Correio da Cidadania

“Com teto de gastos, não será possível proteger trabalhadores da saúde, defender a população e estancar o vírus”

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O Coronavírus já chegou ao Brasil e suas consequências ainda estão longe de qualquer mensuração. A maior parte da população ainda tenta viver normalmente, mas a cada hora a ficha cai mais. São Paulo já registra mortes, seu prefeito Bruno Covas acaba de decretar Estado de Emergência, as escolas fecham e o pico de contaminação ainda está por vir. Enquanto isso, o presidente da República continua encerrado em seu mundo de militância e abstrações pessoais. Sobre o preocupante momento, o Correio entrevistou Cleuza Faustino, suplente do Conselho Nacional de Saúde.

Sobre as medidas do governo federal até aqui, Cleuza, que também é diretora da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (FENASPS), diz que “são evasivas. De maneira muito genérica, não entende o momento pelo qual o país e sua saúde passam. Os governos, de todas as esferas, não aplicam todos os recursos necessários mesmo diante de uma situação normal. Imagine numa pandemia”.

De resto, afirma que o Brasil e seus sistemas públicos e privados de saúde não têm condições de enfrentar uma pandemia, situação agravada pelos cortes de orçamento do SUS nos últimos anos. Só uma grande mobilização de todas as esferas de governo, e que acabe com a Emenda Constitucional 95 que congela gastos públicos por 20 anos, pode livrar o país de sequelas traumáticas.

“Que os conselhos de saúde, em todas as esferas, todos os sindicatos e empresas privadas trabalhem pra prevenir a população e derrubem esse teto de gastos que congela investimentos por 20 anos, enquanto o governo gasta em áreas não prioritárias ou compra apoios para seus projetos ultraneoliberais”.

Correio da Cidadania: Primeiramente, qual o grau de penetração você projeta que a pandemia do Coronavírus pode atingir no Brasil?

Cleuza Faustino: Se depender de como o SUS se encontra hoje, desmontado, cada ano com menos recursos e com o governo tirando ainda mais recursos, o risco é muito grande, porque o sistema não está preparado para receber uma pandemia.

Correio da Cidadania: O que pensa das respostas do governo até aqui?

Cleuza Faustino: Elas são evasivas. De maneira muito genérica, não entende o momento pelo qual o país e sua saúde passam. Os governos, de todas as esferas, não aplicam todos os recursos necessários mesmo diante de uma situação normal. Imagine numa pandemia. Isso é fácil de ver pelas informações divulgadas pela mídia. E não acredito que ela divulgaria as coisas se não tivesse fundo de verdade.

Correio da Cidadania: O que acha das declarações do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ao dizer que o Brasil não se encontra no grupo de países que trabalha para encontrar uma vacina contra o vírus, e suas atitudes até aqui?

Cleuza Faustino: Mandetta veio do mundo dos planos privados. Não tem dimensão do alcance do SUS e talvez não tenha dimensão da população que o SUS atende, que por sua vez não pode recorrer a outro sistema. Trata-se do maior plano de saúde da América latina. O que faltam são investimentos. Desde quando aprovaram a Emenda Constitucional (EC) 95 nós, dos conselhos, confederações e sindicatos, tentamos derrubar. Porque se não fizer isso o SUS não vai suportar, não vai atender a população de acordo com a exigência da conjuntura.

Correio da Cidadania: Diante das atitudes de Bolsonaro, desde que ajudou a manter as manifestações de domingo passado, até suas insistentes declarações contra a periculosidade do vírus, não é o caso de os governos estaduais e municipais agirem à margem do federal

Cleuza Faustino: É de fato muito grave. Todos os governos devem envidar todos os esforços para equipar tanto a rede pública como a privada. Uma e outra não suportam uma pandemia do tamanho da que se vê em Itália, França, Espanha, EUA...

Se estamos prevendo maus momentos, temos de investir de 20 a 30 bilhões de reais na saúde para que ela consiga atender a todos que necessitarem.

Quanto ao presidente, acha que é esmero, sensacionalismo midiático. Mas talvez agora esteja vendo a realidade e se preocupe, principalmente por saber que cortou verba da saúde, dos hospitais universitários, da FGV, da Fundação Oswaldo Cruz, os centros de pesquisas... Assim, neste momento ele vê o que fez de errado ao tirar verbas da saúde.

Correio da Cidadania: Em relação ao aspecto econômico, não seria o caso de considerar que os prejuízos já são inevitáveis em qualquer cenário?

Cleuza Faustino: Diante da situação de crise econômica, é difícil o país parar, pois a crise se aprofundará ainda mais. Mas as medidas preventivas precisam ser melhor divulgadas, a população precisa ter mais informações sobre os cuidados a tomar.

Correio da Cidadania: Considera pertinente a discussão sobre a derrubada do teto de gastos a partir deste evento excepcional?

Cleuza Faustino: É preciso intensificar a campanha da EC 95, deve-se conscientizar o parlamento estadual, municipal e federal, envolver a população, para que todos unidos derrubem a emenda. Se não cair a EC 95 não tem como prevenir os trabalhadores do sistema, investir em recursos de defesa da população e estancar o vírus. 

Que os conselhos de saúde, em todas as esferas, todos os sindicatos e empresas privadas trabalhem pra prevenir a população e derrubem esse teto de gastos que congela investimentos por 20 anos, enquanto o governo gasta em áreas não prioritárias ou compra apoios para seus projetos ultraneoliberais.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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