Correio da Cidadania

5) O pacote colabora para a qualificação arquitetônica e a sustentabilidade ambiental?

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Mesmo não superando a condição da forma-mercadoria, o pacote poderia pretender qualificar minimamente os projetos de habitação popular, inclusive obtendo os dividendos eleitorais favorecidos por casas mais funcionais, bonitas e sustentáveis. Para tanto deveria mobilizar arquitetos, engenheiros e suas agremiações profissionais, universidades e laboratórios de pesquisa, avaliar referências internacionais e nacionais premiadas, favorecer critérios de sustentabilidade ambiental das edificações e dos sistemas de saneamento etc. Do ponto de vista do processo produtivo, poderia promover apoio a estudos sérios de pré-fabricação com qualidade, já aproveitando o conhecimento acumulado, por exemplo, pelas fábricas públicas de produção de escolas, hospitais e mobiliário urbano, coordenadas pelo arquiteto João Filgueiras Lima (o Lelé) – atual inimigo número um das empreiteiras e combatido por elas, graças ao seu método de produção de equipamentos públicos econômicos e de altíssima qualidade.

 

Mas não se encontra no pacote qualquer preocupação com a qualidade do produto e seu impacto ambiental, a não ser a que é posta pelo próprio capital da construção e suas pífias certificações de qualidade, que garantem na verdade sua viabilidade como mercadoria, ou seja, a ratificação da prevalência do valor de troca sobre o valor de uso. A despreocupação, sobretudo na faixa de 0 a 3 salários, é também decorrente do fato de que a demanda é tão grande, que não pode sequer fazer escolhas e exigências mínimas, ou seja, exercer a chamada "liberdade" de consumidor.

 

O amplo repertório nacional e internacional de soluções para a habitação social é sumariamente ignorado na formulação do pacote e nas moradias padrão apresentadas pela Caixa Econômica. As duas tipologias propostas pela Caixa foram divulgadas pela instituição como solução padrão para todo o território nacional, desconsiderando condições climáticas, culturais, geográficas diferenciadas do Brasil. Elas já estão pré-aprovadas (o que agiliza prazos e diminui o tempo de análise de projetos) e se tornaram referência para incorporadores imobiliários como parâmetro para os estudos de viabilidade e rentabilidade dos empreendimentos – evidentemente que os empresários não pretendem fazer nada melhor ou maior para a faixa de 0 a 3 salários, sob pena de reduzirem seus lucros, e até já estudam a supressão de paredes internas das unidades habitacionais.

 

A casinha térrea apresentada como exemplo pela Caixa no manual de orientação do pacote tem 32 m² de área útil, paredes em bloco baiano rebocado, janelas de ferro, quartos de 7m², cozinha mínima, sem área de serviço, com tanque e varais ao relento. Pode-se argumentar que a família vai fazer a casa crescer por autoconstrução e poupança própria, de modo a melhorar sua qualidade, mas esse é um pressuposto perverso da política. Já o apartamento tem 37 m² de área útil e adota o tradicional modelo de prédio em H, que possui baixa qualidade urbanística. No caso dos apartamentos, a área construída não pode ser ampliada pelo morador. Para famílias com mais de 4 pessoas (nos cadastros de um movimento de sem-teto de São Paulo, elas chegam a 40% da demanda), a área por habitante é claramente insuficiente, cerca de 7 m² por pessoa, o que produz sobrelotação, problemas de salubridade, falta de espaço para as crianças estudarem e brincarem, além de favorecer a violência doméstica e sexual. As condições materiais e simbólicas de conjuntos habitacionais desse tipo, como se sabe, promovem a segregação dos trabalhadores e a falta de qualidades mínimas de vida urbana e serviços públicos. Quem visita conjuntos habitacionais desse tipo reconhece neles o mesmo arquétipo dos presídios, inclusive similaridades no tipo de fachadas, janelas e muros. Evidentemente que, em um milhão de casas, por exceção à regra podem surgir alguns projetos melhores, que certamente serão estampados nas campanhas de marketing. Além disso, as moradias produzidas para atender as famílias de rendimento superior a 3 salários poderão mais facilmente proporcionar imagens mais animadoras para as peças publicitárias.

 

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