Correio da Cidadania

Sobre Jerusalém: carta aberta ao ex-ministro da Justiça

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Em um artigo publicado na Folha de São Paulo, em 11/12/2017, página A3, Tendências e Debates, o ex-Ministro da Justiça do Brasil, o israelense Milton Seligman, comentou a decisão de Trump de reconhecer Jerusalém como capital de Israel.
 
Há vários pontos no artigo que merecem análise:
 
1) O autor escreve “o reconhecimento pelos Estados Unidos de Jerusalém como a capital de Israel nada mais é do que o reconhecimento da realidade”.
 
Apesar da afirmação do senhor Seligman, a realidade, a justiça e o direito Internacional são outros.
 
Em 1948, Israel ocupou a parte ocidental de Jerusalém, após expulsar e matar a população palestina da cidade, confiscar seus imóveis e pilhar seus outros bens. Foram algo em torno de 750 mil palestinos expulsos de suas casas naquele ano.
 
Em 1949, Israel declarou Jerusalém ocidental capital do novo Estado. Nenhum país do mundo reconheceu a medida israelense.
 
O motivo da recusa internacional é óbvio: a ocupação da cidade é violação flagrante da Resolução 181 – partilha da Palestina – que definiu o status de Jerusalém como “corpus separatum”. Pela Resolução 181, Jerusalém seria administrada pelas Nações Unidas, uma vez que a cidade é patrimônio da Humanidade e sagrada para as três religiões monoteístas.
 
Em 1967, Israel ocupou a parte oriental de Jerusalém, juntamente com o que restou da Palestina (Cisjordânia e Gaza – 22% da Palestina original) e declarou Jerusalém como sua capital indivisível e eterna.
 
Também naquela ocasião, nenhum país do mundo reconheceu Jerusalém como capital de Israel e tampouco reconheceu a soberania israelense sobre a parte oriental da cidade e Cisjordânia e Gaza.
 
A decisão de Trump não reconhece a realidade, ao revés, ela valida a pirataria, viola flagrantemente as Resoluções da ONU e desrespeita o Direito Internacional, que proíbe a aquisição de terras via força (guerra).
 
Não há usucapião quando a ocupação é violenta e fere a Lei. Não se pode validar um ato nulo de pleno direito. Não se reconhece o que viola o direito. São regras básicas do Direito, que deveriam ser conhecidas pelo ex-ministro da Justiça. Regras pétreas e constituem a essência da civilização.
 
2) O autor afirma que “Há mais de 3.000 anos, Jerusalém tem sido o centro da vida judaica”.
 
A afirmação é infundada.
 
No século I d.C, Alexandria, no Egito, tinha mais judeus que Jerusalém.
 
Desde sua criação em 1948, sempre houve muito mais judeus vivendo fora de Israel do que naquele Estado.
 
A partir de 1882 e durante vinte anos, mais de três milhões de judeus deixaram a Rússia e menos de 0,1% deles migraram para a Palestina, apesar da propaganda sionista para tal imigração e das fronteiras palestinas abertas. A maioria deles optou e migrou para as Américas, muito longe do “centro” da vida judaica.
 
Não há dúvida de que há laços religiosos dos 16 milhões de judeus de todo o mundo com Jerusalém. Mas cristãos (dois bilhões e trezentos milhões) e muçulmanos (um bilhão e setecentos milhões) também veneram Jerusalém e mantêm laços religiosos com a Cidade Santa.
 
Reconhecer Jerusalém como capital de Israel em nada ajuda a alcançar a paz na região. Ao revés, mata qualquer possibilidade de se chegar a um acordo.
 
3) O autor escreve que “atualmente, as três religiões monoteístas podem ser exercidas em sua plenitude”.
 
Nada mais distante da verdade que essa afirmação.
 
Israel separou Jerusalém do resto dos territórios palestinos, construindo muro nas terras confiscadas dos palestinos e pulverizando a região de dezenas de postos de controle, com o fito de impedir os palestinos cristãos e muçulmanos de ter acesso a Jerusalém.
 
De fato, os palestinos cristãos e muçulmanos que vivem nos territórios ocupados ou mesmo os que foram expulsos por Israel desde 1948, estão proibidos de visitar a cidade santa.
 
Israel tenta transformar Jerusalém em cidade exclusiva para os judeus – goyim rein. Mesmo os palestinos nativos de Jerusalém, que têm sido sistematicamente expulsos da cidade, não são considerados cidadãos, são apenas residentes, segundo as leis de Israel.
 
A decisão de Trump ajuda a consolidar o sistema de apartheid implantado por Israel na cidade santa e no resto dos territórios palestinos ocupados e deixa a paz cada vez mais distante.
 
4) O autor escreve que a vizinhança de Israel “não só nega qualquer direito judaico naquela região como, em boa parte, promete destruir o país”.
 
Aqui, o israelense apenas repete os mitos israelenses, já tão amplamente denunciados por historiadores e analistas israelenses.
 
A OLP, representante do povo palestino, há mais de três décadas, reconheceu Israel e iniciou negociações visando um acordo baseado nas Resoluções da ONU.
 
A iniciativa de paz árabe, assinada por todos os países árabes, oferece não apenas o reconhecimento do Estado de Israel, mas relações normais com o mundo árabe e muçulmano, condicionando o acordo ao respeito às fronteiras anteriores a 1967.
 
Vale lembrar que os palestinos aceitam criar seu Estado ao lado de Israel, em apenas 22% da Palestina histórica, ou seja, Israel ficaria com 78% do território.
 
Os governos de Israel, não apenas ignoraram todas as ofertas árabes, como intensificaram a política de confisco de terras e colonização nos territórios ocupados. Essas denúncias não são apenas dos palestinos, mas também de analistas israelenses, preocupados com o futuro de Israel.
 
5) O autor fala de “campanha difamatória baseada em acusações falsas e contaminada pelo velho e invencível antissemitismo”.
 
Não são acusações falsas. São muitos fatos e muitas evidências, documentados, filmados, provados, que o mundo testemunha diariamente, apesar de a grande mídia tentar ocultar.
 
Israel continua sua limpeza étnica, continua confiscando terras dos palestinos, continua destruindo casas, escolas, hospitais, templos, continua matando, ferindo e humilhando, cotidianamente a população civil, de bebês a anciões, muitas vezes ao vivo.
 
Israel continua construindo assentamentos exclusivos para judeus nos territórios palestinos.
 
Israel construiu um muro nas terras dos palestinos, transformando o território palestino em pequenos bantustões, completamente asfixiados por Israel, destruindo a economia palestina e impedindo qualquer possibilidade de criação de um Estado Palestino viável.
 
Israel nega e viola todos os direitos humanos básicos dos palestinos: vida, dignidade, liberdade, ir e vir, propriedade, reunião familiar, acesso a trabalho, saúde e educação (o muro barra o acesso a escolas e hospitais e trabalho e mesmo reunião familiar), ou seja, impede que os palestinos tenham uma vida como qualquer outro povo.
 
Não há campanha difamatória.
 
Qualquer um pode criticar qualquer país do mundo, seja ele Estados Unidos, Rússia, França etc. sem ser acusado de racismo anti-americanismo, anti-franconismo etc.
 
Quando as mesmas pessoas criticam Israel, são chamados de antissemitas pelos sionistas de plantão. Isso é a prática da dialética erística, ou seja, para tirar o foco da objetividade e verdade da denúncia, “derruba-se” o sujeito, para não se analisar o objeto e real conteúdo da denúncia. É a “patifaria” para vencer um debate sem ter razão.
 
Felizmente, não são apenas os goyim que condenam Israel e sua conduta em relação aos palestinos.
 
Com a exposição de alguns dos documentos militares de Israel (ainda há muitos secretos), os mitos foram denunciados por analistas e historiadores israelenses e assim, cada vez mais judeus, ao redor do mundo, distanciam-se das políticas opressivas de Israel.
 
A esquizofrenia dos sionistas, descontrolada, chama esses judeus de antissemitas, para calar suas vozes.
 
6) No artigo, o autor afirma que a decisão de Trump não significa impedimento real algum para se alcançar uma paz justa e duradoura naquela sofrida região.
 
A causa original e principal do sofrimento na região são as políticas de Israel de limpeza étnica e da manutenção da ocupação e opressão contra os palestinos.
 
O único caminho para modificar a realidade na região e se obter a reconciliação histórica entre israelenses e palestinos exige, em primeiro lugar, o reconhecimento da verdade, ou seja das injustiças/crimes cometidas contra os palestinos e a cessação e reparação.
 
A paz exige verdade e para a percepção da verdade, é necessária empatia, colocar-se na posição do outro, o que é justo para o outro, também seria justo para mim.
 
Bom lembrar que o rabino Hilel, ao ser perguntado qual a essência da religião respondeu “tratar o outro como gostaria de ser tratado”, “não julgar seu vizinho antes de se colocar no seu lugar”. Como disse Moshe Menuhim, a sabedoria judaica foi enterrada pelo sionismo.
 
Os palestinos, ao reconhecer Israel e aceitar um Estado em apenas 22% do território palestino original (1947), já sacrificaram mais do qualquer povo faria.
 
Todo israelense deveria se questionar com honestidade se ele próprio aceitaria o sacrifício a que os palestinos se propuseram.
 
7) O artigo afirma que a decisão pode ajudar a aumentar a sensação de segurança de Israel em contribuir para a paz na região.
 
Israel é a única potência nuclear na região. Tem o exército entre os mais poderosos do mundo, a maior concentração bélica da face da Terra e exige concessões dos palestinos para se sentir seguro? Que falácia!
 
Segundo o judeu Bernardo Sorj, sociólogo, “o ponto de partida para encontrar uma solução ao problema israelense-palestino é o princípio de realidade informado por valores. Corresponde ao Estado de Israel, como poder ocupante e com enorme capacidade militar, acabar com a política de assentamentos e propor uma solução justa, que assegure um futuro de dois Estados vivendo em paz, tendo como base as fronteiras anteriores à guerra de 1967”.
 
Enganam-se aqueles que sonham em ter os palestinos resignados às opções de deixar-se escravizar ou caminhar para a expulsão ou cemitério. Essa “pax” sionista não existirá.
 
Enganam-se mais ainda aqueles que acreditam que a força militar traria ou trará segurança para Israel.
 
Apenas a paz verdadeira, que nasce do mínimo de Justiça, a paz da real conciliação e não da rendição, é a garantia de segurança para israelenses e palestinos.

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Abdel Latif Hasan Abdel Latif é médico palestino.
Fonte: Oriente Mídia
 

Abdel Latif Hasan Abdel Latif

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