Para entender as eleições 2018
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- Fabio Luís Barbosa dos Santos
- 02/10/2018
Na superfície, a eleição presidencial brasileira parece complexa. Apesar do golpe e da prisão, o PT desponta como favorito há dez dias do pleito, enfrentando uma temível cria da ditadura - Bolsonaro. O que está em disputa nesta eleição? Quem é o candidato do capital? Qual a estratégia da burguesia? E a resposta da esquerda? A seguir, enfrentarei estas questões.
1.
Para a burguesia brasileira, a economia não está em disputa nas eleições: quem vencer enfrentará os problemas do neoliberalismo com mais neoliberalismo. Seja pela via utópica de um “neoliberalismo inclusivo” pregado pelo PT, seja pelo ultraneoliberalismo dos tucanos ou de Bolsonaro.
O que a burguesia disputa é a forma política de gestão da crise brasileira. Qual será a cara do arranjo institucional, jurídico e cultural que substituirá a Nova República, definitivamente condenada.
No plano imediato, há duas vias colocadas.
Segundo suas próprias palavras, Lula oferece credibilidade e estabilidade. A credibilidade de que fala não é com os de cima – duramente afetada, mas com os de baixo: o que Lula falar, a sociedade aceitará. Em outras palavras, o lulismo oferece sua capacidade de convencimento e neutralização popular, como via da ordem. Se Dilma Rousseff foi a sombra de Lula, Fernando Haddad se projeta como o avatar desta política.
No polo oposto complementar, está Bolsonaro. Como entendê-lo? Bolsonaro é a resposta assustadora de uma sociedade assustada. Quem está sem trabalho tem medo da fome, e quem trabalha, tem medo do desemprego. Todos tem medo da violência, e também tem medo da polícia.
Em um contexto de desprestígio das formas coletivas de luta, Bolsonaro promete a ordem pela truculência. Como Trump nos Estados Unidos, Erdogan na Turquia, Modi na Índia, o uribismo na Colômbia ou o fascismo na Itália – todos atualmente no poder. Portanto, Bolsonaro não está sozinho: é uma tendência, não uma aberração.
Em síntese, trata-se de vias distintas para gerir a colossal crise brasileira: o PT oferece a ordem na conversa, enquanto Bolsonaro propõe a ordem na porrada.
2.
Na impossibilidade de Alckmin, Meirelles ou Amoedo, qual destas vias é preferível para o capital?
Se vencer Haddad, será um problema governar. O dilema do poder será como entocar de volta a cobra do antipetismo. Como convencer aqueles que embarcaram na correria do impeachment e da prisão de Lula, a aceitar que tudo isso desemboque em Haddad?
Vencendo Bolsonaro, será um problema para os governados. Sua base entre os poderosos é frágil, sua rejeição popular é alta e sua índole, imprevisível. A questão é: quem disciplinará o disciplinador?
Haddad como Bolsonaro são respostas provisórias e necessariamente instáveis, de uma burguesia que se reorganiza.
3.
Para além do imediato, o sentido da movimentação burguesa é na direção Bolsonaro. Pois o fim da nova República também compromete os tucanos. É isso o que explica o Partido Novo – tão “novo” na política quanto é “democrata” o DEM. Expressa uma burguesia intuindo que novos tempos exigem novas respostas: é o Bolsonaro que ainda não saiu do armário.
Porque o que a classe dominante está incubando é um bolsonarismo sem Bolsonaro.
Na França, a fascista Marine le Pen se queixa daqueles que se uniram para derrotá-la no segundo turno. Por que afinal, diz uma Le Pen inconformada, elegeram alguém que implementa suas políticas, mas sem fazer alarde.
Por baixo da poeira das próximas eleições, a burguesia brasileira forja seu Macron. O cruzamento de Bolsonaro e Amoedo pode ser João Dória.
4.
Entre a derrocada do lulismo, que se configurou na rebelião de junho de 2013 e um bolsonarismo confiável, que está no forno, a burguesia brasileira se repagina. Este reordenamento se expressa na dispersão de candidatos. Como em 1989, quando começava a Nova República, a burguesia busca um caminho, mas agora para enterrá-la.
No meio tempo, especula qual o melhor esparadrapo para estancar a sangria desatada pelo golpe. Racionalmente, parece Ciro Gomes: o antipetismo se sentiria contemplado e o “ele não” respiraria aliviado.
Mas as cobras soltas pelo golpismo desafiam a razão. Qualquer governo que vier será necessariamente instável - como foi Collor.
Neste contexto, os tucanos fazem sua autocrítica: melhor teria sido deixar Dilma sangrar, do que conspirar pelo golpe e compor com Temer. Foram com muita sede ao pote, e agora estão condenados à paciência.
A burguesia e os tucanos calculam quem é mais útil para queimar e ser queimado, na expectativa de fundar sobre esta terra arrasada a nova ordem à sua semelhança.
5.
E a esquerda nisso tudo?
Paradoxalmente, revela mais dificuldade em captar a mudança. Para a direita, está claro desde junho: o tempo do neoliberalismo inclusivo se foi. Transitou-se da conciliação para a guerra de classes. É esse o pano de fundo da agonia lulista.
Que o próprio Lula não se dê conta do seu anacronismo, é esperado. Que o PSOL seja tragado por este autoengano, é uma trágica miopia. Em lugar de se diferenciar do PT tateando o novo pela esquerda, a candidatura Boulos vai na direção da simbiose, em condições cada vez mais rebaixadas.
O lulismo é uma política que navega nas águas da ordem. Neste momento, só o que pode ressuscitá-la como alternativa burguesa é o ascenso das massas. O paradoxo é que isso só acontecerá se rompidas as amarras do lulismo - como em junho. Mas quando isso ocorrer, os revoltosos perguntarão: toda essa correria para Lula-lá?
Se a cobra do antipetismo é difícil de guardar, o além do petismo será muito mais. Por isso não interessa, nem a Lula, o povo na rua.
Ambicionando uma ponte entre o petismo e a esquerda, a candidatura Boulos é constrangida pela agenda do primeiro. No processo, arrisca corroborar o sequestro da esquerda na lâmpada mágica do lulismo. Para além de suas contradições internas, esta política perdeu o lastro na história: por isso não se repetirá, senão como farsa.
O lulismo não é o antídoto ao fascismo, mas um entorpecente que dificulta a compreensão do que se passa. Só com luta escaparemos da barbárie, não com morfina.
5.
Independentemente do resultado, o vencedor desta eleição já é Bolsonaro. Porque foi quem pautou o debate. O eixo da discussão deslocou-se para a direita, insulando ainda mais o debate estrutural. Por outro lado, este pleito a esquerda já perdeu, porque nem entrou no jogo.
Para voltar à primeira divisão da política, precisará atualizar diagnóstico e estratégia. Enquanto isso, assistiremos as derrotas se acumularem, sem sequer disputar os rumos da história.
Fabio Luis Barbosa dos Santos. Professor da UNIFESP, autor de “Além do PT. A crise da esquerda brasileira em perspectiva latino-americana”.