Correio da Cidadania

Samarco – Vale / BHP: a propaganda a favor do esquecimento da tragédia-crime

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No dia 5 de novembro de 2015 duas barragens administradas pela Samarco se romperam no distrito de Bento Rodrigues na cidade de Mariana (MG). A história até aqui é até bem conhecida: a lama já atingiu três estados (Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia) e continua a vazar. Nada foi feito em termos de ressarcimento das populações atingidas na eliminação de seus modos de existência. A Samarco, uma joint venture das mineradoras Vale e BHP Billiton (australiana), muito mal atendeu as comunidades atingidas com água mineral, as multas ainda não foram pagas e o que se configurava um crime terá um acordo vergonhoso celebrado pelo governo federal. Passada a comoção inicial, a tragédia foi perdendo importância na narrativa da mídia corporativa brasileira, com chamadas cada vez mais esporádicas.

 

Tendo em vista esse contexto resumido, na noite do último domingo (14/02/2016), pouco mais de três meses depois do rompimento das barragens, fui surpreendido pela notícia que tomou conta do Twitter de que a Samarco - Vale / BHP estaria ocupando um espaço no caríssimo intervalo do Fantástico na Rede Globo. Não vou me dar ao trabalho de fazer uma análise de conteúdo da peça publicitária que se pautava no uso das imagens dos funcionários da empresa, talvez o único ponto de apoio que a mesma tem neste momento.

 

Depois vim a saber que a empresa, que não ressarciu ninguém até agora, vem ocupando espaços publicitários em redes de televisão, páginas de jornais e revistas impressas de grande circulação, e também outdoors pelas cidades atingidas. O custo de propaganda é altíssimo, vale destacar.

 

Podem perguntar: qual é o problema da empresa fazer propaganda? Nenhum, desde que ela estivesse dando conta de todas as consequências do crime que cometeu. Ao deixar as comunidades afetadas praticamente à própria sorte, muito mal dando conta do abastecimento de água mineral com filas enormes, a empresa está fazendo propaganda para, literalmente, varrer a sujeira para debaixo do tapete, ou seja, negar o crime. Trata-se de criar uma narrativa da Samarco – Vale / BHP que tenta vender a ideia de um corpo de funcionários comprometido para “fazer o que deve ser feito”: criar esquecimento em torno do maior crime socioambiental da história brasileira. É lamentável que a empresa use seus funcionários desta forma.

 

O que mais chama atenção nesta trama é a conivência da maior parte das autoridades envolvidas, em especial os governos, mas também a dificuldade de articulação da sociedade civil para demandar a reparação devida pelas empresas mediante os riscos que seus empreendimentos ofereciam e oferecem, afinal existem centenas de barragens como as que romperam espalhadas pelo território brasileiro.

 

De um lado, o governo federal, que é um dos principais acionistas da Vale, deixou de lado a ação que moveria contra a Samarco – Vale / BHP e agora fala em um acordo que terá como fruto a Fundação Rio Doce a ser gerida em conluio com as empresas criminosas. É inacreditável que isso esteja acontecendo, mas é a promoção do esquecimento que está em jogo tendo a revitalização do Rio Doce como chamariz.

 

Não importa se os modos de existência das comunidades foram afetados: é preciso aproveitar a crise como oportunidade, como diz Dilma Rousseff. Os danos não importam, apenas a imagem das empresas envolvidas e a garantia de que elas vão poder continuar operando impunemente em todo o território nacional. Eis um caso de corrupção para além do desvio de verbas que é muito pouco debatido.

 

De outro lado, verificamos uma dificuldade de organização no âmbito do que se pretende chamar como sociedade civil, muito em decorrência da precariedade que as pessoas atingidas se encontram e das dificuldades de se criar uma articulação territorial que atue em escalas diferentes (comunidades, municípios, estados e federação).

 

Existem relatos de que em muitas localidades, é a própria Samarco – Vale / BHP que organiza a reparação sem qualquer mediação. Algo como a raposa cuidando do galinheiro. Também existem limites claros na solidariedade, que decresce conforme passa o tempo da comoção e o esquecimento assume seu papel determinante.

 

Por fim, um crime trágico como esse deveria abrir possibilidades para a discussão sobre o modelo de desenvolvimento que se deflagra no Brasil e o papel do setor de mineração ou das megabarragens. No entanto, o que vemos é uma tentativa do poder constituído de manter as coisas como estão a qualquer custo, mesmo que isso envolva o potencial de novas tragédias sendo geradas.

 

A saída, infelizmente cada vez mais remota, é tecer contestação que articule a resistência existente entre os atingidos pela lama para que o esquecimento não faça o seu papel porque, fora isso, só teremos o conluio Estado/mercado e suas peças de propaganda.

 

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Marcelo Castañeda é sociólogo e pesquisador do PPGCom/UERJ

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