Sugestões para o crescimento
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- Wladimir Pomar
- 03/08/2018
Como a experiência de 2003 a 2010 demonstrou, somente um novo governo Lula terá condições de enfrentar o desafio de retomar o crescimento econômico, a expansão do emprego e da renda, e o desenvolvimento social. Além de seu compromisso com as demandas das classes populares, Lula e o PT são capazes de avaliar criticamente, além de seus acertos, os próprios erros. E, nas condições políticas atuais, examinar com isenção porque o governo petista posterior foi incapaz de manter a tendência de melhoria e acabou tentando corrigir a erupção da crise econômica com uma malfadada receita neoliberal.
Por outro lado, a baixa popularidade dos candidatos que apoiaram o golpe contra Dilma abriu brechas para o crescimento da candidatura de ultradireita, constituindo um dos aspectos que torna ainda mais necessária a manutenção da candidatura Lula. Por mais estranho que pareça, as pesquisas mostram que as tratativas reacionárias de colocar Lula fora da disputa fariam com que parcelas do eleitorado popular migrassem para a candidatura ultradireitista se o PT houvesse adotado o Plano B que tentaram impingir-lhe insistentemente.
Isso pode ser explicável pelas condições típicas vividas pelo país, com uma situação em que grandes camadas populares estão desesperadas com a pobreza, a miséria, a violência e a ausência de oportunidades de emprego e de vida, e mal sobrevivem sob uma guerra civil não declarada. É isso que obrigará o PT e demais partidos de esquerda a examinarem, caso Lula seja impedido de concorrer oficialmente à presidência, as alternativas que lhes sobram para desqualificar a farsa de uma eleição presidencial sem o candidato de maior preferência popular e, ao mesmo tempo, impedir aquela migração errática.
Além disso, mais do que em 1989 e 2002, o PT e os partidos de esquerda necessitarão um programa político que os levem a serem vistos como capazes não só de reconhecer os próprios erros (conciliação de classes etc.), mas também os problemas do país enxergados pela maioria do seu povo (corrupção, pobreza, miséria, entreguismo etc.) e forjar as soluções para superar tais erros e problemas. Soluções que só terão efetividade se operarem no sentido de superar o atraso, a dependência, a subordinação, a desnacionalização e as desigualdades sociais.
Nesse programa, o desenvolvimento econômico é central porque dele dependem todos os demais aspectos programáticos para transformar o Brasil num país independente, soberano e livre das chagas da pobreza e da miséria social, sendo necessário verificar criticamente as abordagens favoráveis à intervenção estatal como condição para o desenvolvimento econômico ser sustentável.
Para alguns, tal presença não deveria obstruir o investimento privado, mas reproduzir a eficiência desse setor, de modo a criar um equilíbrio entre as potências capitalistas desenvolvidas e as atrasadas, superando os desequilíbrios entre elas e conformando modelos capitalistas adequados às condições de cada país. Outros postulam uma estratégia de políticas monetárias, fiscais e cambiais para reduzir a dependência financeira e os movimentos de ingresso e saída de capitais, mantendo sob controle o déficit fiscal e estimulando a competitividade com taxas de juros decrescentes e taxas de câmbio desvalorizadas, e evitando a doença holandesa de inflação gerada pelo afluxo de divisas obtidas com as exportações de matérias primas.
Outra abordagem critica o desmonte industrial dos anos 1990, proclama a retomada da industrialização como prioridade econômica e base para multiplicar o emprego urbano, partindo do pressuposto de que os países capitalistas desenvolvidos já esgotaram sua capacidade de expansão industrial e geração de emprego e que as nações pobres ainda precisam completar tal etapa e ingressar no desenvolvimento científico e tecnológico, inclusive através de acordos de transferência de tecnologias com corporações transnacionais, de modo a ingressar firmemente na destruição criativa modernizante. E há, ainda, os que defendem adotar a mesma estratégia exportadora do Sudeste Asiático, subsidiando as indústrias que disputam o mercado internacional e adotando medidas de controle dos salários e de aumento da produtividade dos trabalhadores.
Na prática, todas essas abordagens aparecem mescladas de diferentes formas em diferentes nações. E, em geral, a experiência de participação estatal competitiva em países atrasados predominantemente capitalistas tem mostrado que tal participação tende a criar um desenvolvimento econômico e social mais intenso, a aumentar o número de trabalhadores fabris no conjunto dos trabalhadores e a incentivar a elevação do padrão de vida de parcelas maiores ou menores desses trabalhadores. No caso do Brasil, a participação das estatais no processo produtivo é reduzida e limitada à exploração do petróleo e gás e à produção e distribuição de energia elétrica. Mesmo assim, os capitalistas e seus representantes políticos se esforçam em privatizar tais setores e resolver os problemas da competitividade através da adoção de preços administrados monopolisticamente e da redução dos salários e dos benefícios sociais.
Em tais condições, para superar a situação histórica de atraso, dependência, subordinação, desnacionalização e profundas desigualdades sociais, como a brasileira, uma estratégia de desenvolvimento econômico deverá ser capaz de mobilizar não só as grandes massas trabalhadoras e excluídas, mas também setores da pequena burguesia e da burguesia, dando à participação das estatais um papel muito mais ativo na democratização do mercado e na orientação do desenvolvimento industrial, científico e tecnológico.
A história tem demonstrado que o crescimento da indústria é condição para o crescimento da economia como um todo e para o desenvolvimento científico e tecnológico. A indústria de transformação é o setor onde predominam retornos crescentes ao estabelecer relação estrutural entre a taxa de crescimento da produtividade do trabalho e a taxa de crescimento geral. Embora haja dúvidas de que o crescimento econômico acelerado possa manter uma inflação baixa, é certo que ele produz ganhos de produtividade e oferece condições para a redução dos preços dos produtos, desde que o mercado não seja monopolizado.
Historicamente, a produção industrial brasileira cresceu por soluços nos anos 1910, 1930-40, 1950, 1960-70. Em sentido contrário, sofreu um desmonte privatista nos anos 1980-90, teve pequena recuperação (2,8%) entre 2005-2010, e mergulhou na estagnação desde 2011. O pensamento econômico liberal culpou a insuficiência de demanda efetiva como causa, levando o governo Dilma a implementar programas de estímulos fiscais e creditícios que não resultaram em recuperação. Entre 2011 e 2013, a produção e a utilização da capacidade industrial reduziram-se, ao mesmo tempo em que as importações de produtos industriais cresceu 30%, supondo-se que aqueles estímulos escorreram para aplicações financeiras ou para indústrias com sedes no exterior, em virtude das políticas de altos juros e/ou de câmbio sobrevalorizado.
Há os que acreditam que o problema chave da indústria brasileira reside no que chamam queda da competitividade. Segundo eles, para recuperar tal competividade será necessário superar seus elementos "espúrios" e "sistêmicos", que identificam nos altos custos da taxa de câmbio e do trabalho. Isto é, para eles seria fundamental reduzir o custo de produção, seja por intermédio de um realinhamento da taxa real de câmbio, seja pela vinculação dos ganhos salariais ao crescimento da produtividade do trabalho. Ou seja, limitam os problemas da indústria brasileira à competividade, e os problemas da competividade ao câmbio sobrevalorizado e aos salários.
Desconsideram, portanto, os problemas causados pelas baixas taxas de investimentos na produção industrial e no desenvolvimento científico e tecnológico, pela completa ausência de regulamentação dos investimentos estrangeiros, pelos juros altos que incentivam o rentismo e a especulação financeira, pela infraestrutura distorcida e cara, pela baixa qualificação da força de trabalho, e pela situação perversa de desnacionalização e monopolização setorial de preços administrados.
Não levam em conta, portanto, que os investimentos de capital, tanto os externos quanto os internos, têm se destinado principalmente aos ganhos no sistema financeiro. Os investimentos na indústria não obedecem a programas de desenvolvimento de setores industriais estratégicos, capazes de alavancar todos os demais em virtude de seu conteúdo científico e tecnológico. Nem consideram espúrios os altos custos da distorcida infraestrutura de transportes, nem as baixas qualificação e remuneração da maior parte da força de trabalho ativa.
Em termos gerais reconhecem a necessidade, a médio e longo prazos, de pesados investimentos, públicos e privados. Mas afunilam tais investimentos a obras de infraestrutura, educação, treinamento e qualificação da força de trabalho e inovação tecnológica, e não à implantação de complexos industriais que adensem e alavanquem as cadeias produtivas. E capitulam à ideia de que, a curto prazo, só será possível ajustar a taxa de câmbio e adotar uma política de moderação salarial negociada com os sindicatos.
O que precisamos é a adoção de uma política ativa e regulamentada de investimentos industriais, incluindo capitais estrangeiros, como condição para o crescimento do PIB e, com ele, da poupança pública. Isto é, fazer com que tais investimentos ampliem a participação de instrumentos econômicos do Estado (múltiplas empresas estatais industriais) no processo produtivo e, portanto, na geração do PIB e da poupança pública, e na disputa do mercado, rebaixando preços e intensificando o desenvolvimento tecnológico. Ou seja, fazendo com que o Estado deixe de ser apenas o ente macroeconômico regulamentador e salvador do funcionamento errático do mercado capitalista, no qual empresas estatais só deveriam estar presentes para os casos de necessidade de monopólios naturais.
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Wladimir Pomar
Escritor e Analista Político