Correio da Cidadania

Acirra a luta de classes na Venezuela

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Filas quilométricas, desejo de participação soberana

Apesar de todo o terror promovido pela oposição, a Venezuela votou nesse domingo para a nova Constituinte. Mais de oito milhões de votos. E a população não mediu esforços para chegar aos locais de votação, que estiveram sempre lotados. Muitas estradas foram cortadas pelos guarimbeiros, e ainda assim as pessoas conseguiam passar. Muita gente atravessou rios, enfrentou perigos, mas não deixou de comparecer. O CNE teve que garantir um estádio para urnas especiais, justamente para aqueles que não conseguiram chegar aos locais de votação por conta das ações violentas da oposição.

Quem acompanhou tudo pelas redes sociais pode perceber a intensa movimentação da população, enquanto os atos de terror tentavam desesperadamente barrar a jornada cívica. Henrique Capriles e Leopoldo López insistiam para que seus partidários saíssem às ruas para inviabilizar a eleição. Eles mesmos não saíram, entregam o serviço para seus seguidores. Ou seja, seguiam fazendo o que tem feito desde que Chávez assumiu o governo em 1998: incentivando a violência. López foi preso por ter insuflado as gentes às guarimbas (trancamento violento de ruas), que deixaram mais de 40 mortos. Há poucas semanas ele ganhou prisão domiciliar e foi o que bastou para que retomasse seus chamados à violência.

A mídia comercial internacional parecia não estar vendo a realidade das ruas. Tudo o que mostravam eram os pontos onde estavam os guarimbeiros, e insistiam que aquela gente toda que estava nas filas votando o fazia por medo. A palavra de ordem era fraude. Mas, que fraude pode haver quando metade da população sai às ruas, enfrentando uma virulenta violência, para deixar seu voto na urna? E que medo pode levar um povo a votar num governo que tem invertido a prioridade da renda petroleira desde 1998, em favor das gentes?

É muito importante lembrar que a oposição – que passou o dia incentivando a violência – não participou do processo. Não quis participar, recusou-se, apesar do chamado do governo para que disputassem nas urnas a sua proposta. A MUD não veio para as urnas porque sabia que não venceria. Buscou um plebiscito paralelo e viu até onde poderia chegar. Assim que os mais de oito milhões de votos garantidos ontem são chavistas e bolivarianos.

No entanto, dentro desse grupo também há divergências e divisões. Alguns querem mais radicalidade no governo, outros querem que mude a política econômica com um severo ataque aos banqueiros, outros ainda não querem saber de acordos com a burguesia nacional. Enfim, há uma batalha pelo aprofundamento ou não do caminho ao socialismo.

Enquanto o povo venezuelano acorria às urnas para defender o bolivarianismo e o poder popular, a Organização dos Estados Americanos tentava mais uma vez aprovar medidas de intervenção na Venezuela. Não conseguiu. Apenas 13 dos 35 países que conformam a instituição assinaram as declarações intervencionistas, de joelhos diante dos EUA: Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Estados Unidos, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai e Peru.

Os Estados Unidos já anunciaram que vão criar uma série de sansões à Venezuela, fazendo o que sempre fazem quando querem destruir um país, o qual não se curve diante do império. Essa é a tática mais usada pelo “Tio Sam”. Estrangular economicamente. No geral é uma tática que dá certo, mas, por vezes, não. É o caso de Cuba que vive um bloqueio desde há quase 60 anos e segue caminhando nas estradas do socialismo e da participação protagônica das gentes.

Assim que cumpridas as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte a luta dentro da Venezuela certamente vai se ampliar. A oposição não desistirá de promover a violência, já que a guerra econômica não deu muito certo. Apesar de toda a escassez de produtos imposta pelos comerciantes ligados à oposição, a população tem resistido e o governo conseguiu construir uma rede de distribuição mínima que garante pelo menos os produtos básicos.

Claro que nesse processo perdeu apoio na classe média, que sempre pende para a direita quando alguma coisa vai mal e exige sacrifícios. Ainda assim é fato que o chavismo ainda tem muito poder no país. Não fosse assim a população não teria enfrentado a possibilidade de morrer para garantir um voto na urna. Afinal, o terror não deu trégua e foram contabilizadas pelo menos oito mortes. Até uma explosão, no final do dia, foi registrada.

Horas depois do encerramento da votação, à qual a mídia comercial acusa de fraudulenta, Leopoldo López já estava nas redes sociais chamando seus partidários a ocupar as ruas. Isso significa que o processo de violência vai se aprofundar. E esse processo, financiado por fundações estrangeiras, estadunidenses na maioria, é incensado na mídia como “resistência”, criando uma opinião pública favorável internacionalmente. O objetivo final de tudo isso é um golpe desde dentro, ou uma intervenção militar desde fora, com o apoio dos Estados Unidos. Tudo isso para garantir a “democracia”, que é o argumento sistematicamente usado para destruir países não alinhados.
Democracia é um conceito bastante maleável, ele sempre varia de acordo com os interesses do país que detém o poderio militar mundial: os Estados Unidos. Para o país do norte, democracia pode ser o golpe perpetrado no Brasil.

Nada há de errado aí. Tudo muito democrático. Inclusive a deposição de uma presidente sem que ela tenha cometido crime algum, como ficou provado. Democracia também pode ser eleger um presidente por eleição indireta, como é nos Estados Unidos. Lá, delegados escolhidos de maneira geralmente fraudulenta – comprovadamente – são os que escolhem o presidente. A maioria da população fica de fora. Democracia também pode ser o regime teocrático e violento da Arábia Saudita ou de Israel. Agora, na Venezuela, não é democracia o povo decidir pelos seus destinos reiteradas vezes em eleições livres do poder econômico.

Portanto, o que fica claro é que o episódio Venezuela é mais um desses momentos em que se definem caminhos. Óbvio que não é o regime perfeito e ainda está muito longe do socialismo, mas tem suas bases muito firmes na população, principalmente na camada mais empobrecida. Essa gente não quer passo atrás, sabe muito bem o que é ser governada por uma elite que não se importa com os de baixo. Por isso, as pessoas enfrentaram o medo de morrer. Porque sabem que morrer aos pouquinhos é muito pior.

A nova Constituição pretende agora aprofundar ainda mais a participação popular, institucionalizando as missões, que são as organizações de base. Mas não é só isso. Ela vai batalhar também pelo aprofundamento do socialismo, tendo como base a soberania da nação. Isso é o que leva os Estados Unidos a intervir.

Um governo pode fazer o que quiser menos pensar em ações soberanas. Isso é imperdoável. A história é pródiga em exemplos. Não foram poucos os países que tiveram seus presidentes mortos ou depostos por conta disso. Na América Latina podemos lembrar de Jacobo Arbenz, na Guatemala, Omar Torrijos, no Panamá, João Goulart, no Brasil, Allende, no Chile, entre outros. E nas outras partes do mundo também. O mundo árabe é chaga viva na atualidade.

O bom é que também há exemplos de países que lutaram e venceram o império, mesmo nas condições mais adversas, como o Vietnã e Cuba. Isso significa que sempre há uma chance.  

Nosso vizinho país, a Venezuela, ainda vai viver momentos duros e é muito importante que os brasileiros ofereçam sua solidariedade, sem cair no conto da carochinha que a mídia comercial conta. A mídia mente. Maduro não é um santo, mas também não é o demônio. E o povo venezuelano sabe muito bem o que quer para si. Que se respeite isso!

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Elaine Tavares é jornalista e membro do Instituto de Estudos Latino-Americano da UFSC.
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