Correio da Cidadania

Problemas aéreos vêm sendo empurrados “com a barriga”

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Para comentar o quadro caótico no trafego aéreo, entrevistamos o presidente do Sindicato Federal dos Trabalhadores do Tráfego Aéreo, Uébio José da Silva. Segudo Uébio, o governo federal não tem plano para o setor.

 

 

 

Correio da Cidadania: Quais são as condições do tráfego aéreo e da infra-estrutura da aviação civil hoje no Brasil?

 

Uébio José da Silva: O Brasil hoje é o país que tem o segundo mercado aéreo do mundo, só perde para os Estados Unidos. Isso, tanto em vôos regulares (como as linhas da Gol e da TAM, por exemplo), quanto no mercado de helicópteros e de táxi aéreo. Também há partes da aviação, vinculadas à ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), como a aviação agrícola, a esportiva, entre outras.

 

O Brasil possui dimensões continentais, e não houve um planejamento da aviação civil, que tem crescido, ao longo dos últimos anos, uma média de quatro vezes o PIB nacional. É uma situação análoga à da infra-estrutura energética: o governo não investiu e veio o apagão. Não só o governo Lula, mas governos anteriores também sempre viram o setor como “micro”, e não como “macro”. No entanto, um país de dimensões continentais, se quer se desenvolver, precisa de infra-estrutura, de um bom sistema viário, de uma marinha mercante – que no Brasil não existe mais, após a quebra do Lloyd Brasileiro -, de ferrovias.

 

A aviação, que teria um papel constitucional de fazer a integração nacional e ser um transporte de massas, continua sendo algo para poucos no país - menos de 5% da população do Brasil é atendida pelo setor aéreo. O papel de integrar também não ocorre: no país, há 2140 aeródromos, sendo que apenas 140 são utilizados pela aviação regular. O resto é utilizado por táxi aéreo, helicópteros etc.

 

Nos últimos dez anos, o governo tem cobrado já nas tarifas aéreas um montante destinado ao fundo aeroviário, cujo propósito é formar pessoal para o setor. No entanto, esse dinheiro está sendo utilizado para tudo, até para comprar ração canina para os cães da alta cúpula do Ministério da Defesa, menos para esse propósito. E isso quando há uma carência de profissionais tanto ligados ao controle de vôo como pessoal em geral.

 

Não sei como a imprensa não prestou atenção ainda ao crescente número de acidentes e incidentes com helicópteros e táxis aéreos no país; por ironia, o acidente da Gol, que deflagrou toda a crise que vivemos hoje, foi causada por uma aeronave de pequeno porte.

 

E essa crise ainda é a ponta do iceberg, pois temos problemas grandes ligados à segurança no espaço aéreo: temos vôos clandestinos, pois há um número muito pequeno de pessoas que possam fazer a fiscalização. Recentemente, um avião da FAB caiu, outro pequeno avião caiu, um helicóptero que voava clandestinamente se chocou contra um hotel na região do autódromo de Interlagos, em São Paulo. Isso prova que o governo não observa a importância de helicópteros e aviões de pequeno porte, sendo que esses utilizam o mesmo espaço aéreo utilizado pelas linhas regulares.

 

Da mesma forma que existe um mau funcionário, existe o mau patrão. E existem patrões dessas empresas de táxi aéreo que exigem que o trabalhador aproprie uma manutenção que não existiu, criando uma situação de insegurança que poderá produzir um incidente grave ou até um acidente aéreo de grandes proporções.

 

CC: O que seria necessário hoje para o país reverter essa situação de colapso?

 

UJS: Primeiro, vontade política e seriedade para tratar desse assunto tão complexo. É preciso que o governo federal, o Ministério da Defesa, a Infraero e a ANAC se juntem para criar uma política para o setor, envolvendo todos os seus atores. Os controladores de vôo vêm batendo na tecla da falta de uma regulamentação profissional e também de uma política salarial há 15 anos. Ou você tem os controladores todos militares ou todos civis, para poder melhor interagir com eles. O governo e a Infraero acabam não interagindo com os controladores, o que causa uma série de déficits.

 

Isso, fora os problemas que temos com a falta de investimentos em equipamentos de tráfego aéreo de ponta – a tecnologia avança de uma forma espantosa, e, se você não a acompanhar, vai ficando obsoleto. Temos problemas também com o idioma, pois os controladores de vôo não são treinados adequadamente e não dominam o inglês, que é o idioma mundial para o tráfego aéreo.

 

A regulamentação profissional passa por uma adequação da carga horária, do salário e da definição dos momentos de stress, como em situações pós-acidentes. A última adequação profissional dos trabalhadores no setor – desde os que cuidam da manutenção até os pilotos – data de 1984.

 

CC: Durante anos, parecia que não havia problema algum no setor, e, repentinamente, há uma avalanche deles. Mesmo diante do conhecimento desse gravíssimo quadro por você ressaltado, haveria também algo conspiratório, desconhecido, por trás disso tudo?

 

UJS: Não, não há. O que ocorreu é que os controladores se viram à mercê de serem responsabilizados penalmente por homicídio culposo devido ao acidente da Gol, e isso foi a gota d’água para que se abrisse a caixa-preta da aviação civil no Brasil.

 

E a aviação civil aqui é caótica. Temos as tarifas aeroportuárias mais caras do mundo, e o governo peca no sentido de aproveitar essa crise para transformar a nossa aviação em um setor de excelência. A única saída é chamar todos os atores – sindicatos, empresas aéreas, órgãos do governo – para criar uma nova política para o transporte aéreo brasileiro, que contemple itens diversos, como a questão de bagagens perdidas, overbookings, as adequações profissionais dos trabalhadores no setor, o crescimento do setor, que novamente será grande.

 

É gritante o problema, e o governo diz que tudo está sob controle, que terá hora e dia marcados para resolver tudo. Isso sem contar que é um pavor voar na aviação considerada secundária, os helicópteros e o táxi aéreo.

 

CC: Pela sua exposição, pode-se inferir que você considera que o movimento de greve dos controladores é legítimo? Esses trabalhadores deveriam ter o direito de greve assegurado?

 

UJS: Acreditamos que o Estado Democrático de Direito deve ser respeitado, e a greve deve ser utilizada em último caso, quando se exaure qualquer possibilidade de negociação. O movimento feito pelos controladores militares é condenável pela forma pela qual foi feita, prejudicando milhares de trabalhadores e usuários do sistema aéreo brasileiro.

 

A causa, porém, é legítima. Deveria, no entanto, ter sido melhor trabalhada. Ao invés de provocarem uma situação onde o governo fosse obrigado a negociar, a imprensa deveria ter sido chamada, para que os controladores pudessem avisar ao público da situação precária, dizendo que não há mais como agüentá-la e que ainda correm o risco de serem penalizados criminalmente pelas mazelas do setor.

 

CC: Mas esse não teria sido um suspiro de afogados, uma atitude já desesperada, mas que acabou por chamar a atenção para os problemas? Não estaria aí a sua legitimidade, principalmente tendo em vista o quadro caótico por você mesmo delineado?

 

UJS: Acredito que sim, pois o governo federal não sabe falar “não”, empurra tudo com a barriga. O equipamento já quebrava anteriormente, acidentes já aconteciam, o problema não é de hoje. O acidente com o grupo Mamonas Assassinas, ocorrido há dez anos, foi um erro de controle do tráfego aéreo, que poderia ter corrigido a rota e evitado sua colisão.

 

CC: Você é favorável à desmilitarização do setor?

 

UJS: Sou. Acredito que o governo deva participar da aviação civil apenas no controle das fronteiras e de nossa soberania. Se o governo quer prestar um serviço adequado à população por meio do Ministério da Defesa, deveria combater o tráfico de entorpecentes e o contrabando de armas, algo muito mais benéfico para o país do que controlar o tráfego aéreo.

 

CC: Mas o controle aéreo não deveria permanecer público, a seu ver, mesmo desmilitarizado?

 

UJS: Sim, poderia estar nas mãos do governo, nas mãos do Ministério do Transporte ou da Casa Civil, ou até mesmo nas mãos de uma nova secretaria.

 

Há somente seis países no mundo que ainda usam o controle aéreo feito por militares. Acabar com isso no Brasil é algo que todos os trabalhadores no setor exigem do governo.

 

CC: Qual a sua opinião sobre as posições que Lula tomou, inicialmente apoiando a greve e depois voltando atrás, e condenando os controladores?

 

UJS: Lula está perdido, não quer se contrapor ao Ministério da Defesa. Lula acabou fazendo uma bravata no sentido de extirpar o movimento, mas o governo está completamente perdido. Não existe um plano A e nem um plano B para a aviação civil no Brasil.

 

Deveria, sim, fazer um plano C, criar um marco regulatório que construa um setor aéreo no país, onde ganhem os usuários e os trabalhadores, onde ganhem todos os envolvidos.

 

CC: Ouvimos, pela imprensa, os aeronautas criticando os controladores de vôo, que estariam mentindo e prejudicando o seu trabalho. Isso procede?

 

UJS: Eu acredito que essa questão não exista, pois um depende do outro para obter excelência. É possível que tenham ocorrido alguns problemas, como de comunicação devido à barreira do idioma, mas é difícil o aeronauta boicotar o controlador e vice-versa.

 

CC: Estamos correndo risco de vida ao voarmos país afora?

 

UJS: Não, isso não. A parte mais perigosa do vôo é o trajeto do usuário ou do aeroviário para o aeroporto ou de volta pra casa, devido à violência que existe no Brasil. Voar ainda é um meio de transporte muito seguro.

 

 

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