Correio da Cidadania

3) Como o pacote mobiliza a ideologia da casa própria?

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O pacote habitacional e sua imensa operação de marketing retomam a "ideologia da casa própria" que foi estrategicamente difundida no Brasil durante o regime militar, como compensação em relação à perda de direitos políticos e ao arrocho salarial. Em diversas pesquisas de desejo de consumo dos brasileiros, em todas as faixas de rendimento, a casa própria aparece em primeiro lugar. Ao mesmo tempo, a casa própria, sobretudo para os trabalhadores que não tem como adquiri-la pelo salário, ao ser entregue pelo governo aparece como uma dádiva (ou um fetiche), um benefício que promove dividendos para todos os seus intermediários, dos empresários aos políticos.

 

As similaridades e diferenças entre o padrão de dominação social atual e do regime militar estão para além dos objetivos deste artigo, mas o paralelo imediato que se pode traçar é a promessa de casa própria como substitutiva da emergência histórica do trabalhador como sujeito que controla a mudança social (seu sentido, alcance, padrão de integração etc). Seja por coerção, cooptação ou consentimento, a casa própria é inserida num contexto de apaziguamento das lutas sociais e de conformismo em relação às estruturas do sistema. A casa talvez seja o marco mais poderoso da chamada "integração" social.

 

Evidentemente que não se trata apenas de um fenômeno ideológico. A casa própria é percebida e vivida pelas camadas populares como verdadeiro bastião da sobrevivência familiar, ainda mais em tempos de crise e de instabilidade crescente no mundo do trabalho. A casa própria, no Brasil, representa a garantia de uma velhice "com-teto", na ausência ou insuficiência da previdência social, ou seja, é vista como a única garantia para um fim de vida com o mínimo de segurança e dignidade. Para os jovens casais com filhos ou mães chefes-de-família, a casa própria é a garantia de uma estabilidade em vários níveis, em relação à escola dos filhos, aos laços de solidariedade de bairro, à segurança real e simbólica de não ser ameaçados ou vitimados pelo despejo em caso de desemprego. Nesse sentido, a casa própria cumpre um papel de amortecedor diante da incompletude dos sistemas de proteção social e da ausência de uma industrialização com pleno emprego e é, por isso, o "sonho número um dos brasileiros".

 

Para os políticos, a operação de marketing se faz necessária para amplificar os dividendos eleitorais, pois grande parte do pacote ocorre no plano do imaginário, dada a disparidade entre a promessa e o atendimento previsto, como indicamos anteriormente. Para o capital imobiliário, que ganha a parcela substantiva dos dividendos econômicos da operação, a mobilização do imaginário e da expectativa popular é um excelente negócio, pois ela colabora ativamente para garantir a continuidade do pacote, independente de quem esteja no governo, e dos valores que reafirma, entre eles o da propriedade privada individual. Como ressalva o dono de uma incorporadora: "impossível acabar com um pacote como o ‘Minha Casa, Minha Vida’. Tal como o ‘Bolsa-Família’, um presidente que fizer isso será derrubado".

 

A mobilização da ideologia da casa própria tem como outro paralelo – guardadas as diferenças – a "homeonwership society" norte-americana, particularmente como foi estimulada no governo Bush. Essa ideologia esteve por trás da mobilização do sistema de crédito de segunda linha (subprime) e do estímulo ao endividamento das famílias, posteriormente apontado como um dos estopins da crise mundial.

 

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