Correio da Cidadania

As ideias de Fraga Araújo, futuro Chanceler de Bolsonaro

0
0
0
s2sdefault


O artigo “Trump e o Ocidente”, assinado por Ernesto Henrique Fraga Araújo, futuro Ministro das Relações Exteriores, é uma versão reacionária da já reacionária tese de Samuel Huntington, expressa em The Clash of Civilizations (1996) e, sobretudo, em Who are We? The Challenge`s to America`s National Identity (2004), menos conhecido do público brasileiro. Araújo aponta que o Ocidente não apenas está em perigo, mas está desesperadamente em perigo.

Seu texto propõe o engajamento na defesa do Ocidente para salvá-lo principalmente de seus inimigos internos, que seriam de longe os principais.
Para isso, ancora a essência do Ocidente em uma comunidade criada há três milênios, nas batalhas de Salamina em 480 A.C., que defendeu com sangue, sem diálogo nem tolerância, a sua própria identidade: a nação/pátria, entendida como unidade indissociável da liberdade, família, heróis, crença e história.

O autor afirma que apenas o Ocidente reivindicaria a Pátria, que seria uma criação do espírito. Após um período de submersão de mil anos, entre os séculos I-XI, o Ocidente renasceria na Alta Idade Média, em torno da fé cristã, para a defesa da nação, que se materializaria nas cruzadas que expulsaram os árabes.

Segundo Araújo, a tradição vale muito mais que a modernização para definir o Ocidente. A modernização traz o risco de o Ocidente se perder de si mesmo, criando seus inimigos internos. O ponto de ultrapassagem para a perda de si mesmo do Ocidente é, segundo o autor, a Revolução Francesa, “vírus de todos os despotismos que avassalaram o mundo”. Esta teria contestado a ideia de nação ao decapitar o Rei (sic!) e criado os seus inimigos modernos: o niilismo ateu, o liberalismo político, o marxismo e o pós-modernismo.

O Ocidente, portanto, nem se definiria pelo capitalismo e nem pela democracia liberal, mas por essa comunidade de credos que vê na Pátria a unidade que define a liberdade, a história e a família de forma singular, tolerando apenas a diversidade no mundo exterior. Cada nação, segundo o autor, é uma religião e uma vivência incomunicável.

O Ocidente se definiria pela singularidade e não por princípios universais, aceitando a convivência com um mundo de diferenças territorialmente segregadas. Em nome destes princípios, Araújo se coloca contra as migrações e contra os relativismos, entre os quais o marxismo cultural globalizante, que negaria o “fato biológico [sic!!] do nascimento de cada pessoa em determinado gênero e em determinada comunidade histórica”.

Araujo afirma que, após a Segunda Guerra Mundial, a Europa perdeu a capacidade de defender o Ocidente. Seja porque o socialismo teria se dividido em duas correntes (sic!!), a marxista e a nazista (sic!!) deturpando o sentimento nacional (sic!!), seja porque a criação da União Europeia teria afastado a Europa da ideia de pátria e nação, tornando-a a refém da burocracia e de um pensamento histórico de estruturas, sem heróis e sem vida.

Ameaçado pelo marxismo globalizante, pelo niilismo e pelo pós-modernismo, o Ocidente teria em Trump a chance de expurgar seus inimigos internos. Araújo o evoca como um herói que fala em nome de Deus para submeter o Ocidente a uma “terapia de recuperação da personalidade perdida”.

A ação de Trump de resgate do Ocidente perdido não deverá se limitar às fronteiras territoriais dos Estados Unidos, pois trata-se de uma identidade espiritual que se expressa numa comunidade definida de nações. O Deus dos heróis do Ocidente seria transcendente e imanente e agiria através da história.

Para o Chanceler de Bolsonaro, o Brasil tem uma origem profunda e sagrada que o define como uma comunidade de destino do Ocidente: é filho de um Portugal envelhecido, mas eterno e infante, que lhe deu inicialmente o nome de Vera Cruz e Santa Cruz, trocado, posteriormente, pelo nome de uma planta, que se converte em lenha e, portanto, em cruz (sic!! credo?!!)

Sobre as ideias de Fraga Araujo

O artigo de Fraga indica as linhas prováveis de sua atuação como Chanceler. Elas deverão levar a política externa do Brasil à subordinação e ao alinhamento mais radical ao Imperialismo de Trump, bem como à ofensiva política que move no mundo.

O autor se alinha às correntes antimodernas surgidas da reação à Revolução Francesa. Elas constituem a base do conservadorismo radical que se expressou contra o liberalismo político e os trabalhadores em diversos momentos da história, como durante a ofensiva nazifascista.

Chama atenção, no artigo do autor, o descompasso entre as suas gigantescas pretensões e o seu wishful thinking, expresso nos silogismos simplórios com que elabora os seus argumentos. A formulação sobre o Brasil chega a ser constrangedora de tão rude. Caberia perguntar, sobre o artigo, se planta é lenha e cruz, é também nau? E se for nau, naufraga?

Carlos Eduardo Martins é Professor Associado do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ e Coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia (LEHC/UFRJ).
Retirado do Blog da Boitempo.

0
0
0
s2sdefault