Israel e Palestina em 2018: paz, não. Descolonização
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- Ilan Pappe
- 17/05/2018
Os fundadores do Estado de Israel foram principalmente pessoas que se estabeleceram na Palestina no começo do século 20. Vieram sobretudo da Europa do Leste inspirados por ideologias nacionalistas românticas no auge em seus países de origem, decepcionados por sua incapacidade para se assimilarem a estes novos movimentos nacionalistas e entusiasmados pelas perspectivas do colonialismo moderno.
Alguns eram antigos membros de movimentos socialistas que esperavam fusionar seu nacionalismo romântico com experiências socialistas nas novas colônias. A Palestina não foi sempre a única opção, mas se tornou a preferida quando se fez patente que encaixava bem nas estratégias do Império Britânico e na visão de mundo dos poderosos cristãos sionistas em ambos os lados do Atlântico.
Desde a Declaração de Balfour de 1917 e durante todo o período do mandato britânico de 1918-1948, os sionistas europeus começaram a construir a infraestrutura para um futuro Estado com a ajuda do Império britânico. Agora sabemos que tais fundadores do Estado judeu moderno eram conscientes da presença de uma população nativa com aspirações próprias e com sua própria visão de futuro para sua pátria.
A solução ao problema – no que se refere aos fundadores do sionismo – foi “desarabizar” a Palestina para facilitar a via do surgimento do Estado judeu moderno. Fossem socialistas, nacionalistas, religiosos ou laicos, os dirigentes sionistas planejaram o desalojamento populacional da Palestina dede a década de 1930.
No final do mandato britânico os lideres sionistas tinham claro que aquilo que imaginaram como um estado democrático poderia existir somente sobre a base de uma presença judia absoluta em seu território.
Setenta anos de limpeza étnica sustentada
Ainda que oficialmente aceitassem a partilha entabulada pela resolução 181 de 29 de novembro de 1947 (sabendo que seria rechaçada pelos palestinos e o mundo árabe), a consideraram como um desastre porque previa para o Estado judeu quase a mesma quantidade de palestinos que de judeus. Que essa resolução unicamente outorgasse 54% da Palestina ao Estado judeu era considerado igualmente insatisfatório.
A resposta sionista a esta determinação foi embarcar em uma operação de limpeza étnica que expulsou a metade da população da Palestina e demoliu metade de seus povoados e a maioria de suas cidades. A resposta pan-árabe, tardia e insuficiente, não pode evitar que o sionismo se apoderasse de 78% dos territórios palestinos.
Ainda assim, tais “conquistas” não resolveram o “problema da Palestina” para o recém-fundado Estado de Israel. Em princípio pareceu controlável: a minoria palestina que ficou no interior de Israel foi submetida a um severo governo militar e o mundo não se preocupou nem questionou o alarde israelense de ser a única democracia do Oriente Médio. Além do mais, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) foi fundada em 1964 e tardaria em influir na realidade do local.
Então pareceu que os líderes do mundo árabe como Gamal Abdel Nasser iriam ao resgate da Palestina. Neste momento histórico de esperança, ainda assim, foi breve. A derrota do exército egípcio na guerra de junho de 1967 e seu êxito parcial na guerra de outubro de 1973 diminuíram o compromisso oficial egípcio com a Palestina. Desde então, nenhum regime árabe se interessou de verdade pelo destino da Palestina, apesar de que as sociedades árabes o fizeram plenamente.
A guerra de junho de 1967 permitiu a Israel se fazer mandatário da totalidade da Palestina, mas isso só aprofundou o problema da colonização ao qual fazia frente: mais território supunha mais população nativa.
A guerra também transformou o núcleo da direção do Estado judeu: o pragmático Partido Trabalhista foi substituído pelos revisionistas de direita e os nacionalistas, menos preocupados com a imagem exterior de Israel. Em troca, estavam decididos a ficar com os territórios ocupados como parte do Estado de Israel, mantendo a limpeza étnica de 1948 por outros meios: transferindo a população local, enclausurando-a e despojando-a de todo direito civil e humano elementar e, ao mesmo tempo, institucionalizando um novo marco legal para a minoria palestina do interior de Israel que perpetuasse seu estatuto de cidadãos de segunda categoria.
A resistência palestina em forma de duas intifadas e os protestos civis dentro de Israel não impediram que o Estado judeu tenha estabelecido no começo deste século um Estado judeu de apartheid em toda a Palestina histórica. A resistência palestina, ignorada pelos países árabes e pelo resto do mundo, provocou ações bárbaras e extremas de Israel que desprestigiaram sua condição moral diante do mundo.
De todo modo, a “guerra contra o terrorismo” após os ataques de 11 de setembro, os amargos frutos da invasão anglo-estadunidense no Iraque, a primavera árabe, permitiram a Israel manter suas alianças estratégicas com as elites políticas e econômicas do ocidente e além (como a China, a Índia e até Arábia Saudita).
Até agora a ambígua situação internacional não debilitou a realidade econômica de Israel. Trata-se de um país com alto desenvolvimento tecnológico e de economia neoliberal que afrontou a crise de 2008, mas que conta com uma das maiores brechas em desigualdade e polarização entre membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. Esta volátil realidade socioeconômica provocou em 2011 um movimento de protesto popular, ainda que ineficaz ao final.
Mesmo assim, seguem latentes as condições para outra grande onda de protestos que poderia se desencadear e produzir outro levante palestino ou uma guerra como consequência da imprudência da política do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. Ambos estão fazendo todo o possível para arrastar Israel a uma guerra com o Irã e o Hizbollah.
Da descolonização à paz
Setenta anos depois de sua criação, Israel é um Estado racista e de apartheid, cuja opressão estrutural aos palestinos segue como principal obstáculo para a paz e a reconciliação.
Conseguiu-se muito fusionando comunidades judias de todo o mundo em uma nova cultura hebraica, criando o exército mais forte da região. Ainda assim, todas essas conquistas não legitimaram o Estado diante do mundo.
Paradoxalmente, só os palestinos poderiam outorgar plena legitimidade ou aceitar a presença de milhões de colonos judeus mediante a solução de um só Estado.
O processo de paz reproduzido e orquestrado pelos Estados Unidos desde 1967 ignorou por completo a questão da legitimidade israelense e a perspectiva palestina do conflito. Tal indiferença junto às iniciativas diplomáticas que não questionaram a ideologia sionista que conforma as atitudes da maioria dos judeus israelenses são as principais razões do seu fracasso.
Em 2018, já não se pode falar de conflito árabe-israelense. Os regimes árabes estão dispostos a estabelecer relações estratégicas com Israel apesar da objeção de sua cidadania e, por mais que ainda exista risco de uma guerra israelense com o Irã, no momento não parece que vá envolver algum Estado árabe.
Desde nosso ponto de vista, parece igualmente inútil seguir falando de conflito israelo-palestino. A terminologia correta para descrever o Estado atual das coisas é a continuação da colonização israelense da Palestina histórica ou como chamam os palestinos “al Nakba al Mustamera” (a Nakba – catástrofe – em andamento).
Portanto, 70 anos depois temos de recorrer a um termo que pode parecer obsoleto para descrever o que realmente pode trazer paz e reconciliação a Israel e Palestina: descolonização. Como fazer ainda está por se ver. Requereria em primeiro lugar uma posição palestina mais precisa e unida sobre o desfecho político ou a atualização do projeto de libertação.
Tal projeto contará com o apoio dos israelenses progressistas e da comunidade internacional, que também terão de fazer sua parte. Devem trabalhar para a criação de uma democracia para todos desde o rio Jordão até o mar, baseada na restituição dos direitos negados aos palestinos nos últimos 70 anos, o principal deles o direito de retorno dos refugiados.
Este não é um plano de curto prazo e exigirá uma pressão constante sobre a sociedade israelense para que renuncie a seus privilégios e se enfrente com a verdade de que esta é a única forma de levar a paz e a reconciliação a um país desgarrado por dentro.
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Ilan Pappe é historiador israelense exilado, diretor do Centro Europeu de Estudos de Palestina na Universidade de Exeter. Autor do livro A Limpeza Étnica da Palestina, publicado no Brasil em 2017 pela editora Sunderamann.
Publicado originalmente no site da Al Jazeera.
Tradução de Loles Oliván Hijós para o espanhol em Rebelión e de Gabriel Brito, editor do Correio da Cidadania, para o português.