Os ratos que saem dos porões da civilização
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- José Antônio Martins
- 06/11/2018
Chicago boy dirigirá as finanças do Brasil
As classes dominantes brasileiras e imperialistas estão em festa. Mandaram muito bem no espetáculo da democracia e da eleição encerrada na data de ontem.
Mais do que eleger o candidato com a sua cara, seu nível mental e cultural, elas conseguiram outras importantes vitórias. Efêmeras, é verdade. Mas pouco importa. Na política, muito mais que na economia, é o imediato que conta.
E exatamente neste imediato do processo que os parasitas conseguiram a grande vitória política de transformar uma eleição totalmente irrelevante para a solução dos problemas nacionais em um alucinante espetáculo de alienação da sociedade civil. Com cenas chocantes para os espíritos menos preparados para a realidade democrática.
A burguesia impôs sua agenda política a todos os partidos democráticos e demais organizações burocráticas da sociedade civil. Inclusive seus notórios colaboracionistas da esquerda, que sempre legitimam bovinamente a agenda burguesa.
Por mais de seis meses, desde a grande greve dos caminhoneiros, em maio, a luta de classes ficou abafada por imunda e inócua disputa eleitoral.
A cara do Brasil branco e burguês
Mas, no final da trama, que prometia à família burguesa pelo menos a esperança de recuperação de sua dilacerada governabilidade, a montanha pariu um rato.
O espetáculo da eleição do novo presidente da República foi na verdade uma armadilha para controlar os movimentos da classe trabalhadora, mas que ainda dará incontornáveis contrariedades para as próprias classes que a montaram.
O custo será alto para a burguesia. Seus próprios ideólogos melhor preparados confessam que o folclórico candidato vencedor da eleição para presidente da República foi uma surpresa altamente indesejável.
Um salto no escuro. Esse foi o título do editorial, no dia seguinte à eleição, de O Estado de S. Paulo, o mais tradicional e mais programático jornal brasileiro das classes dominantes imperialistas e nacionais.
Veja uma ilustrativa passagem de má consciência burguesa frente ao nascimento desse mais novo filho bastardo da democracia:
"Se há um ano alguém dissesse que Jair Bolsonaro tinha alguma chance de se eleger presidente da República, provavelmente seria ridicularizado. Até pouco tempo atrás, o ex-capitão do Exército era apenas um candidato folclórico, desses que de tempos em tempos aparecem para causar constrangimentos nas campanhas – papel cumprido mais recentemente pelo palhaço Tiririca, aquele que se elegeu dizendo que ‘pior do que está não fica’.
Pois a ‘tiriricarização’ da política atingiu seu ápice, com a escolha de um presidente da República que muitos de seus próprios eleitores consideram completamente despreparado para chefiar o governo e o Estado. O eleitor escolheu Bolsonaro sem ter a mais remota ideia do que ele fará quando estiver na cadeira presidencial. Não é um bom augúrio, justamente no momento em que o País mais precisa de clareza, competência e liderança" (editorial de O Estado de São Paulo, 29/10/2018)”
Defrontamo-nos aqui com um problema de ponto de vista de classe. Embora os ideólogos do jornal procurem esconder em seu editorial, a verdade é que o rebento Jairzinho nasceu com a cara da burguesia brasileira, seu mesmo nível mental e cultural.
De Macunaíma a Tiririca, a alma burguesa brasileira sempre será representada com muita distinção. Principalmente a sua incontrolável índole autoritária entranhada geneticamente em todas as elites cucarachas (e brancas, por supuesto) da América Latina.
Entretanto, o problema dos poucos analistas políticos sérios da burguesia, como os que escreveram o editorial do Estadão acima, é saber, neste momento, as possibilidades de sobrevivência do governo desse novo Tiririca com cara de miliciano fascistóide.
Melhor dizendo, o escroto grupo de milicianos eleito democraticamente e que ocupará o Palácio do Planalto poderá se manter na nova residência por muito tempo? Esse é o problema central da situação política.
Se o problema fosse apenas político, ideológico etc., a resposta seria sim. Imaginando – como fazem os "analistas políticos" e seus fantasiosos cenários para o novo governo – que o processo político atual fosse mera sucessão de governos, como ocorria desde 1988, esse "novo governo" poderia curtir o palácio real pelo menos até o fim do seu mandato, sem grandes rupturas institucionais.
Acontece que a realização dessa possibilidade absolutamente irreal de normalidade política depende de duas coisas solidamente materiais. A primeira é o que fará (ou não fará) esse indivíduo "completamente despreparado para chefiar o governo e o Estado", para usar a mesma avaliação do Estadão, para tirar a economia do buraco.
Bomba-relógio
O fato determinante para quem vê criteriosamente a economia brasileira é que o ministro da Economia do novo governo aplicará exatamente a mesma política econômica de austeridade dos governos Dilma/Levy e Temer/Meirelles. Uma mera e trágica continuidade.
Sem tirar nem por. Apenas, talvez, com algumas pitadas a mais de requintes de crueldade. No resto, apenas o conhecido saco de maldades já conhecido de todo mundo.
Reforma da Previdência; reforma tributária para aumentar a taxação sobre os assalariados pobres e para diminuir sobre a alta classe média e grandes fortunas; manutenção do teto de gastos correntes da União; mais cortes de gastos sociais e de infraestrutura; mais arrocho salarial no setor público e privado; mais privatizações (na verdade doações) do que ainda restam de empresas estatais como Petrobras, Caixa, Banco do Brasil etc. Esse saco de maldades não tem fim.
Entretanto, até os próprios generais que já tutelam o novo governo – começando pelo seu vice-presidente eleito pelo voto democrático e popular – já afirmaram que sua governabilidade dependerá dramaticamente da solução do problema econômico.
Concretamente falando: a economia precisa voltar a crescer bastante e o desemprego diminuir muito mais. Senão a ingovernabilidade política aumentará celeremente. E a impopularidade do novo presidente cairá em menos de doze meses para os mesmos níveis do simpático, elegante e admirado senhor Michel Temer.
É exatamente por isso que os meios de comunicação (imprensa, comentaristas econômicos, instituições econômicas imperialistas, sindicatos patronais, grandes consultorias, bancos, financeiras etc.) já aumentaram o volume de suas desafinadas bandas, da sua barulhenta torcida organizada pela recuperação da economia.
A guerra ao povo continua
A partir dos resultados da eleição recomeça a batalha midiática para propagandear que "a economia já apresenta sinais de recuperação", que "a confiança dos investidores externos está voltando" e toda aquela ladainha de bobagens que todo mundo já conhece de outros carnavais.
Tudo exatamente igual ao sangrento carnaval que fizeram no atual governo dos falastrões Temer e Meirelles. De novo teremos que travar a mesma batalha teórica e prática para demonstrar que não conseguirão tirar a economia do buraco que essa tenebrosa dupla meteu.
Nossa Crítica da Economia, com o claro, preciso e invariante ponto de vista da classe operária, já venceu essas batalhas teóricas nos dois últimos governos. Vencerá também agora.
Comprovaremos mais uma vez que os economistas dos parasitas do sistema são incapazes teórica e praticamente de recuperar a economia brasileira. Que eles vão continuar quebrando a cara ao aplicar as mesmas diretivas econômicas dos dois últimos governos. E que a economia continuará estagnada, aguardando outros acontecimentos externos para então desabar profundamente.
Não há nenhuma possibilidade de que qualquer governo garanta a governabilidade do Estado brasileiro aplicando essa inevitável e parasitária política econômica. Uma política de muita simplicidade: arrocho sobre a população trabalhadora e de "austeridade fiscal" para salvar o pagamento dos juros da dívida pública aos trinta milhões de parasitas (menos de 15% da população do país) que compõem as famílias das classes dominantes brasileiras.
Contexto externo
Como se essa barreira material à ingovernabilidade ainda fosse insuficiente, a segunda coisa também solidamente material que impedirá a hospedagem do grupo de milicianos no Palácio do Planalto por muito tempo é que a explosão dos mercados externos está mais madura do que nunca.
É aquele acontecimento externo que mencionamos acima. É por isso que, não por acaso, portanto, analisamos continuamente em nossos boletins essa situação do mercado mundial. Nos dois últimos, por exemplo.
A aproximação deste robusto choque global do capital, que deve ser o mais devastador dos últimos setenta anos, fechará a tampa do caixão do podre Estado brasileiro.
E interromperá crucialmente o esporte favorito da burguesia brasileira de continuar matando a classe operária que é empregada nas fábricas, minas e plantações, que é desempregada nas noites e noites do trágico vazio da civilização, que passa fome com seus filhos, que morrem de "balas perdidas" dos guardiões da ordem e do progresso.
A impotência das classes dominantes brasileiras para escapar à vingança da sua própria economia – exatamente neste momento em que a "tiriricarização" da política brasileira atingiu seu ápice, para repetir o conceito perfeitamente elaborado no editorial do Estadão – abrirá reais e promissoras possibilidades de que os verdadeiros revolucionários possam abandonar para sempre as ilusões democráticas burguesas, e cerrar fileira em pelotões de proletários unidos no caminho da revolução.
Resumindo o que foi escrito, transcrevemos abaixo mensagem recebida de uma jovem revolucionária, que, evidentemente, nos inspirou bastante para escrever este boletim: "Os ratos hoje estão em festa por terem armado a ratoeira... Fico só aguardando esses risos na hora em que eles caírem na própria armadilha”.
José Antonio Martins é economista e editor do site Crítica da Economia.