Correio da Cidadania

O Papa e os mendigos da Sé

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O delegado responsável pela segurança de Bento XVI decidiu varrer os mendigos da Sé para segurança do Papa. Esse fato me chamou a atenção porque foi ali, com os mendigos da Sé, que eu e outros colegas fizemos nosso batismo na “opção pelos pobres”. Um deles é o Ruben Siqueira, da CPT do São Francisco.

 

Na década de 70, através da OAF (Organização do Auxílio Fraterno), nós andávamos pelas madrugadas de São Paulo encontrando com o povo da rua. Naquela época era apenas uma conversa e uma sopa. Mas foi a partir da sopa que as irmãs que faziam o trabalho acharam que, apesar da condição de indigência, aquelas pessoas mantinham sua dignidade e capacidade de reação. Foi proposto, então, um encontro com elas. E o encontro aconteceu numa velha casa ali pelas imediações da Sé. Compareceram umas cinqüenta pessoas que viviam nas ruas. No dia do encontro, estava entre o povo da rua o missionário americano Lourenço, que vivia nas ruas de Recife e havia sido preso pelo regime militar. Foi solto quando da visita de Jimmy Carter. D. Hélder havia dito a respeito dele: “para entender esse trabalho é preciso ter olhos que vejam e coração que sinta”.

 

Depois compareceu ao encontro D. Evaristo Arns. Ficou ali umas duas horas, conversou com o pessoal e disse uma frase que até hoje não me esqueço: “rezo por vocês todas as noites, principalmente quando está muito frio, para que o sofrimento de vocês não seja tão terrível”.

 

Depois, durante a missa, alguém perguntou a eles se iam à missa. Um deles respondeu: “eu vou, mas quando entro o pessoal me expulsa da Igreja”. O outro completou: “quando está muito frio, eu vou ali no pátio do mosteiro passar a noite, mas os monges jogam água fria na gente para expulsar a gente de lá”.

 

Bom, depois viemos morar no sertão, afinal, quem morava debaixo das pontes era o “Ceará, o Paraíba, o Pernambuco, o Baiano etc”. Portanto, o problema começava longe das pontes e viadutos de São Paulo. O trabalho com o povo da rua evoluiu muito e hoje temos a pastoral do povo da rua organizado no Brasil inteiro.

 

Talvez seja mais seguro e mais cômodo fazer a segurança do Papa afastando os mendigos de seu convívio. Eles importunam. Talvez seja mais fácil que apenas os banhados, perfumados e bem vestidos se aproximem de Bento XVI. Porém, embora o Papa pareça uma pessoa simples e generosa, seria bom que ele tivesse contato com os mendigos. Eles poderiam, por exemplo, estar na primeira fila da missa que será celebrada na catedral. O Papa iria ver que eles fazem parte da paisagem da cidade e de todo continente latino-americano. Ainda mais que eles são um desafio evangélico e pastoral para a Igreja. O pessoal põe o Papa numa redoma de vidro, longe da realidade dura da vida. Ele, que é um intelectual fino e europeu, com pouca vivência pastoral, teria a mesma chance de D. Helder, D. Arns, Lourenço etc. de ver como é dura a vida dos pobres latino-americanos.

 

Enfim, pode ser mais fácil para a segurança e menos incômodo para os bem vestidos que os mendigos estejam longe do evento. Mas seria infinitamente mais cristão que eles estivessem presentes.

 

 

Roberto Malvezzi, o Gogó, é coordenador da Comissão Pastoral da Terra, CPT.

 

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