Correio da Cidadania

“Milei quer país sem Estado nem moeda, dependente dos EUA”

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“Javier Milei está falando em privatizar empresas públicas estratégicas como a YPF e desmontar o Banco Central, emblemas da soberania argentina, a fim de nos deixar sem Estado e sem moeda. Isso significaria substituir a nossa bandeira pela de outro país, abrindo mão da autonomia política e econômica. O personagem eleito quer uma sociedade mercadocrática, dependente dos Estados Unidos, mas nosso povo tem uma longa história de resistência”.

A afirmação é da jovem Mercedes Cabezas, secretária-geral adjunta da poderosa Associação dos Trabalhadores do Estado (ATE), entidade que congrega 350 mil servidores da Argentina a nível nacional, das províncias (estados) e municípios.

Segundo a líder sindical, “é inimaginável pensar a Argentina sem um Banco Central ou deixar de ter a nossa própria moeda e imprimi-la, pois significaria não ter a possibilidade de sustentarmos uma economia independente”. A verdade, reiterou, “é que não há muita diferença entre isso ou adotar outra bandeira”. Ao contrário desse descaminho, defendeu, “o que temos de fazer é fortalecer a nossa moeda, bem como a supervisão do Banco Central sobre a regulação dos demais bancos, principalmente dos privados”.

Mercedes disse ver com “muita preocupação” e de forma “absurda” a postura de Milei. “Numa campanha de estigmatização do funcionalismo”, antes mesmo de tomar posse no dia 10 de dezembro, falou em “demissões massivas e cortes de direitos”, já que para os servidores a negociação coletiva “é a base do diálogo entre as três partes: empregadores, trabalhadores e o próprio Estado, representado pelo Ministério do Trabalho”. Para piorar o clima, alertou, “está chamando os jovens e a população a se colocarem contrários às reivindicações da classe trabalhadora, estimulando uma luta do povo contra ele mesmo”.

“Vivemos na Argentina um sistema extremamente perverso, uma sociedade com muita concentração de capital. Particularmente nos quatro anos do período neoliberal de Mauricio Macri (2015-2019) houve um endividamento feroz, que comprometeu as gerações futuras por décadas. O Estado, que deveria resolver as desigualdades estruturais, foi reduzido em sua capacidade”, ressaltou a dirigente da ATE.

“Mais Estado e soberania”

Diante do agravamento da situação econômica, ponderou Mercedes, “pensamos que a saída da crise Argentina é com mais Estado e não menos, com um Estado maior, soberano, que controle a fuga de capitais e faça uma profunda reforma tributária, redistributiva, na qual paguem mais impostos os que mais têm”. Logicamente, esclareceu, “isso não se faz reduzindo o Estado, se desfazendo das suas empresas”, mas qualificando cada vez mais a sua capacidade de melhorar a vida das pessoas.

Na avaliação da liderança, “também é uma loucura supor que se pode privatizar nossos recursos naturais renováveis”, que são uma das bases de sustentação do desenvolvimento argentino. Em primeiro lugar, “Milei terá de reavaliar essas medidas” e, posteriormente, “nosso povo tem uma trajetória de resistência e erguerá barreiras contra esses atropelos à sua soberania”.

Outro ponto a ser considerado, salientou Mercedez, é que o governo não conta neste momento com maioria parlamentar, nem na Câmara nem no Senado. “Embora saibamos que o sistema de coparticipação das províncias [repartição de recursos federais] funciona como coerção e, portanto, nos traz preocupação, pois soa como mecanismo de chantagem”, advertiu a sindicalista. Este ponto traz a necessidade de que o movimento sindical e social atue de forma articulada, redobrando a atenção e a pressão sobre parlamentares que “quando eleitos são colocados lá para representar o povo”.

O quórum exigido para reformas constitucionais é de 3/5 - ou seja, 155 dos 257 deputados e 43 dos 72 senadores - e Milei não tem esta base. Portanto, votando em bloco, os peronistas conseguirão impedir qualquer reforma constitucional, embora não sejam suficientes para impedir a aprovação de leis ordinárias. Daí a relevância da mobilização, explicou.

“Combate pela comunicação pública”

Nesta luta em defesa do desenvolvimento, da verdade e da justiça, frisou a líder da ATE, os meios públicos de comunicação têm a responsabilidade de elevar o nível do debate, “pois são os únicos que chegam a todos os rincões do país”. “A visão de mundo a partir da mídia privada impede as iniciativas de justiça social que nós propomos. Portanto é uma barbaridade falar em privatizar meios públicos como a Rádio Nacional, a TV Pública e a Telam (Agência Nacional de Notícias), que são as únicas repetidoras que chegam a todos os lugares. São meios que alcançam pontos a quem não interessa ao mercado - isto é, ao cartel midiático - por não serem rentáveis. É preciso ter claro que nem tudo é rentabilidade, daí a necessidade de dar condições de igualdade de oportunidades para todos. Nesse sentido, o público ganha uma relevância essencial”, frisou. O fato que precisa estar claro, enfatizou Mercedes, “é que meios de tamanha relevância devem ser necessariamente públicos, porque são eles que garantem o olhar social sobre a informação, que dão a possibilidade de fazê-la chegar da melhor maneira aos quatro pontos cardeais do nosso país”.

Na batalha da manipulação e da desinformação, como ficou explícita mais uma vez na cobertura eleitoral da Argentina, a questão da mídia cumpre um papel estratégico, e foi mais uma vez reiterada pela líder da ATE. “Os meios privados respondem a interesses empresariais e em nosso país a concentração midiática é uma questão muito complexa, porque reproduz os interesses do capital. O que temos tratado de repercutir é a defesa dos nossos direitos e garantir que os serviços de Estado sigam sendo de excelência, com a qualidade que tem hoje, fundamentalmente cumprindo o seu papel social”, ponderou.

Na queda de braço contra aqueles que nos querem ver divididos e enfraquecidos, Mercedes Cabezas conta ter a Argentina e os demais países do Mercosul “como integrantes da Pátria Grande latino-americana, o que torna sumamente importante a solidariedade, o abraço dos povos próximos e o apoio da América Latina”. Em oposição ao caminho integracionista, condenou, “o personagem eleito demonstra sua pouca vontade em seguir em frente na construção política e econômica do Mercosul”.

“Neste sentido, os povos irmãos e fundamentalmente o Brasil assume um papel chave para nos ajudar no período que se avizinha, que será bastante difícil. Tenho certeza de que ao enfrentarmos esses dias irmanados, a vitória será muito mais rápida, saindo da crise com mais Estado e políticas públicas, porque a solução é sempre coletiva”, concluiu.

Leonardo Wexell Severo é jornalista, membro do Coletivo ComunicaSul e do jornal Hora do Povo.

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