Correio da Cidadania

Viva o Brasil!

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Aécio Neves foi perdoado pelos seus colegas de Senado da saraivada de acusações de corrupção denunciada por diversos delatores e recuperou seu mandato. Muita indignação dos setores feridos pelo golpe de estado mais manso de que já tivemos notícias seguiu-se à votação, acompanhada pela massa em tortuosas transmissões ao vivo. Brados de “cadê as panelas?”, “então a culpa não foi de vocês?” inundaram as redes sociais. Compreende-se a raiva. Mas talvez esse intrigante silêncio seja a grande notícia do episódio.

Vejamos. O movimento cívico alvo-amarelo que deu ao Congresso mais corrupto de todos os tempos coragem suficiente de destituir a outrora superior de Michel Temer já se consolidou como uma tragédia, em perfeito complemento à farsa dos “cidadãos de bem” de 1964 – e é incrível notar como essa famosa frase sempre pode ter seus adjetivos invertidos para se manter altamente reveladora.

Sabemos, os desejosos de viver um outro modelo de sociedade, de cima a baixo dissociado do atual, que inúmeros aliados desta utopia se descaracterizaram, adaptaram-se à velha ordem, enfim, se venderam e atiraram décadas de lutas na lata do lixo. Porém, já estamos exauridos de críticas nesse sentido. Ainda mais quando sequer servem para que alguns reflitam – também querem sua vez de emular a máxima do parágrafo anterior.

No entanto, não dá pra ignorar o papel histórico, por assim dizer, dos revolucionários dos condomínios da boa vizinhança, cujas panelas de alumínio inox e colheres de pau se tornaram as armas com que juravam expurgar aquele eterno espectro da foice e do martelo.

Excitados por uma mídia que os vândalos chamam de conservadora, mas é “livre e independente”, esses diletos brasileiros tomaram as ruas do país pela primeira vez no dia 15 de março de 2015, acompanhados de uma massa popularesca que de fato penava na crise econômica e desemprego já galopantes.

Foi estranho. A ala predominante nos discursos, propagação de ideias e caminhões de som vestia roupas que chegavam a cobrir um ou dois salários de seus confrades mais simplórios e amorenados (escala máxima da tez humana, segundo alguns).

Assustamos, é verdade. Havia gente ‘da nossa’ no meio ‘deles’, o que balançou nossa certeza de sempre termos sido os legítimos interlocutores e até representantes dos chamados explorados e oprimidos.

No entanto, ao contrário do que afirmam diversos desses ‘representantes’ (ou nem tanto) o estranhamento foi notado pela massa menos cheirosa do movimento. “Opa, aqui não vamos levar nada”, pensaram milhares dos justos indignados ali presentes.

Ainda existe sentimento de classe nesse Brasil “que deu certo”, “de todos”, “sem miséria”, por mais que neguem alguns propagandistas. E aqueles supostamente não aptos a compreender as brilhantes decisões tomadas por seus pretensos representantes nos últimos anos retiraram-se da cena.

Apesar disso, o movimento em questão percebeu que estava em larga vantagem. Aquela turma que passou 20 ou 30 anos da vida afirmando tranquilamente “sou apolítico, não me meto nessas coisas” foi informada pelos seus comunicadores preferidos que era legal, sim, por que não?, ir pra rua “lutar pelos seus direitos”, “por um país melhor”.

Cheios de discernimento e grandes ideias, elegeram o manto CBF-Nike como símbolo da luta contra o dragão da corrupção, por eles (sic) identificado como o grande mal que assolava o país e os impedia de brilhar (ainda mais) na vida. Descobriram o entrave para seu vulcânico empreendedorismo reprimido.

Do outro lado, muita perplexidade e apatia, numa certeza suicida de que seus grandes mestres haveriam de saber lidar com a adversidade. E melhor ainda: sem o esforço de suar nas ruas e praças, dado que garantiam dispor o país de instituições sólidas como nunca dantes.

Já haviam publicamente se declarado divorciados daqueles sonhos juvenis e irresponsáveis, entrado inúmeras vezes em grandes e inéditos salões, tinham até jantado com louças provençais e aquele monte de talher de prata, um pra cada tipo de manjar. Enfim, garantias de que eram homens e mulheres refeitos sobravam. Não passarão!

Por isso mesmo, o novíssimo movimento civilizatório percebeu que jogava contra um time que tinha um poste no gol e um monte de pipoqueiros que queriam distância da bola (a metáfora futebolística não pode faltar em nossa ciência política).

A coalizão patriótica estava formada e emasculada. Sabia-se portadora da única verdade possível, ciente de seus propósitos redentores. Era gigante e agora, agora sim, acordara para livrar-nos de todo mal, amém.

Incentivados por todos os autênticos defensores desta pátria amada, vieram novos carnavais, em que a maré verde-amarela avançava lindamente Brasil adentro, com suas capas da Veja ampliadas e tornadas estandartes dos libertadores da terra, o grande totem do mal inflado em roupa de presidiário (Olinda é aqui!), continências mil para agradecer os heróis de ontem e lindas edições da verdadeiríssima TV Brasil, cujos repórteres não podiam esconder a satisfação de participar in loco de tão belo levante – ainda por cima sem sovaqueira! Aqueles dias haveriam de se eternizar nas escrituras sagradas da humanidade em permanente marcha para o progresso e a felicidade.

De fato, ninguém mais podia parar aquele bonde (qual o problema de usar gíria? O bom do Brasil é a mistura!). Mas faltava alguma figura para gerar afeição e identificar todos os guerreiros em torno de um símbolo perene, que perdurasse. Problema prontamente resolvido pelos maquinistas da locomotiva nacional, aqueles que se matam e carregam a escumalha parasitária do malévolo Estado nas costas.

Habemus patus! Pronto, havia um mascote para amar e acariciar em sonhos de voos sem descida. Era muito fofinho, feito com muito bom gosto, pois branco é quase incolor, e colori-lo de amarelo foi ideia de gênio. Logo se multiplicou, virou coqueluche, via-se por todos os lados.

A única observação negativa que ousamos fazer é que, infelizmente, faltou um espírito empreendedor no meio da massa, a fim de produzi-lo em série e vender aos seus fãs, que teriam um belo souvenir para adornar alguma prateleira da casa - ou melhor, apartamento - e mostrá-lo aos amigos, principalmente os da gringa, meu! Imaginem cada varanda com um patinho grudado à tela de sua landscape, visível logo ao longe, para arrancar o sorriso dos motoristas em direção à garagem de 5 andares da morada após longas e insalubres jornadas de trabalho honesto. Que lástima não lhes ocorrer tamanho ovo de Colombo.

Mas não percamos o foco. Voltemos aos fatos. Irresistível, o bondão atropelou em ritmo de micareta paulista todos os seus opositores, que era gente do mal, sem valores morais, desapegada da família e desprovida de Deus no coração. Enfim, verdadeiros bárbaros fanatizados por décadas de “mentiras esquerdistas”, como gostavam de asseverar a quem lhes perguntasse de seus propósitos centrais.

Cosmopolitas, cidadãos do mundo habituados a trazer o melhor da humanidade para sua sociedade desafeita ao esforço, não se furtaram de carregar mensagens em inglês, clamando pelo internacionalismo.

Ah sim, também faziam questão de se dizer “contra a corrupção”, esse mal que não deixa o Brasil decolar. Que coisa! Como ninguém nunca tinha pensado em reclamar da corrupção?!

Pagamos impostos pra escória comer e ninguém se dá conta do nosso sacrifício! Mundo injusto! Em frente! Há muito trabalho a fazer, patriotas! Até porque ninguém ousou perguntar-lhes por que diabos eles haviam ganhado dinheiro e juntado patrimônio como nunca nestes anos de arbítrio da roubalheira bolivariana – outra brilhante definição que lhes custou anos de estudos da realidade e contato com as massas de um país oprimido.

A marcha libertadora seguiu determinada em seus propósitos inabaláveis. Ungida que estava, ninguém pode resistir. O Congresso por fim atendeu aos pedidos dos justos indignados, fez-lhes a vontade e defenestrou a desgraçada que paga por Vladimir Putin (vejam se o cadáver de Lênin ainda se encontra no Mausoléu. Acorda Brasil!!!) arruinava tudo, em especial a economia, assunto no qual não há deus que entenda mais que eles, apegados à frieza científica que são.

Libertados, porém esgotados em corpo e espírito, levantaram seus merecidos brindes, fazendo questão de jactar-se da qualidade da espuma a refrescar suas desgastadas cordas vocais, que cantaram o hino pátrio milhares de vezes naquelas jornadas tão heroicas e desembaraçadas.

Missão cumprida, sim senhores! Primeiro a gente tirava a Dilma e o PeTê, depois... bom, vocês sabem, depois fim da história.

Viva o Brasil!

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