Correio da Cidadania

A Lava Jato e a narrativa do golpe

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Desde que assumiu o governo interino, Michel Temer não teve trégua do Judiciário, da mídia e do mercado, quiçá o Congresso tem-lhe propiciado respirar. Seu governo patina entre recuos e tentativas de endurecimento e retrocessos que intensificam processos em sua maioria iniciados em Dilma, como os cortes na educação e a privatização do SUS, bem como o fortalecimento de segmentos religiosos, com destaque para os evangélicos.

 

O golpe tem uma possibilidade cada vez mais restrita de ser aplicado como forma de entender a superação de Dilma por seu vice: saindo dessa esfera individualizada e enganosa, temos uma disputa de facções que se enraizaram no Estado brasileiro, com destaque para PT e PMDB, que foram bons aliados por pelo menos 12 anos, mas sem esquecer as demais siglas que sempre orbitam em torno do chamado Centrão legislativo para operar como o PMDB, trocando cargos e ministérios por votos no Congresso, ou mesmo a dobradinha PSDB-DEM que precedeu o PT.

 

Venho insistindo que o golpe é bem específico e foi dado no âmbito das tensões da coalizão governista em que PT e PMDB protagonizavam quando o segundo notou a possibilidade de superar o primeiro. Aliás, muitos golpes foram operados contra a sociedade em benefício desta coalizão vitoriosa até então, mas agora em profunda crise. No fundo, o golpe é do sistema político sobre a sociedade.

 

A questão fundamental neste momento para quem defende a volta de Dilma Rousseff, por conta principalmente dos votos que obteve e por não ter cometido crime comprovado até então, é que não me parece possível separar PT e PMDB na escala federal, como pretendem muitos dos que gritam “Fora Temer” como uma forma de “Volta Dilma”. Temer chegou onde chegou com Dilma e suspeito que cairá porque o PMDB não consegue se sustentar na cabeça da República, mas somente como seu corpo.

 

Mas o ponto que quero chamar atenção é para a Operação Lava Jato, personificada no juiz Sérgio Moro, mas que parece bem maior do que um simples juiz de primeira instância, por mais poder que pareça ter. A operação foi incluída na narrativa principal da trama golpista que afastou Dilma, o que parece estar em xeque agora, em especial nas duas últimas semanas com as gravações de Sérgio Machado que comprometem Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney, a cúpula do PMDB, todos os três com pedido de prisão decretado pelo procurador Rodrigo Janot.

 

Como qualificar de golpista uma operação que continua operando, de forma cada vez menos seletiva, a ponto de mirar os golpistas logo depois do golpe dado? Não encaixa. É melhor assumir que já há algum tempo o Judiciário vem tendo um papel de destaque na relação com os outros dois poderes, dando as cartas e assumindo um papel cada vez mais protagonista no que pode ser tida como uma intensificação da judicialização da política, em especial de uma política que está nas lonas quando se trata do Executivo e do Legislativo. Assim, podemos entender a Lava Jato como um produto desse processo e não como uma forma de apenas tirar o PT do poder, ainda que tenha tido seu papel.

 

Não se trata de louvar a Lava Jato, ainda que a considere fundamental neste momento para balançar estruturas que estão podres. Evidentemente, é problemático o desequilíbrio do momento a favor do Judiciário, que apura, julga e pauta as discussões públicas por meio de delações premiadas e vazamentos que são amplificados pela mídia. Aliás, sem querer desmerecer o papel da mídia na queda de Dilma, em especial da visada Globo, como explicar que uma mídia golpista continue a divulgar os fatos que vem balançando Brasília?

 

Não se trata de negar que houve um golpe, mas, sim, de caracterizar a especificidade deste e ao mesmo tempo perceber que o PT é um tipo de golpeado que desejava o golpe como forma de tentar se refazer, aproximando-se dos movimentos que estavam cada vez mais distantes mediante as políticas de cortes, ajustes e austeridade que estavam em curso, agora implementadas de forma plena com a nova composição entre governo e Congresso, no meio da maior crise política institucional da história, onde não há legitimidade para qualquer medida que se tome.

 

Por fim, neste momento, o que não dá mais é para deixar de reconhecer o papel que a Lava Jato tem em todo esse processo, que compromete cada vez mais todos os que passaram ou almejaram o poder nos últimos anos, vide que até Aécio Neves está com inquérito aberto. Decididamente, não são tempos fáceis para elaborar qualquer prognóstico, mas está sendo muito interessante ver figuras tidas como intocáveis pelo menos preocupadas em se justificar, isso quando não evitam a mídia e a exposição.

 

Ou alguém, até um mês atrás, imaginaria José Sarney revoltado e perplexo do alto de sua “experiência” e “trajetória” política? O medo está mudando de lado e precisamos, no âmbito da sociedade, aproveitar essa virada para pautar nossos desejos.

 

 

Marcelo Castañeda é sociólogo e pesquisador da UFRJ.

 

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