Correio da Cidadania

Os desafios da democracia na América Latina

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Vive-se um momento peculiar no cenário político nacional. A eleição geral de 2006 foi a quinta eleição direta consecutiva para presidente da República. Isso representa um avanço na história política do Brasil, essencialmente marcada por governos oligárquicos, populistas e autoritários. Ao concluir o segundo mandato do governo Lula, completam-se 24 anos de democracia ininterrupta. Algo inédito até então. No entanto, é preciso aprimorar o regime democrático, resolvendo os problemas de ordem estrutural (econômico e social). 

 

Pode-se dizer que se conquistou, no Brasil, até o momento, uma democracia formal poliárquica (eleições livres e freqüentes; liberdade de expressão; fontes de informações diversificadas; autonomia para associações e cidadania inclusiva), segundo a prerrogativa de Robert Dahl. Entretanto, como questiona Saramago, “até que ponto se permite que esse sistema seja substancial?”, isto é, alcançamos uma democracia eleitoral e suas liberdades básicas; trata-se, agora, de avançar para a consolidação de uma democracia cidadã e inclusiva (é preciso passar da condição de meros espectadores para cidadãos participantes). A democracia é muito mais que um regime governamental, é mais do que um método para eleger e ser eleito. O sujeito, mais do que eleitor, é cidadão. De que adiante democracia se os problemas sociais e econômicos da maioria da população ainda persistem?

 

Talvez por isso, segundo a pesquisa do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) feita na América Latina, 54,7% dos cidadãos estariam dispostos a aceitar um regime autoritário se este resolvesse a situação econômica de seus países e respondesse às suas demandas sociais; 56,3% avaliam que o desenvolvimento é mais importante que a democracia e 58,1% concordam, também, que o presidente possa ignorar as leis para governar. A democracia ideal pressupõe que a participação pública e o espírito cívico dos cidadãos (associativismo, confiança e cooperativismo) sejam aprimorados em busca de justiça social e da emancipação humana. E mais, como diz Hélgio Trindade: “a construção da democracia participativa supõe uma combinação entre cidadania democrática e representação política plena”.

 

A democracia latino-americana não pode ser uma democracia que facilita os procedimentos, porém fracassa para proporcionar liberdades cívicas e garantir os direitos humanos - a que Larry Diamond denomina democracia iliberais (illiberal democracies), ou, ainda, a que Marcello Baquero chama de democracia inercial: com inexistência de instituições sólidas, comportamento político emocional e subjetivo, falta de fiscalização e predomínio de traços clientelísticos, personalistas e patrimonialistas entre os representantes eleitos. É necessário que se estruture na América Latina, nas palavras de Pablo González Casanova, uma democracia dos de baixo, onde os pobres vejam garantida a segurança social e econômica.

 

Além do autoritarismo democrático que vive na cultura política latino-americana, pode-se afirmar que impera uma típica democracia delegativa (Guillermo O’Donnell). Isso significa afirmar a existência de frágeis instituições políticas, em que se sucedem crises de ordem sócio-econômica (sucessivos planos econômicos), deterioração da autoridade presidencial, corrupção do aparelho do Estado e violência generalizada. Isto é, a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso de suas políticas é exclusiva do presidente da República. O presidente e sua equipe pessoal são o alfa e o ômega da política (o presidente isola-se da maioria das instituições políticas) e os problemas da nação são tratados por técnicos e burocratas, especialmente no que se refere à política econômica. A oposição e a resistência das ruas, da sociedade, do Congresso ou de associações de representação de interesse são silenciadas ou ignoradas. Prevalece a centralização política e a personificação do poder do presidente - é o que Hélgio Trindade chama de hiperpresidencialismo: “o presidente se considera legitimado por um poder delegado pelo voto para implementar, por mecanismos autoritários, suas decisões políticas”.

 

Por fim, além da participação dos setores organizados da sociedade civil e do olhar crítico e imparcial da mídia, é preciso outras formas de controle e “responsabilização” dos atos administrativos das pessoas que ocupam cargos públicos. Trata-se aqui de inserir o conceito de accountability (autoridades politicamente responsáveis, que podem ser responsabilizadas pelos seus atos, que devem prestar contas dos seus atos). Para André Marenco dos Santos, o accountability (controle democrático) pode ser vertical (relação governantes e governados) e horizontal: poderes externos podem punir o governo – separação de poderes (autoridades estatais que controlam o próprio poder: que pode empreender ações que vão desde o controle rotineiro até sanções legais ou inclusive impeachment, conforme o caso). A democracia pressupõe, igualmente, alternância de poder. A proposta de eleição ininterrupta de Chávez na Venezuela e a cogitação de um plebiscito para o terceiro mandato de Lula no Brasil diminuem as chances da consolidação e do fortalecimento da democracia no Continente.

 

 

Dejalma Cremonese é cientista político, professor do departamento de Ciências Sociais e do Mestrado em Desenvolvimento da Unijuí – RS

Web Site: www.capitalsocialsul.com.br

E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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