devolver algumas “galinhas”?...

Senhor das leis estavam todos com fome

E não sobrou nada...

Da pena senhor de pensar nisso...

Fomos traídos pela gula.

 

Calma senhores indiciados:

Nesse caso devo declarar

Em cumprimento da lei

Que os senhores estão presos

E não posso conceder

Delação premiada!

Mas senhor das leis:

Nós declaramos a verdade dos fatos

E somos réus confessos!

Pedimos ao senhor das leis:

Jurisprudência...

 

Meus senhores:

O roubo sem recompensa

Não compensa

A delação premiada...

Irá ficar para depois

De novas investigações

Que permitirão novos estudos

Jurisprudencial... precisamos ter prudência!

Na próxima vez vocês já sabem:

É da jurisprudência:

Sempre tomem cuidado com as “galinhas”...

Nunca se pode consumir tudo

O que se rouba

Pois que graça tem ser premiado

Por não ter nada que prove o feito

A não ser dejetos?...

Senhores indiciados:

Os senhores estão presos

A delação premiada

É coisa séria...

 

Senhor das leis:

Podemos ter uma segunda chance?...

Nós podemos começar tudo de novo

Já sabemos os caminhos

Temos tudo anotado

E prometemos deixar algumas “galinhas”

Poupadas para a delação premiada

E ainda poderemos fazer novos pratos

É só termos tempo para a criatividade futura...

 

Senhores entendam:

É a justiça que regula

A lei que os penaliza.

A jurisprudência é a jurisprudência:

A corrupção toma a forma da legalidade

Na exposição externa de suas formas

Invisíveis formas de ilegalidades

Que só se tornam ilegais

Perante as formas legais vigentes

Quando são expostas publicamente

Pois até então supostamente

Ninguém sabia...

Que a corrupção e o roubo existiam...

 

Os delatores (delação premiada)

São criminosos de corrupção confessos

Como aceitam fazer delação de seus

Cúmplices de corrupção

Acabam recebendo a cada ato de delação

Vantagens que lhes diminuem

As penas criminais.

Quanto mais aceitam e afirmam

Os crimes de corrupção realizados

Mais são abençoados pelo perdão

De os terem cometido?!...

 

Por fim a ópera da lei jurisprudencial:

O crime compensa se for vantajoso

E envolva muito dinheiro e poder?...

Quem sabe a delação premiada

Possa ser útil na sutileza do crime?

Entenderam a jurisprudência agora?...

 

Parte II

 

Alguém cantava meio sem modos

Em um canto da prisão

Em cela no fundo do sonho

Meio tomando a melodia

De Raul Seixas, ouvia-se:

Mamãe eu quero ser político,

Governante, executivo de alto escalão,

Empreiteiro rico...

Ou dono de transnacional...

Tudo parece mais bonito e perfumado...

 

Mamãe eu não quero

Mais roubar “galinhas”

Mais nada me anima

Mas também perdi o humor

Não quero trabalhar

Enquanto eles ficam

Com os petrodólares

Porque sabem poupar

Dos roubos que fazem

Eles são mais inteligentes

Do que eu aqui nessa

Cela quente e insuportável?

 

Não consigo mais dormir

Não consigo mais sonhar

Só fico pensando

Nas coitadinhas das “galinhas”

Que não existem mais...

Saber que roubá-las não compensa

É uma grande indigestão!...

Por isso o desconforto

Não consigo mais dormir

Em menos de um metro quadrado

Não tenho direito

De ser preso premiado

Sem sapatos de marca

E tornozeleira federal!

 

Os indiciados reclamavam:

Se a gente soubesse

Como roubar petrodólares

Teríamos fatos

Jurisprudencial em nosso favor

Poderíamos agora

Sossegados trabalharmos

Honestamente (de fato...)

Em algum lava a jato!...

 

Ouviram ainda do senhor das leis

Antes do mesmo sair

Para tarefas mais supremas.

Senhores indiciados:

O pecado (roubo) de vocês

Foi o objeto do desejo (corrupção/dinheiro)

Só satisfazer seus estômagos (fome de fato)

Não sobrando nada

Para outros gozos (prazeres destrutivos)

Intermináveis que o dinheiro cria

Nomeando listas intermináveis

Com muitos interessados

Em seus dotes prometidos!

 

Depois dos leilões

E dos petrodólares

Em milhões de litros diários

Vertendo das profundezas...

Surge alguém perguntando:

O petróleo é nosso?

Perguntaram isso para

O presidente Getúlio Vargas

Em 1954...

Uns dizem que se suicidou

Outros que foi assassinado...

Qualquer resposta

Só reforça a jurisprudência

Dos fatos!

Distraído alguém lia em outro canto

O poeta Bertolt Brechet

Em trecho de obra teatral:

“ – Falamos nisso mais tarde. O senhor diz:

trinta homens, bem armados, fazem o que

querem no cartel. Quem garante que nada

vai acontecer conosco? Bem, a resposta é

simplesmente esta: quem paga tem o poder!”

 

O senhor das leis saiu para

Seus compromissos mais supremos

Da vida diária.

Enquanto isso os indiciados

Ouviam gritos da multidão distante:

E agora Brasil, o petróleo é nosso?

E agora Brasil, o Brasil é nosso?

 

(Pensavam em silêncio os réus confessos

Quando já se arrumavam para dormir:

Talvez aqueles que gritam

Sejam os donos das “galinhas”...

Melhor ficarmos aqui

Sem delação premiada

Aqui estamos mais seguros...

Podemos descansar

Menos perturbados

Com multidões gritando...

Nada como uma noite

Bem dormida...

Esses são os fatos

Senhor das leis

Ninguém aqui discorda

Da jurisprudência...

Se o roubo não compensa...

Aqui estamos nós?).

 

Rapaz acorde! Alguém chamou...

Acorde você dormiu sentado!...

Olhe aqui seu livro que caiu...

Parece que dormi... sonhei?

Você está no Brasil

Acorde meu filho!

Chega de sonhar

Sobre roubo de “galinhas”...

Todos ouviam seus gritos...

Brasil; o Brasil existe?...

Meu Deus... este menino não acorda!...

E vive sonhando em protestar!

E fala que quem manda é o capital.

Será que não é preciso mesmo protestar?

Vai que este menino não está só sonhando

E nós aqui pensando o que fazer?...

O que fazer é o princípio

Da pergunta, da ação e da luta!?...

Então vamos acordar?...

 

Leia também:


Brasil em 13 versos: o testamento

 

Roberto Antonio Deitos é poeta e professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.

 

 

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