Correio da Cidadania

“Aumento da tarifa e cortes de linhas mostram que governos só têm compromisso com empresários”

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Mais uma vez o ano começou com novos aumentos da tarifa do transporte público. Além do mais, pelo menos 150 trajetos de ônibus foram retirados dos usuários, que padecem dos ajustes fiscais governamentais em absolutamente todas as áreas de seu interesse. É sobre esse contexto que o Correio conversou com Diego Soares, do Movimento pelo Passe Livre, que voltou a convocar protestos contra os aumentos na cidade de São Paulo.

Sobre a nova licitação para oferta de transporte nas 32 áreas delimitadas na cidade, “fica claro que quem gosta de ‘livre concorrência’ é intelectual de direita, capitalistas de verdade gostam mesmo é de concentração de renda. Por isso usam o Estado pra fazer valer seus interesses (...) Os cortes de linhas visam a manutenção do lucro dos empresários. Isso representa mais precarização e limitação no transporte”, criticou.

Além de lamentar que as esquerdas tradicionais tenham participação quase nula nos protestos e que o fascismo em suposta ascensão sempre esteve presente em manifestações de cunho antiempresarial, Diego destaca a necessidade de um transporte público que simplesmente vise o bem estar de seus usuários.

“O transporte público não pode estar dentro da lógica do lucro a qualquer custo pra meia dúzia de empresários, essa mentalidade traz prejuízos para a cidade inteira, são os mais pobres que mais pagam e mais sofrem. Pra financiar a tarifa zero e necessário uma reforma tributária”.

A entrevista completa com Diego Soares pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Primeiramente, que síntese você faz dos quatro atos de rua marcados pelo MPL para protestar contra mais um aumento da tarifa?

Diego Soares: O aumento da tarifa do ônibus (municipais e intermunicipais), metrô e CPTM contínua mobilizando uma parte significativa da população. São milhares de viagens por dia e é natural que uma parcela da população se revolte contra o aumento.

Doria e Covas não dialogam com a população, usam métodos de repressão pra sufocar os atos e a PM, como nos anos anteriores, é usada como braço armado dos governantes. A repressão policial sufoca os atos e afasta a população das manifestações.

Temos mais um ano em que as decisões são tomadas de cima para baixo e os manifestantes são tratados como criminosos por uma polícia que é treinada dentro da lógica militar, ou seja, desastrosa para a segurança dos manifestantes, da imprensa e da população em geral.

Mesmo com toda repressão vimos a disposição de muitos de combater os ataques dos governos.

Correio da Cidadania: O que o movimento pensa das alegações do poder público para aumentar o preço das passagens?

Diego Soares: O aumento da tarifa é uma decisão política, por isso o aumento se dá acima da inflação, pois permite o aumento da margem de lucro empresarial. O aumento também mostra que prefeitura e governo estadual estão comprometidos com meia dúzia de empresários e não com os interesses da população.

Não existe gestão eficiente para a viabilidade da cidade, o transporte não é tratado como um direito social e está inserido na lógica da mercantilização do cotidiano, modelo que já se mostrou insustentável devido ao trânsito, poluição, exclusão social etc.

Fica claro que quem gosta de "livre concorrência" é intelectual de direita, capitalistas de verdade gostam mesmo é de concentração de renda. Por isso usam o Estado pra fazer valer seus interesses.

Correio da Cidadania: Por que houve mais uma rodada de cortes de linhas? O que isso representa em sua compreensão?

Diego Soares: Os cortes de linhas visam a manutenção do lucro dos empresários. Isso representa mais precarização e limitação no transporte.

Correio da Cidadania: O que comenta da nova licitação aberta pela prefeitura que recebeu, neste dia 5, 32 propostas para 33 áreas, sendo que em apenas uma delas há uma disputa entre duas empresas?

Diego Soares: A licitação não acontece de verdade, é uma maquiagem, é um jogo de cartas marcadas, não é à toa que a licitação vem se arrastando desde 2013. As empresas que ganham são as mesmas, é um "capitalismo de amigos", não existe concorrência.

Correio da Cidadania: Quais alternativas políticas e econômicas o movimento enxerga para a redução da tarifa e em última instância sua extinção?

Diego Soares: Pra reduzir a tarifa é preciso fazer uma auditoria e abrir a "caixa preta" que é o transporte, as licitações. Todo processo de concorrência precisa acontecer de maneira mais transparente, a população precisa se organizar pra fazer essa fiscalização. Temos de nos organizar nos bairros, locais de estudo e trabalho.

O transporte público não pode estar dentro da lógica do lucro a qualquer custo pra meia dúzia de empresários, essa mentalidade traz prejuízos para a cidade inteira, são os mais pobres que mais pagam e mais sofrem.

Pra financiar a tarifa zero e necessário uma reforma tributária.

Correio da Cidadania: Num momento onde se fala em escalada autoritária no país e muitos setores se utilizam da definição de fascismo para descrever o que está em andamento, você diria que houve grandes diferenças na relação do Estado e seu aparato de segurança, se comparamos com os protestos de anos anteriores?

Diego Soares: A ascensão do fascismo é inegável no mundo inteiro, mas nas manifestações contra o aumento os agentes do Estado agiram como nos anos anteriores, isso porque o fascismo sempre esteve presente ali.

Correio da Cidadania: Nesse sentido, o que comentar do decreto de Doria sobre novas disposições acerca de manifestações de rua?

Diego Soares: O decreto de Doria é inconstitucional e mostra o seu jeito de governar: vai agir extrapolando os limites da lei pra perseguir qualquer tipo de oposição.

Correio da Cidadania: Como vocês enxergam a relação da esquerda mais tradicional e partidária com a pauta de vocês e o próprio movimento, considerando que há até narrativas que acusam o MPL de ser responsável pela degringolada dos governos petistas? Há ressentimento e abandono de uma pauta que em tese deveria ser prioritária nas esquerdas?

Diego Soares: A esquerda tradicional está longe das ruas e dos reais anseios da população, até agora não entendeu nada do que aconteceu em junho de 2013. Não levam a sério a pauta do transporte, mas essa falta de noção acontece em outros setores também. Estão perdidos e a direita vai continuar avançando sobre a mentalidade da população enquanto não houver mudanças no discurso e na prática.

Correio da Cidadania: Como o MPL se posiciona em relação a este momento político por que passa o Brasil, tanto em termos sociais como institucionais?

Diego Soares: Os ataques sobre os mais pobres tendem a crescer se a população não se organizar. A via institucional tem os seus limites, uma organização autônoma pode ultrapassar esses limites, mas depende de muitos fatores externos.


Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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