Correio da Cidadania

“As companhias aéreas estão terceirizando seus custos ao governo”

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O governo Temer continua tentando emplacar medidas econômicas e oferecer respostas à recessão econômica que afeta toda a população e penaliza as empresas nacionais. Na área da aviação, ventila-se proposta de abertura total das empresas nacionais ao capital estrangeiro, medida que não ganhou força sequer nos corredores do Congresso. Para analisar de forma mais ampla o setor aéreo brasileiro, conversamos com Jorge Eduardo Medeiros Leal, presidente da Associação Brasileira de Fornecedores de Serviços, Equipamentos e Tecnologia para Aeroportos – ABRASET.

 

“Reduzir preços no Brasil é muito mais uma questão de mudanças de alguns tipos de impostos, como a estrutura de custos de transporte aéreo. Se por acaso for essa a intenção, que se coloque o limite de 49% ao capital estrangeiro, a fim de fazer uma experiência e ver o que acontece. Passar diretamente pra 100% não dá”, afirmou.

 

Na conversa, Leal Medeiros, engenheiro aeronáutico com passagem também pelo setor público, ressalta a importância do capital privado, mas não necessariamente atrelada ao capital estatal, como se vê na gestão de alguns aeroportos. Ademais, critica a incapacidade das companhias assumirem de forma conjunta as necessidades do setor, o que implica medidas pouco simpáticas para os difíceis tempos atuais. No final, também comentou o novo protocolo de segurança dos aeroportos, a poucos dias da abertura dos Jogos Olímpicos e a preocupação geral com a segurança.

 

“O fato é: as companhias têm de aumentar seus custos e tarifas. Elas estão terceirizando ao governo uma série de medidas a fim de diminuir seus custos e permitir aumentos indiretos, como se vê em marcação de assentos, cuidados de bagagem etc. Sei que é difícil, mas elas devem encarar a realidade, pois o governo tampouco quer ficar mal na foto com aumento de tarifas, ainda que elas já tenham começado a subir”, explicou.

 

A entrevista completa com Jorge Eduardo Medeiros Leal pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: O que pensa da MP que abre às empresas estrangeiras a possibilidade de controlar até 100% do capital de uma empresa aérea brasileira?

 

Jorge Eduardo Leal Medeiros: Não gosto, não vejo como uma coisa boa. O Brasil tem o terceiro maior tráfego aéreo doméstico no mundo, atrás de EUA e China, com o Japão em quarto lugar. Ou seja, é um filão em que todos estão interessados. Não existe país do mundo em que a política de transporte aéreo permita uma participação de tamanha monta em suas empresas. Geralmente, fica em torno de 25%, 30%.

 

Houve uma comissão do Senado que fez um trabalho de quase um ano e meio, convocando especialistas de empresas, acadêmicos, pessoal da indústria, a fim de fazer alterações no Código Brasileiro de Aeronáutica. Dentro disso, uma das propostas era permitir 49% de capital estrangeiro. No mesmo dia da conclusão do seu trabalho, uma segunda-feira, logo após receber o material, o Congresso propôs 100%, o que não faz sentido a meu ver.

 

Tal ideia é agravada pelo fato de, como dito, não existir país no mundo com tal dimensão no transporte aéreo que permita 100% de capital estrangeiro em suas companhias aéreas. Os países da América do Sul que o fazem, como Chile e Colômbia, ao menos exigem bases de reciprocidade.

 

De toda forma, não creio que no comércio internacional deva-se dar sem pedir nada em troca. Não faz sentido a ideia.

 

Correio da Cidadania: Seria a única forma de abrir mais concorrência e baixar preços?

 

Jorge Eduardo Leal Medeiros: Não. Isso não vai acontecer. Reduzir preços no Brasil é muito mais uma questão de mudanças de alguns tipos de impostos, como a estrutura de custos de transporte aéreo. Temos um combustível caro pra burro, coisa que outros países não têm. A passagem para Buenos Aires é mais barata do que para Salvador, por exemplo, já que o combustível internacional tende a ser mais barato.

 

Assim, não sei se abertura total ao capital estrangeiro implica em redução de custo. Se por acaso for essa a intenção, que se coloque o limite de 49% ao capital estrangeiro, a fim de fazer uma experiência e ver o que acontece. Passar diretamente pra 100% não dá.

 

Correio da Cidadania: Ainda em relação às companhias e ao transporte aéreo, quais são as maiores necessidades?

 

Jorge Eduardo Leal Medeiros: Temos, em síntese, de fazer um enfoque mais objetivo no sentido de reduzir o chamado “Custo Brasil”. Agora discutem redução de ICMS, por exemplo. Já vemos que os estados não estão gostando e vão entrar com Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade), o que me parece de direito.

 

O fato é: as companhias têm de aumentar seus custos e tarifas. Elas estão terceirizando ao governo uma série de medidas a fim de diminuir seus custos e permitir aumentos indiretos, como se vê em marcação de assentos, cuidados de bagagem etc.

 

Por que elas não aumentam suas tarifas? Se elas podem entrar em guerra de preços, podem organizar uma subida de preços. Sei que é difícil, mas elas devem encarar a realidade, pois o governo tampouco quer ficar mal na foto com aumento de tarifas, ainda que elas já tenham começado a subir.

 

As companhias acham difícil aumentar tarifas porque na hora em que uma subir as demais vão esperar essa se ferrar e perder passageiros, enquanto, de outro lado, um aumento combinado caracteriza cartel. De toda forma, deve-se arrumar um caminho pra sair da encruzilhada, ainda que seja complicado. Por ora, o que fazem é terceirizar ao governo seus aumentos tarifários.

 

Correio da Cidadania: Passando à questão da gestão dos aeroportos, quais os principais gargalos da política aeroportuária brasileira no momento? Quais políticas e investimentos econômicos fariam bem para o setor, em sua visão?

 

Jorge Eduardo Leal Medeiros: Não acredito que a Infraero, como era a principal operadora dos aeroportos brasileiros, até as concessões, deva ser obrigada a ter 49% de participação em todos. Acho uma besteira. Dadas as limitações e mesmo incompetência da Infraero, penso que a operação dos aeroportos com capital privado é algo importante, pois nos dá liberdade para outros aspectos.

 

Mas a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) precisa fazer mais. A entrada do capital privado em tal operação pode, de fato, melhorá-la, mas obrigar a Infraero a ter 49% de participação foi uma rematada loucura, derivada de uma decisão ideológica absolutamente não prática.

 

Pois não só a Infraero deixou de ter receitas, como ainda se obriga a aportar 49% dos recursos, o que foi um tiro no pé. O que o governo recebe de outorga para investir em sistema de aviação civil precisa reinvestir na Infraero por conta da necessidade da empresa em fazer aportes de capital.

 

Correio da Cidadania: Qual balanço você faz da Secretaria de Aviação Civil, criada em 2011, teoricamente indutora da criação de políticas mais estratégicas para o setor?

 

Jorge Eduardo Leal Medeiros: A Secretaria é bastante ativa, não tem grande herança política e tampouco viés burocrático, a exemplo do Ministério dos Transportes. Mas, agora, ao colocá-la sob o Ministério dos Transportes, o governo a deixará muito limitada, pois ela passa a responder a uma estrutura muito antiga e, a meu ver, burocrática. Quando esteva sob Moreira Franco, Padilha e Guilherme Ramalho (que conhece muito bem a área) era muito mais ágil.

 

Meu receio é que sob a asa do Ministério dos Transportes a Secretaria de Aviação Civil perca a agilidade que tinha.

 

Correio da Cidadania: Quanto à concessão de alguns aeroportos à iniciativa privada, iniciada em 2012, que análise você faz, passado já algum tempo desse tipo de operação?

 

Jorge Eduardo Leal Medeiros: Como falei antes, dou boas vindas ao capital privado nos aeroportos, dado que o governo precisa se preocupar mais com outras áreas, como educação e saúde. Principalmente diante de uma empresa mal administrada, como é o caso da Infraero, cujo regime de contratações é regido pela lei 8.666.

 

Vale dizer que a Infraero é uma “.gov”, ao contrário da Petrobrás, que é “.com”. Acho que a MP ajuda muito. Lembro de uma reunião em 2001, do então presidente da Infraero com o governador em exercício Alckmin (pouco antes de o Mario Covas morrer) a dizer que a Infraero começaria a fazer investimentos no Aeroporto Internacional de São Paulo (Guarulhos).

 

Pois bem. O aeroporto só foi melhorado depois de mais de dez anos e com capital privado, por isso o considero necessário. Porém, o capital privado tem de entrar sozinho. Fazer a Infraero entrar junto é besteira.

 

Correio da Cidadania: No âmbito da segurança, o que pensa dos novos protocolos, inaugurados por esses dias, e que têm gerado longas esperas nos aeroportos, conforme diversas notícias da semana?

 

Jorge Eduardo Leal Medeiros: O Brasil assina tratados internacionais que exigem procedimentos padronizados no mundo inteiro, mesmo que não gostemos muito. A ressalva a fazer é que poderia ter sido feito um projeto piloto. Que experimentassem as medidas numa cidade de médio porte pra ver o resultado. Parece algo atabalhoado não ter sido feito com mais antecedência em uma cidade de tamanho médio, com tempo para medir o impacto.

 

Aviação é uma questão internacional da qual devemos participar. Por outro lado, o Brasil não costuma ser visado em termos de segurança nesse âmbito. Com as Olimpíadas, ficamos por um momento na mira internacional, o que explica o protocolo.

 

Para alguns trajetos, porém, tal protocolo pode ser repensado, pois, a depender do destino da viagem, pode acabar mais interessante ir de ônibus. Ou seja, se as companhias querem aumentar sua arrecadação, a medida precisa ser melhor trabalhada e, como dito, poderia ter sido mais bem ensaiada.

 

 

Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

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