Correio da Cidadania

Nobreza agrária no século 21

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Os apologistas do iluminismo e do liberalismo como Meca das soluções para a pobreza e as desigualdades por meio da chamada economia de mercado e, no caso do meio rural e da produção agrícola, do agronegócio comportam-se como os escravocratas dos séculos 18 e 19, no Brasil e em Portugal. Não é de se estranhar, portanto, que entre eles situam-se consultores de grandes empresas e ótimos negócios e até um ex-ministro da Fazenda, dos tempos da inflação galopante destruidora dos salários, da economia e da credibilidade do Brasil.

 

Na há contradição econômica insuperável entre produção de alimentos, modernização tecnológica e agricultura camponesa e familiar, desde que combinadas com formas associativas de produção, comercialização e agroindustrialização e se forem postas condições adequadas de formação, capacitação e assistência, conforme histórica e generosamente o foram ao patronato rural.

 

O que se vê no Brasil, entretanto, é uma incompatibilidade correlacionada entre a agricultura empresarial predatória encarnada pelo chamado agronegócio e a geração de emprego, o combate à pobreza, a distribuição de renda, a justiça social, a produção de alimentos saudáveis e a proteção ambiental. O agronegócio se dedica a obter fabulosos lucros com a exportação de bens primários não essenciais à alimentação – as commodities –, em detrimento da segurança e da soberania alimentar da população brasileira.

 

Movimentos sociais do campo como o MST, ou mesmo o movimento sindical institucionalizado – CUT, Contag, Fetraf etc. -, quando radicalizam em suas legítimas reivindicações, são carimbados pelo grande patronato e pela orquestração liberal-conservadora como atrasados, subversivos e bandidos. As lutas sociais e democráticas sempre foram banalizadas e criminalizadas e suas lideranças perseguidas e assassinadas. A história da violência no Brasil está associada à trajetória de iniqüidades e privilégios da nossa elite econômica e política.

 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, antes de se tornar bem visto por essa elite conservadora, também sofria desconfianças. Na visão dela, ele não passava de um esquerdista exilado inimigo da ditadura militar e do projeto capitalista conservador então em curso no Brasil. Bastou o seu governo bater na esquerda, promover a privataria e criminalizar os movimentos sociais para ela se dar conta que o professor, cassado pelo autoritarismo, não assustava mais ninguém.

 

Na eleição de 2002, ocorreu algo parecido com Lula: foi preciso a campanha lançar a Carta ao Povo Brasileiro para acalmar a elite empresarial conservadora. No segundo turno da eleição de 2006, o povo posicionou-se a favor de um Estado socialmente mais forte contra um Estado mínimo privatizado. O presidente Lula carrega consigo a marca de maior líder sindical da história brasileira e presidente de honra do maior partido popular, democrático e socialista da América Latina. Mas bem que aquela elite tentou - sem sucesso -, no seu primeiro mandato, desmoralizar o seu governo e o seu partido, o PT. A voz do povo falou mais alto.

 

Neste segundo mandato, para garantir a governabilidade, imune ao golpismo, o presidente construiu uma ampla coalizão partidária e congressual que vai do centro ideológico (PMDB) aos comunistas (PC do B), recheado de partidos conservadores (PP e PR). Se, de um lado, isso pode trazer tranqüilidade política ao governo, de outro, tende a imobilizá-lo para mudanças sociais mais rápidas e profundas.

 

A elite conservadora, no entanto, continua desconfiada e pronta para, novamente, entrar em ação, se houver desarranjo no governo e desequilíbrio na coalizão. O governo, apesar de procurar equilibrar os negócios lucrativos do patronato rural exportador, o apoio à agricultura familiar estabelecida e o comedimento na questão da reforma agrária, é democrático, popular e não criminaliza as lutas sociais. Assim, a nobreza agrária do século 21 assusta-se com a possibilidade de maior aproximação entre governo e movimentos sociais e continua incomodada com os sem-terra, que teimam em denunciar a face injusta do Brasil.

  

Oswaldo Russo é estatístico e vice-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).

 

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