Jerusalém, memória da dor
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- Elaine Tavares
- 12/12/2017
Resistência palestina é diária desde há mais de 70 anos
Era 14 de maio de 1948 quando a Organização das Nações Unidas decidiu criar por decreto o Estado de Israel, dividindo o território ocupado pelos palestinos em dois, com a participação decisiva do brasileiro Osvaldo Aranha, então representante brasileiro na ONU. Foi por conta de uma manobra feita por Aranha que a votação aconteceu e deu vitória ao sionismo. Segundo a organização haveria dois estados: um árabe e um judeu. A proposta era uma espécie de reparação pelo horror vivido pelo povo judeu na grande guerra provocada pelos nazistas.
Ocorre que a terra não era um espaço vazio. Ali viviam as famílias palestinas desde há séculos, plantando suas oliveiras, criando suas cabras e conversando nas calçadas sorvendo o chá de hortelã ou maramiah.
A ação da ONU, obviamente proposta pelos Estados Unidos, obedecia a um interesse menos nobre do que garantir morada a um povo que estava espalhado pelo mundo, e que havia sofrido o holocausto. Eles queriam naquele espaço garantir uma porta de entrada segura para o Oriente Médio, onde estava o petróleo. Criar um Estado artificial, aliado, foi uma jogada de mestre. O país do “tio Sam” aparecia ao mundo como o grande responsável pela vitória contra os nazistas e, com essa atitude, posava de humanitário mais uma vez.
Só que com a criação do estado artificial foi preciso expulsar das terras as pessoas que ali viviam: os palestinos. Assim, em poucos dias foi criado um terreno de horror e guerra, com a fuga em massa de mais de 800 mil pessoas por conta da invasão dos judeus. Outros tantos judeus foram trazidos para as propriedades palestinas, visando invadir o máximo possível de terras. Em menos de um ano, o novo Estado, comandando pela religião judaica, se estabelecia, vitorioso.
A partir daí, os sionistas, que desde 1897 reivindicavam um Estado para os judeus, não pararam mais de matar e oprimir os palestinos, visando avançar cada vez mais sobre suas terras. O sionismo é um movimento que se baseia na lembrança de Sião, o mundo judeu que existia naquela região antes do século I, e que foi destruído pelo Império Romano. As setes tribos de Israel, conforme conta o Velho Testamento da Bíblia cristã, eram nômades e circulavam pela região, unificando-se em torno das leis de Moisés, tendo sido depois escravizadas pelos egípcios e outros povos vizinhos, sem nunca abandonar a sua fé.
O fato é que depois da diáspora judaica, iniciada no século I da era cristã, muitos outros povos seguiram vivendo na região nos 1948 anos que se seguiram até a criação do Estado de Israel. E, desses povos, o palestino foi o que fincou raízes.
Assim, por mais de mil anos, aquela gente esteve ali, construindo sua cultura e suas moradas. Por isso, a interminável batalha que persiste até hoje. Observando bem, não tem nada a ver com a religião, como tenta convencer a mídia. O que está em questão é a propriedade da terra.
O conflito
Após a criação do Estado de Israel, com a promessa de haver dois Estados distintos, a história que se seguiu não foi a anunciada ao mundo em 1948. Os sionistas começaram a invadir outros pontos do território, separando famílias, matando milhares de pessoas e se apossando de mais e mais terras. Uma olhada no mapa abaixo deixa bem claro como foi o processo de invasão sistemática.
Hoje, os palestinos vivem segregados em pequenas partes do território, separados de pais, irmãos, amigos, cercados por muros gigantes e tratados como criminosos. Para cruzar o território de um lado a outro eles precisam de autorização e, diariamente, sofrem humilhações e violência. Na prática, os espaços palestinos são exatamente campos de concentração, submetidos a bombardeios e violências extremas. O povo palestino vive hoje o que viveram os judeus na segunda guerra: um holocausto.
Mas, apesar de toda a violência do Estado de Israel, o povo palestino resiste. Uma resistência heroica que custa a vida de crianças, jovens, adultos e velhos todos os dias. Viver nos territórios palestinos é estar de cara com a morte a cada momento, porque a proposta dos sionistas é acabar com todos os palestinos, para ficarem com todo o território.
Jerusalém
Nesse terreno de guerra permanente, a cidade de Jerusalém tem um papel importante. Ela é berço das três principais religiões monoteístas do mundo: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. E por ser esse espaço sui generis no contexto da fé de milhões de pessoas havia o acordo de que ela seria uma cidade livre, com acesso livre para todos os fiéis de cada uma dessas religiões. Além disso, Jerusalém sempre foi considerada a capital política da Palestina e é reivindicada como tal pelo povo palestino. Ainda que Israel tenha tomado militarmente parte da cidade, os palestinos jamais abriram mão de sua capital.
É por isso que a decisão de Donald Trump em reconhecer Jerusalém como a capital de Israel está provocando um terremoto político na região. Importante salientar que não seria da competência dele, como presidente de um país longínquo, determinar uma coisa dessas, ainda que haja uma lei, aprovada pelo Congresso dos EUA em 1995, definindo isso – outro absurdo.
Mas, por outro lado, expõe de maneira clara a relação visceral que existe entre Israel e Estados Unidos. Ou seja, o Estado sionista é cria dos EUA. Existe para ser o braço armado dos Estados Unidos na região do Oriente Médio e cumpre com competência essa missão. Se, desde 1995 nenhum presidente se arvorou em tornar real a lei – por conta das negociações de paz – agora Trump se sente muito à vontade para levar ainda mais desgraça para a região.
A “decisão” de Trump em tornar Jerusalém capital de Israel viola todos os acordos já firmados e é típica de um Estado imperial. Com ela, as relações com a Liga Árabe das Nações ficam ainda mais tensas e torna a região ainda mais explosiva. Protegidos pelo império estadunidense os dirigentes israelenses agora se sentem mais seguros em tomar de vez a cidade dos palestinos, avançando ainda mais sobre o território daquele povo.
Em todo o mundo se levantam as gentes contra mais esse ataque ao povo palestino, espremido dia a dia em sua própria terra, perdendo espaço e vida. Com a declaração do presidente estadunidense acirraram-se ainda mais os conflitos vividos dentro do território, com Israel cada vez mais empoderado no seu pretenso direito de matar.
Agora, Trump diz que vai transferir a embaixada dos EUA para Jerusalém, saindo de Telavive, a capital de Israel. E esse é mais um ato de guerra contra os palestinos.
Para quem vive tão distante do conflito é bom que se deixe claro: o massacre, o genocídio, imposto ao povo palestino nada tem a ver com religião, ainda que essas diferenças sejam insufladas pelos governantes sionistas. Entre os palestinos há cristãos e muçulmanos, mas não é isso que faz com que haja o ataque permanente. O ponto central é o território. É uma batalha pelo controle da terra, das riquezas e da posição estratégica no globo.
Trump torna a situação ainda pior e, no futuro, cada um desses presidentes estadunidenses, desde Harry Truman, precisará ser colocado no seu devido lugar, como responsáveis pelo genocídio do povo palestino. Criminosos de guerra.
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Elaina Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos, onde o artigo foi originalmente publicado.