Correio da Cidadania

Honduras: elementos para entender a anatomia de (mais um) golpe de Estado

0
0
0
s2sdefault

(Fotos de Delmer Membreno)

No dia 3 de março de 2016, a ativista ambiental hondurenha Berta Cáceres, da organização Conselho de Populares e Organizações Indígenas de Honduras (COPINH), foi assassinada em condições que ainda não foram totalmente esclarecidas.

Conquanto se especule que há uma grande participação de grupos paramilitares nacionais, interessados em calar as vozes dissidentes sobre os efeitos devastadores da mineração em Honduras, é também veiculada uma participação do ex – e provavelmente futuro - presidente Juan Orlando Hernández (JOH), do Partido Liberal (PL). Ao que tudo indica, em mais um narcoestado latino-americano.


Passados cerca de um ano e meio, dezembro de 2017 marca a profunda instabilidade societária em que vive Honduras, após a ausência de um resultado final nas eleições nacionais realizadas em 26 de novembro do presente ano.

Ao anúncio do Supremo Eleitoral Tribunal (TSE), após inéditas dez horas de contagem e com a pressão de observadores internacionais, da vitória do candidato Salvador Nasralla, da Alianza de Oposición (ver foto 3), com uma vantagem de 5% sobre o atual presidente, JOH, seguiu-se também comemorações e uma desconfiança – posteriormente confirmada – de que uma fraude eleitoral não os livraria do presidente atual.

Por sua vez, o partido Alianza de Oposición é um amálgama de partidos opostos ao Partido Nacional, no poder desde o golpe de Estado em 2009. Outros quadros de oposição incluem Xiomara Castro, esposa de Zelaya, do Partido Libre, criado em 2011.

A contenda, desde então, se complexificou bastante, por conta da memória recente do golpe de Estado perpetrado contra o presidente Manuel Zelaya, do Partido Libre em 2009 (*1), removido à força e com auxílio norte-americano, após propor uma consulta popular para a alteração da constituição que possibilitasse sua reeleição(*2), mas também um giro à esquerda, cosubstancializada na integração à Aliança Bolivariana para América (ALBA).

E, igualmente, outras justificativas foram utilizadas para removê-lo do poder, como suas medidas consideradas notadamente vanguardistas, a saber, a tentativa de legalização das drogas, dado que o narcotráfico é um dos maiores problemas de toda a região centro-americana, em um fluxo contínuo de drogas até os EUA, que deixa um lastro de pobreza, corrupção e destruição.

Após passado quase um mês da irresolução das urnas no país, é importante lembrar o quanto a alteração constitucional que prevê a reeleição, é importante para os discursos do(s) golpe(s) no país. Basta lembrar que JOH se elegeu em 2013, e, logo em seguida, em 2015. A suprema corte do país permitiu sua reeleição, considerado anteriormente o motivo para a deposição de Zelaya, em 2009, mas agora com o auxílio do poder judiciário, em seu artigo 42, outrora considerado imodificável.

A pane técnica do TSE, após as eleições presidenciais de 2017, já indicava a indisposição do Partido Liberal de deixar o poder, com relatos de votos de pessoas mortas contabilizadas a favor de seu candidato, JOH, assim como a alegada proeminência de um fenômeno conhecido como voto rural, que teria aparecido de última hora, para auxiliar a manutenção do status quo direitista.

Contudo, se paira uma incerteza sobre se as ruas conseguirão reverter o que tudo indica ser mais uma fraude a favor de JOH, prontamente reconhecido pela população hondurenha como ditador, a certeza parece residir na combatividade dos cidadãos, nas ruas desde o dia das eleições, com protestos massivos e bloqueios de rua, que tiveram como uma inflexão a instauração de um Estado de emergência no país, em 1º de dezembro, de forma a manter a população em casa, sem a possibilidade de protestar.



Ademais, cabe apontar que a Polícia Militar do país apareceu, involuntariamente, como protagonista nessa contenda, com a ocorrência de alguns oficiais que se recusaram, nos protestos desde 4 de dezembro, a obedecer ordens superiores de reprimir os hondurenhos, em uma greve conhecida como brazos caídos (*3).

Segundo o Comitê de Familiares de Presos e Desaparecidos em Honduras (COFADEH), já passam de doze mortos e 1200 presos nos conflitos nas ruas de todo o país desde então. O primeiro resultado dessa greve foi a suspensão do toque de recolher decretado pelo presidente, e o aumento da pressão popular para que o TSE respeite a vontade popular e realize uma recontagem dos votos.

Em meio às acusações de vandalismo e violência nas ruas por parte do candidato do Partido Liberal, que incluiriam a participação dos maras, gangues notadamente presentes no país vizinho, El Salvador, que aterrorizam a população local, o resultado das eleições segue inconclusivo.

No entanto, o passado remoto do país parece sinalizar para mais um golpe de Estado, que incluiria o silenciamento da oposição e a repressão massiva dos hondurenhos, demandando a recontagem dos votos e a atenção dos organismos de fiscalização eleitoral internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA).

O papel da sociedade civil internacional, nesse momento, parece restrito à observação vigilante das violações de direitos humanos e à nomeação das vítimas dos protestos recentes, que incluem José Abilio Soto, Kimberly Dayana Fonseca Santamaría, e agentes policiais, em protestos que se arrastam nas últimas semanas.



Notas:

*1: É importante sublinhar o papel assumido pelo Brasil após o golpe de Estado em 2009, que não reconheceu o governo hondurenho que depôs Zelaya, além de oferecer exílio para ele na embaixada brasileira em Tegucigalpa, durante cerca de quatro meses. Em detrimento dessa resposta rápida no passado, a política externa atual sinaliza uma certa mudança ideológica, não tendo acenado para o apoio da recontagem de votos, algo realizado por diversos países.

*2: A Constituição Federal de Honduras, em seu artigo 42, proibiria a reeleição. No artigo 42 proíbe incitação de constituição, artigo que foi invocado à época pra prisão do Zelaya, golpe militar de Estado.

*3: Braços cruzados, em tradução livre do português.


Simone da Silva Ribeiro Gomes é doutora em sociologia pelo IESP-UERJ.
Fotos de Delmer Membreno: delmermembreno.wixsite.com/photo.

0
0
0
s2sdefault