Direito ao Aborto
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- Frei Betto
- 13/03/2009
Embora contrário ao aborto, admito a sua descriminalização em certos casos, como o de estupro, e não apóio a postura do arcebispo de Olinda e Recife ao exigir de uma criança de 9 anos assumir uma gravidez indesejada sob grave risco à sua sobrevivência física (pois a psíquica está lesada) e ainda excomungar os que a ajudaram a interrompê-la.
Ao longo da história, a Igreja Católica nunca chegou a uma posição unânime e definitiva quanto ao aborto. Oscilou entre condená-lo radicalmente ou admiti-lo em certas fases da gravidez. Atrás dessa diferença de opiniões situa-se a discussão sobre qual o momento em que o feto pode ser considerado ser humano. Até hoje, nem a ciência nem a teologia têm a resposta exata. A questão permanece em aberto.
Santo Agostinho (séc. IV) admite que só a partir de 40 dias após a fecundação se pode falar em pessoa. Santo Tomás de Aquino (séc. XIII) reafirma não reconhecer como humano o embrião que ainda não completou 40 dias, quando então lhe é infundida a "alma racional".
Esta posição virou doutrina oficial da Igreja a partir do Concílio de Trento (séc. XVI). Mas foi contestada por teólogos que, baseados na autoridade de Tertuliano (séc. III) e de santo Alberto Magno (séc. XIII), defendem a hominização imediata, ou seja, desde a fecundação trata-se de um ser humano em processo. Esta tese foi incorporada pela encíclica Apostolica Sedis (1869), na qual o papa Pio IX condena toda e qualquer interrupção voluntária da gravidez.
No século XX, introduz-se a discussão entre aborto direto e indireto. Roma passa a admitir o aborto indireto em caso de gravidez tubária ou câncer no útero. Mas não admite o aborto direto nem mesmo em caso de estupro.
Bernhard Haering, renomado moralista católico, admite o aborto quando se trata de preservar o útero para futuras gestações ou se o dano moral e psicológico causado pelo estupro impossibilita aceitar a gravidez. É o que a teologia moral denomina ignorância invencível. A Igreja não tem o direito de exigir de seus fiéis atitudes heróicas.
Roma é contra o aborto por considerá-lo supressão voluntária de uma vida humana. Princípio que nem sempre a Igreja aplicou com igual rigor a outras esferas, pois defende o direito de países adotarem a pena de morte, a legitimidade da "guerra justa" e a revolução popular em caso de tirania prolongada e inamovível por outros meios (Populorum Progresio).
Embora a Igreja defenda a sacralidade da vida do embrião em potência, a partir da fecundação, ela jamais comparou o aborto ao crime de infanticídio e nem prescreve rituais fúnebres ou batismo in extremis para os fetos abortados…
Para a genética, o feto é humano a partir da segmentação. Para a ginecologia-obstetrícia, desde a nidação. Para a neurofisiologia, só quando se forma o cérebro. E para a psicossociologia, quando há relacionamento personalizado. Em suma, carece a ciência de consenso quanto ao início da vida humana.
Partilho a opinião de que, desde a fecundação, já há vida com destino humano e, portanto, histórico. Sob a ótica cristã, a dignidade de um ser não deriva daquilo que ele é e sim do que pode vir a ser. Por isso, o cristianismo defende os direitos inalienáveis dos que se situam no último degrau da escala humana e social.
O debate sobre se o ser embrionário merece ou não reconhecimento de sua dignidade não deve induzir ao moralismo intolerante, que ignora o drama de mulheres que optam pelo aborto por razões que não são de mero egoísmo ou conveniência social, como é o caso da menina do Recife.
Se os moralistas fossem sinceramente contra o aborto, lutariam para que não se tornasse necessário e todos pudessem nascer em condições sociais seguras. Ora, o mais cômodo é exigir que se mantenha a penalização do aborto. Mas como fica a penalização do latifúndio improdutivo e de tantas causas que, no Brasil, levam à morte, por ano, de cerca de 21 entre cada 1.000 crianças que ainda não completaram doze meses de vida?
"No plano dos princípios – declarou o bispo Duchène, então presidente da Comissão Espiscopal Francesa para a Família -, lembro que todo aborto é a supressão de um ser humano. Não podemos esquecê-lo. Não quero, porém, substituir-me aos médicos que refletiram demoradamente no assunto em sua alma e consciência e que, confrontados com uma desgraça aparentemente sem remédio, tentam aliviá-la da melhor maneira, com o risco de se enganar" (La Croix, 31/3/79).
O caso do Recife exige uma profunda análise quanto aos direitos do embrião e da gestante, a severa punição de estupros e violência sexual no seio da família, e dos casos de pedofilia no interior da Igreja e, sobretudo, como prescrever medidas concretas que socialmente venham a tornar o aborto desnecessário.
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com L.F. Veríssimo e outros, de "O desafio ético" (Garamond), entre outros livros.
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Comentários
entender que nao consegue mais fazer o mundo cristão engolir o seu lado negro..sob a capa da misericórdia e defensora da vida...princípios morais éticos que ela nao praticou em seu passado negro.
A igreja somos todos nós, vamos exigir que nos respeitem como seres de inteligencia e livre arbítrio nos dado por Deus quando na nossa crição Divina.
A vida pode até começar na concepção, mas nem por isso embriões podem ser chamados de “pessoas”. Os animais e plantas têm vida e nem por isso configuram-se como “pessoas”-nessa acepção, para nós, os embriões e fetos não são “pessoas”. O que torna um ser uma pessoa humana é o conjunto de três estágios de Aristóteles, no qual estão presentes os elementos da vida nutritiva, o da vida sensível e o da vida racional. Há realmente diferença entre um embrião, um feto e uma criança recém-nascida. Um recém-nascido já tem em si um processo de formação. Os três estágios rumo à pessoa humana, e jamais poderia ser confundido com um zigoto. Portanto, não se pode posicionar contrário ao aborto com argumento de que a vida começa na concepção. A vida animal irracional e vegetal pode ter começado na concepção, mas a do ser humano só se torna tal com a presença concomitantemente dessas tripulas formas de vida, o que implicará a verdadeira existência humana.
As idéias da igreja católicas foram tomadas do pensamento de Tomás de Aquino que optou por considerar o feto pessoal humana, ao duvidar a possibilidade de se estabelecer, precisamente, o momento da entrada desses estágios no embrião. A base da rejeição do aborto da igreja católica se pautou na opinião de uma pessoa que não tinha o conhecimento técnico-científico que temos hoje.
A perspectiva que devemos ter do aborto não é no sentido moral, mas no ético. A ética de ser reconhecer que, quanto à interrupção da gravidez, ela pode ser da ordem eugênica (o que repudiamos), da ordem voluntária (o que rejeitamos também). Aqueles que são totalmente contra e aqueles que são totalmente a favor. É perigoso qualquer um desse extremo sem reconhecimento das implicações existentes. A moral condena qualquer tipo de aborto fechando-se na clausura da condenação exacerbada de quem o praticou, enquanto a ética parte do princípio de que cada caso é um caso, devendo-se analisar separadamente aos casos de acordo com a evolução da sociedade, ouvindo o que a ciência tem a dizer. A ética nos faz entender que o aborto terapêutico é para salvar a vida da gestante. Na mesma perspectiva ética fomos confrontados da necessidade do aborto seletivo para identificar, selecionar e interromper gravidez com formações fetais. Isso se dá a partir da constatação dos casos de anencefalia, ou seja, quando se sabe perfeitamente que o feto não possui cérebro. É imoral e aético prosseguir com esse tipo de gravidez só pra massagear o ego dos religiosos cauterizados pela hipocrisia.
O aborto voluntário na perspectiva ética configura-se quando não se queira a gravidez nos casos reconhecidamente forçados (estupros). A moral católica baseada na opinião de Tomaz de Aquino não pode ser a última palavra acerca desse assunto tão complexo e espinhoso. Devemos estar abertos para tecer reflexões que nos façam pessoas conscientes, educadas para a vida. Quando se fala de vida, as pessoas logo pensam que a igreja defende vidas ao se posicionar contrária ao aborto na sua totalidade (sem exceções), pois o contrário é verdadeiro. A igreja legitima “não-vida” com essa atitude miópica: Que vida é essa que expõe ao feto anencefálico a mercê do acaso? Ou que obriga uma mãe estuprada de ter um filho, fruto da violência sexual? É impossível sustentar a vida face essa realidade inautêntica, isso não passa de métodos de controle social, a fim de intrometer na vida individual dos fieis. A igreja tem que entender que acabou o casamento entre ela e o Estado. A temática do aborto é demasiado difícil para ser discutido no sentido moral da igreja, por ser antiquado e fora da realidade social que vivemos.
Para ser dinâmica, a igreja há de reconhecer que, em alguns casos, a melhor saída é o aborto, uma vez que aceita métodos naturais de se evitar a gravidez. Ora, se aceita um dos métodos supostamente natural, é por que não considera moralmente errado métodos não-abortivos. Porém indaga-se: Que diferença faz se o objetivo é impedir a gravidez? Por que não podemos impedir a gravidez fruto duma violência? Devemos fechar os olhos á realidade das crianças e mulheres, marcadas pela violência sexual só porque a igreja acha moralmente inaceitável o aborto nesses casos? Essa temática se deslize para o campo ideológico-religioso, ao invés de ser uma questão social-política que repudia a vaguidade eclesiástica, da condenação. Se quisermos melhorar a relação moral do aborto com visão ética do mesmo, a questão da legalização do aborto deve ser discutida amplamente num diálogo sério baseado na realidade social (aborto clandestino). Nesse sentido, a questão da antropologia deve ser abordada nesse diálogo. Nas palavras do Pe. Léo Pessíni em “qual antropologia como fundamento da defesa da vida”? Afirma que: nas antropologias antropocêntricas, a dignidade consiste num atributo socialmente conferido pelos indivíduos a si próprio ou pelos outros. É definida com base em certos atributos de personalidade que podem ser perdidos com a doença, a deficiência mental, o estado de consciência e assim por diante. Um exemplo de dissonância em relação a esse ponto é a atribuição, por parte dos católicos, de dignidade pessoal para o embrião, desde a concepção e sua negação categórica pelas outras. Alguns defendem o “respeito” pelo embrião, mas não como pessoa. Paradoxalmente, sustentam que o embrião pode ser sacrificado pelo bem do outros, como no caso de obter células-tronco para pesquisa com o objetivo de curar determinadas doenças de cunho genético que infernizam a vida de muita gente.
Tendo em vista não existir a única forma que nos auxilie para uma completa compreensão do ser humano ou enquanto, o que seja pessoa humana, a igreja não detém “a verdade moral” universal sobre a questão do aborto. Convém salientar que ela deve ter a sapiência de querer aprofundar a reflexão sobre a temática e não procurar fechá-la conceituando-a como “pecado”, senão permanecermos na ignorância moral quando não reconhecemos a necessidade do aborto em alguns casos específicos.
Cornelius Okwudili Ezeokeke
INSTITUTO DE CIÊNCIAS RELIGIOSAS (ICRE).
Acho que tanto os que são contra como os que são a favor, da despenalização - descriminalização - e o aborto em si - nas suas diversas hipoteses(notem bem que existe diferenças nas formas propostas)devem se pautar na sua maioria com mais coerência.
frei Beto ao meu ver é uma autoridade sócio - teológica !!!
Obrigado.
Frei Betto nos mostra a relaidade da Igreja no trecho:"Se os moralistas fossem sinceramente contra o aborto, lutariam para que não se tornasse necessário e todos pudessem nascer em condições sociais seguras. Ora, o mais cômodo é exigir que se mantenha a penalização do aborto. Mas como fica a penalização do latifúndio improdutivo e de tantas causas que, no Brasil, levam à morte, por ano, de cerca de 21 entre cada 1.000 crianças que ainda não completaram doze meses de vida?"
então primeiro começamos a organizar, limpar de dentro pra fora e não de fora pra dentro.
Disse Jesus um dia e em algum lugar: Eu vim para que todos tenham vida.. com dignidade, sim senhor..
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