As massas, o espontaneísmo e o voluntarismo
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- Wladimir Pomar
- 20/05/2009
Há pouco tempo escrevi que o problema da ultra-esquerda é que ela continua supondo que são os partidos e os governos que fazem as massas trabalhadoras se movimentarem, para o bem ou para o mal. Desconsidera que as massas possuem sua própria dinâmica de aprendizado. E que são capazes de mobilizar-se por conta própria, quando não estão mais dispostas a aceitar determinadas políticas. É por isso que o governo Lula, o PT e a ultra-esquerda não são capazes de mobilizar as classes trabalhadoras do Brasil para algo além do que elas pretendem no momento.
Para uns, o parágrafo acima seria uma "defesa desinibida do espontaneísmo". Deduzem daí que, "se as massas trabalhadoras se movimentam por conta própria", isso constituiria uma defesa da tese de que os partidos e os governos populares devem adaptar-se "passivamente a esse nível de mobilização espontânea das massas trabalhadoras", já que "eles não teriam nem a possibilidade, nem a responsabilidade de interferirem no nível de consciência, organização e mobilização das massas trabalhadoras".
Sua conclusão: a pretexto de combater o voluntarismo, aquele parágrafo abdica da "responsabilidade que têm os setores mais conscientes e organizados dos trabalhadores de ajudar os demais a avançarem" e "apaga o papel que determinados líderes, partidos e governos influentes podem desempenhar em frear e, até mesmo reverter, a conscientização, a organização e a luta dos trabalhadores".
Naquele parágrafo, fiz apenas três afirmações. Primeiro, as massas possuem sua própria dinâmica de aprendizado. Segundo: as massas são capazes de mobilizar-se por conta própria, quando não estão mais dispostas a aceitar determinadas políticas. Terceiro: ninguém é capaz de mobilizar as massas para algo além dos que elas pretendam no momento.
Em nenhum trecho o parágrafo ou o artigo tratou de como os partidos e os governos populares devem atuar diante da dinâmica de aprendizado e mobilização das massas. Assim, ao invés de discutirem as afirmações do parágrafo, que são realmente as básicas do artigo, os críticos preferem discutir suas próprias suposições. E atacam ao autor pelo que não disse.
Não discutem se as massas possuem ou não uma dinâmica própria de aprendizado, e que importância tem isso para o trabalho cotidiano dos partidos populares. Não questionam se as massas são ou não capazes de mobilizar-se por conta própria, quando não estão mais dispostas a aceitar determinadas políticas, e que importância tem isso para a luta por reformas estruturais, para não falar da revolução social. Nem respondem se alguém é ou não capaz de mobilizar as massas para algo além do que elas pretendam no momento, e que importância isso tem para a tática e a estratégia dos partidos populares.
Como todos os voluntaristas, não querem discutir essas questões. Porque, para eles, tudo depende dos setores mais avançados, dos líderes, partidos e governos "ajudarem" os setores mais atrasados a avançarem, interferindo em seu nível de conscientização, organização e luta. E, quando líderes, partidos ou governos não agem sobre as massas como os voluntaristas pretendem, isso representa, para eles, algo parecido a uma traição.
Se isso fosse apenas um debate literário ou teórico, talvez não valesse a pena perder tempo com ele. No entanto, a história brasileira tem um vasto cabedal de experiências em que o voluntarismo foi a visão predominante entre as forças populares, causando imensos prejuízos à conscientização, organização e luta das massas. Uma análise da história brasileira do século 20 mostra que o voluntarismo causou muito mais prejuízos que o espontaneísmo, embora este também deva ser combatido.
A questão básica para superar o voluntarismo, e também o espontaneísmo, consiste em discutir o papel das massas na história, sua dinâmica de aprendizado e mobilização. A história está cheia de exemplos de mobilizações massivas, em todas as épocas e em todas as regiões do planeta, incluindo o Brasil, como forjadoras dos líderes, partidos e até de governos. Se os voluntaristas ajudassem a recuperar essas experiências históricas, prestariam uma grande ajuda a si próprios.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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Comentários
Falo isso pq se falamos que nosso objetivo é conqusitar o poder do estado, inclusive de forma revolucionária, não estamos dizendo que nosso objetivo é chegar ao governo. Esse último, pode ser no máximo parte do processo de acúmulo de forças.
2 - Intelectual orgânico é aquele que organiza e contribui para a organização da classe, não precisa ser uma pessoa física necessariamente, pode ser o próprio partido político como intelectual que formula e orienta a classe. É diferente do inteletual tradicional, que não está vincular organicamente à classe.
São duas reflexões e problematizações que são importantes para pensar o debate.
No mais, o texto do Pomar é muito bom. No fundo o que subsiste em grande maioria nos setores "mais à esquerda" é a tese da crise de direção, que pouco explica a realidade concreta e uma série de confusões e imprecisões sobre categorias fundamentais do marxismo.
É isso, abraços.
Na minha modesta opinião, no seu afã de crítica ao voluntarismo - propósito sem dúvida meritório - revela sensíveis simpatias pelo espontaneísmo.
Manifesto o meu acordo com o propósito de discutirmos o papel das massas na História. As massas -operárias, camponesas, trabalhadoras, populares, consoante cada exemplo concreto - desempenham o papel central em todos os grandes acontecimentos de viragem e mudança políticas. São as massas, quando organizadas e em acção, que materializam um propósito ou objectivo político, sob a condição de se encontrarem ganhas/direccionadas para o alcançarem. Sem programa político não existe acção política consequente.
Então, discutamos os objectivos e os meios e deixemos para depois a sua classificação, usando então os diversos \"ismos\" disponíveis.
Sempre me interessei em descortinar esta figura, nomeada por Gramsci, a do Intelectual Orgânico. Já vou esclarecendo que não sou especialista em nada, além de bosta de vaca, veterinário rural que sou. Mas, tentei entender algumas coisas "pela aí".
O Intelectual Orgânico sempre me foi apresentado como aquele agente partidário que ia "às massas" (não as italianas e chinesas) para, pensando estar identificado com elas, instruir e alavancar a Revolução, a partir das teorias políticas de combate ao capital, e seus vários matizes.
Isso gerou o orgulho paternalista com que os Agentes Partidários (e da Revolução, como se achavam)exibiam um egresso das Classes Populares e o exibiam como novo militante de vanguarda, por ter absorvido as teorias políticas de esquerda em voga.
Quando resolvi ler, eu mesmo, Gramsci no original (em português, é claro)entendi outra coisa.
Entendi que o verdadeiro Intelectual Orgânico é aquele que, egresso de que classe for, teve oportunidade e possibilidade de acessar a compreensão não apenas empírica de sua existência e dos seus pares de origem, sem perder o Norte de sua Cultura Original, mesmo sabendo que é necessário a miscigenação e dela com a chamada Cultura Formal.
E também que sua tarefa é refletir dia a dia a teoria política, a partir do REAL e não do IDEALIZADO e a de ensejar a criação e surgimento de novos Intelectuais Orgânicos, cada vez mais egressos das Classes Pobres, agora acessando, em massa, o conhecimento intelectual não empírico.
E isso só se consegue com a convivência CULTURAL entre Intelectuais e Aspirantes a ser um, e não a TRANSPOSIÇÃO de uma Cultura (a chamada formal) para a Empírica. O máximno que se conseguiu com isso foi a ridicularização dos Folclores Populares.
E que essa atitude moderadora e mescladora das culturas em jogo, não é pelo atraso, mais sim por um Desenvolvimento Humano Possível e mais equalizado com o horizonte de possíveis usuários dos avanços tecnológicos, em acessos democratizados, e produzidos não por uma necessidade de mercado = Mais Valia e Lucro(Milton Santos e Sebastião Pinheiro), mas sim por necessidades intrínsecas e emanadas pela própria sociedade, em regime de livre manifestação.
Assim, o Voluntarismo não seria nunca um Paternalismo idiota ou apenas interesseiro, e nem a idolatria do Expontaneísmo insuficiente poderia vingar em uma dinâmica desta.
1) Primeiramente cumprimentar o W. Pomar por se dignar em dialogar com invisíveis sociais e desimportantes políticos que comentam criticamente seus artigos, aqui no Correio... É um alento saber que a nossa esquerda não é composta só por aristocratas.
2)Como Einstein já nos legou, a localização de qualquer corpo no espaço, agora transferindo para as ideologias, dependem de onde se localiza o observador. Portanto, a sustentação dos argumentos factualmente, são mais esclarecedoras do que classificações de direita, centro, esquerda e ultra esquerda. Somos o que fazemos, não o que dizemos ser, já disse o velho Anarquista.
3)Não li em lugar algum, nesta polêmica, que são "os governos e os partidos que mobilizam as massas". Mas é fato que eles, no Poder têm possibilidades de impedirem ou atrasarem esta mobilização e tomada de consciência, a partir de vários expedientes que vão da corrupção ideológica até a material (principalmente de dirigentes e ideólogos subalternos), quando não pela repressão pura e simples.. Isso é fato.
4)"As massas" só são homogêneas sob dois aspectos:A)quando nos referimos às massas comestíveis (as da Itália e chinesas são supimpas); B)Quando são fruto de concepções que fazem parte de um idealismo pragmático, impostos por regimes e ideologias autoritárias, onde as pessoas são objeto e não sujeirto das transformações sociais propostas.
5)As "dinâmicas próprias de aprendizado" não são dons divinos, na minha concepção. Fazem parte, como resultante, das vivências e oportunidades materiais e psicológicas que as pessoas experimentam. Portanto, o que dissemos, foi exatamente o contrário do que W. Pomar entendeu, e fez de base para seu argumento central, neste artigo acima, o colocando então, no cadafalso do idealismo.
6) Estas vivências e consciências" das massas" são produzidas pelas políticas que a Clase Dirigente e a Burguesia (Proprietários dos Meios de Produção) impõem à sociedade, em uma correlação de forças estupidamente desigual, pois uns detêm em seu poder, TODOS os instrumentos formadores do Capital e da Opinião Pública. E quando não elaboradas e a situação chega a limites insustentáveis, como todos nós sabemos, acaba em barbarie e a consequente repressão indiscriminada.
7)Parto também de minhas vivências pessoais e profissionais, em contato direto, no caso, com sistemas produtivos da agricultura e agroindústrias familiares, onde pretendemos resgatar esta "dinâmica de aprendizado das massas", adicionando elementos teóricos e práticos para que se possa fazer uma leitura consciente e não empírica do que se têm, para podermos avançar política e tecnologicamente. Não amamos, portanto, o expontaneísmo, aliás, que muito agrada os Bonapartistas e Autoritários Iluministas, em geral, e alguns no particular.
Aliás, por isso sou encantado por Paulo Freire e Francisco Ferrer y Guardia (Escola Moderna, Espanha).
6)É lamentável sermos desclassificados como voluntaristas, quando apenas queremos a discussão fora do pedestal do poder institucional, como lamentavelmente virou moda na "esquerda" brasileira. O Poder popular encontrará suas institucionalidades próprias para se firmar. Não vejo Indígenas, Caiçaras e Quilombolas, por exemplo, ativistas em Partidos políticos de origem cultural européia, como principal instrumentos de sua luta política. E as "massas urbanas" apenas têm servido de substrato eleitoreiro para seus comandantes.
E esta tarefa libertadora requer muito mais do que simples expontaneísmo.
7) Concluindo: Não acho correto nem políticamente confiável, que absorvamos a idéia que, "há, uma dinâmica própria, natural e epontânea nas "massas" a qual devemos obedecer, para não avançarmos muito nas formulações, "que se tornariam incompreensíveis para as "massas populares". O perigo é gestarmos nossos planos e proposições políticas em gabinetes e aparelhos político-
institucionais, dentro ou fora do Poder, e levá-las prontas para os "Populares", sem uma convivência diuturna com quem escolhemos como nossos pares sociais. É a receitra para o fracasso.
Quem serve massas prontas é a Sadia-Perdigão, na tal BRF. E são intragáveis.
Espero que este importante debate, não teórico, mas vivo continue.
Só que todo esse raciocinio me lembra demais as práticas utilizadas nos projetos inseridos no Desenvolvimento de Comunidade, em que a população era resposabilizada por seus problemas e cabia a mesma juntamente com a ajuda dos intelectuais a superação de seu subdesenvolvimento...
Como agir diante desta situação?
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