Correio da Cidadania

9) O pacote habitacional é uma política anti-cíclica acertada?

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O pacote é anunciado como uma política anti-cíclica com objetivos sociais – que, em última instância, o justificam. A finalidade social parece desobrigar os defensores do plano de uma avaliação pública do seu impacto nas cadeias produtivas e seus efeitos anti-crise.

 

Mesmo se considerarmos que a indústria da construção tenha de fato um efeito multiplicador positivo, este se verifica não pela base do produto (cimento, pedra, areia, tijolo, madeira têm um ciclo curto), mas principalmente pelos seus acabamentos e por tudo aquilo que os proprietários investem nos imóveis depois de prontos (os produtos associados a mobiliário, eletrodomésticos e decoração). O acabamento e a decoração têm um poder multiplicador, porque são produzidos industrialmente. Mas em casas e apartamentos de padrão popular que, em geral, são entregues sem nenhum acabamento, e com famílias de rendimento exíguo, pouquíssimos recursos serão destinados a mobiliário e decoração, uma vez que seus moradores ainda arcarão com custos de prestações, condomínio, água e luz regulares em um contexto de crise e desemprego (no qual não é aconselhável o endividamento em crediários). Assim, a indústria da construção, no caso da habitação popular, acaba por reduzir-se praticamente à base dos produtos (à sua estrutura mínima), com um poder multiplicador muito menor.

 

Do ponto de vista da quantidade dos empregos gerados, não há dúvida de que, pela sua baixa composição orgânica, a construção civil é uma empregadora maciça de mão-de-obra. Mas a "não-questão" do debate é a qualidade dos empregos gerados e seu patamar de exploração (como discutiremos adiante). Provavelmente a negociação entre governo e construtoras para definir o menor custo viável por unidade habitacional (o governo quer eleitores atendidos, enquanto as construtoras, rentabilidade crescente) poderá redundar em um aumento da extração da mais-valia absoluta, com precarização dos trabalhadores.

 

De uma perspectiva mais estritamente keynesiana, o pacote imobiliário não é uma política anti-cíclica, mas apenas uma política imobiliária que terá efeitos de médio prazo sobre o mercado de trabalho. Como definiu Keynes, a política anti-cíclica requer agilidade e absoluta desconsideração pela rentabilidade do negócio e, por isso, deve ser feita diretamente pelo poder público. Ela não tem como objetivo imediato recompor a rentabilidade do mercado e a criação de novos "negócios" para a iniciativa privada, como é o caso do "Minha casa, minha vida". O tempo lento dos investimentos habitacionais e a preocupação com a rentabilidade privada descaracterizam o pacote como política anti-cíclica. Uma opção keynesiana teria sido a criação de frentes de trabalho diretamente mobilizadas pelos governos, com gastos dissociados do rentismo imobiliário, como a canalização de córregos, a implantação de redes de esgoto, a melhoria dos calçamentos e praças nas periferias, a reforma de escolas e postos de saúde etc. Além disso, é preciso lembrar que o governo mantém o superávit primário, mesmo que em menor proporção, quando a base da política anti-cíclica é a criação de déficit público.

 

Mesmo assim, o pacote é propagandeado como uma política anti-cíclica, e este marketing tem servido de pretexto para justificar uma política habitacional privatista e a captura de fundos públicos por determinadas frações do capital. Mas se considerarmos que o pacote não é, na verdade, a melhor política anti-cíclica, o "emergencial" e o "quantitativo" devem deixar de ser razões absolutas para serem condicionados por determinações mais substantivas, de modo a que prevaleçam critérios urbanos, sociais e ambientais mais adequados para se avaliar e implementar uma política habitacional.

 

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