Lama, óleo, fogo e agrotóxico no Bolsonistão
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- Danilo Di Giorgi, Rodolfo Salm e Rogério Grassetto Teixeira da Cunha
- 20/12/2019
É bem verdade que todos os governos anteriores ao de Jair Bolsonaro foram desastrosos do ponto de vista do meio ambiente. A diferença é que, antes, sofríamos com o descaso, a negligência e o impacto de grandes obras. Hoje, porém, a própria essência da preservação é atacada como se fosse um mal em si. Toda a perspectiva ecológica é vista como uma “conspiração esquerdista”. E aqui vale qualquer ideia conspiratória maluca, de negar fatos a inverter o sentido da lógica, ao acusar o defensor ambiental de responsável pelo crime. Também vale classificar qualquer um que defenda o meio ambiente como esquerdista, petista, comunista.
A própria ideia do aquecimento global é descartada, não tanto pelo “aquecimento”, antes disso, porque tem gente no governo que até mesmo defenda que a Terra é plana. Ou seja, estamos sendo governados por um bando de loucos. Loucos e criminosos. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, nem sequer poderia estar nesse cargo porque foi condenado por crimes ambientais - fraudou mapas do estado de São Paulo para favorecer desmatadores.
Os desastres ambientais desse governo podem ser divididos em três grupos. Primeiro, aqueles cuja causa não foi de sua responsabilidade por questões temporais ou geográficas, mas que não deixam de exigir ações do governo para conter suas consequências ou evitar que voltem a acontecer. Os dois principais exemplos nessa categoria foram o rompimento da barragem de Brumadinho e o vazamento de óleo nas praias do Nordeste. O primeiro aconteceu logo nos primeiros dias do novo governo.
Definitivamente não dá para culpá-lo. Mas, ao invés de lamentar prontamente o ocorrido, comparecer ao local da tragédia, cobrar investigações independentes e, principalmente, propor mudanças na legislação e fiscalização para que esse tipo de coisa não aconteça novamente, o presidente recém-empossado simplesmente declarou que a responsabilidade pelo problema não era dele. E seguiu defendendo a mineração como saída econômica para o país, inclusive em terras indígenas, e o afrouxamento dos processos de licenciamento ambiental, algo que tende a estimular a ocorrência de novas tragédias como essa.
O caso do derramamento de óleo nas praias do Nordeste foi ainda mais grave: o governo extinguira o comitê do plano de ação com acidentes com óleo, que teria um plano para minimizar os efeitos do derramamento. Despreparado, o poder público seguiu inerte por semanas. Inerte não: seguindo sua estratégia de dizer qualquer coisa estapafúrdia, tentou culpar um navio do Greenpeace ou a Venezuela, enquanto o óleo seguia (e segue) chegando às praias, contaminando manguezais e recifes de corais. As consequências disso sobre a cadeia alimentar são nefastas, algumas imprevisíveis, e devem atingir a nós humanos e se prolongar por dezenas de anos.
A tragédia do desmatamento ilegal, do garimpo ilegal, inclusive com a invasão em terras indígenas, e da violência no campo, incluindo até o assassinato de indígenas, trabalhadores rurais sem-terra e ativistas ambientais, representa uma segunda categoria: são processos que já aconteciam antes do governo Bolsonaro, mas que agora estão sendo estimulados pela sinalização de que esses crimes seriam tolerados. O panfleto da campanha para deputado federal do hoje ministro do Meio Ambiente (pelo partido assim denominado “novo”) é bem explícito nesse sentido (veja a peça aqui).
Por isso, estes crimes cresceram muito em frequência e em intensidade. Desde antes das eleições, o candidato (então deputado) Jair Bolsonaro, sua trupe e seu exército de robôs e minions já vêm fazendo dezenas de declarações irresponsáveis ou mesmo mentirosas que incluem apoio a grupos tradicionalmente responsáveis por esses crimes, além de ataques a entidades e até mesmo órgãos governamentais de fiscalização. Um método eficiente para coibir a exploração madeireira e os garimpos em Terras Indígenas e Unidades de Conservação, por exemplo, é a destruição das máquinas flagradas em operações criminosas.
Pois o governo determinou que isso não seria mais permitido, desautorizando em abril de 2019 a atitude de agentes do Ibama que queimaram carros e equipamentos de suspeitos de um crime ambiental em Rondônia. É algo como se um ladrão pego no ato do roubo tivesse garantido o direito à posse de sua arma. Não precisa ser um gênio para vislumbrar o resultado óbvio desse tipo de atitude. Aqueles que querem perpetrar os crimes sentem-se fortalecidos, respaldados e seu sentimento de impunidade é reforçado.
No início de agosto, o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe, Ricardo Galvão, foi demitido por fazer um alerta público sobre a escalada nos desmatamentos. Meses mais tarde, foi escolhido um dos dez cientistas mais importantes do mundo em 2019. E as árvores, animais e pessoas mortas ou feridas vão se multiplicando. Jovens brigadistas reconhecidos nacionalmente como defensores da floresta e que trabalham no combate a incêndios na região de Alter do Chão (município de Santarém, PA) chegaram a ser presos como responsáveis pelos incêndios que estavam combatendo. Incêndios ao que tudo indica foram ateados por milicianos interessados na especulação imobiliária. Enquanto isso, o presidente da República acusava o ator Leonardo DiCaprio como um dos responsáveis pelos incêndios na Amazônia.
Assim, o Brasil tornou-se (novamente) motivo de piada internacional. E muita gente seguiu propagando esse tipo de mentira na internet. Questionado sobre o assassinato de lideranças indígenas Guajajara o presidente ironizou: "a Greta (Thunberg) já falou que os índios morreram porque estavam defendendo a Amazônia" (e de fato estão). E chamou a ativista, que no dia seguinte foi anunciada como a personalidade do ano pela revista Time, de "pirralha". Mais vergonha internacional.
O terceiro grupo de desastres é aquele em que o governo é o responsável direto pela degradação ambiental. Nesse caso, destaca-se a liberação indiscriminada de literalmente centenas de agrotóxicos, mais de um por dia nesse primeiro ano de governo, alguns deles proibidos em vários países desenvolvidos. Não defendemos o banimento total desses produtos, mas seu uso racional e parcimonioso. Pequenos agricultores localizados nos limites de grandes fazendas muitas vezes já não conseguem fazer seus cultivos, uma vez que estes são atingidos por veneno jogado frequentemente de avião. Contaminam-se os alimentos, os corpos d´água, o solo...
Além disso, o governo trabalha pela implementação de um pacote de grandes obras na Amazônia, incluindo estradas, pontes e hidrelétricas que terão impactos profundos sobre o futuro da floresta, bem ao estilo dos governos militares, que são a sua inspiração. A ideia é justamente sabotar uma imensa área de florestas protegidas ao norte do rio Amazonas, como se o estado de preservação dessas áreas fosse uma ameaça à nossa soberania sobre elas. Verdadeiras ameaças à soberania são o plano do governo de “desenvolver” a região Amazônica em parceria com os Estados Unidos, a entrega da mineração aurífera no rio Xingu à mineradora canadense Belo Sun, a desindustrialização nacional e a dependência econômica da exportação de commodities para a China e outros países ricos.
Com a degradação da democracia e o progresso da ignorância, da violência, da anticiência, do poder político associado ao fundamentalismo religioso, estamos caminhando a passos largos para nos tornar um "bolsonistão", com direito a bandos armados, deserto e tudo mais.
Precisamos do impeachment de Jair Bolsonaro e de Hamilton Mourão. Urgentemente. Esse governo não pode continuar até o final de 2020, ou não teremos condições de nos recuperar. Simples e direto assim. Sabemos que a desgraça é generalizada em todos os aspectos da vida nacional. Mas nos aspectos ligados ao meio ambiente a situação é ainda pior, pois as derrotas serão permanentes.
A destruição da Previdência, dos direitos trabalhistas, da CAPES, do Ministério da Cultura ou da Ancine sem dúvida são desastres. Mas dá para reconstruir com a união e esforço conjunto da sociedade. Já a degradação ambiental é permanente, pelo menos sob a dimensão temporal relevante para a humanidade. Portanto, temos a obrigação ética de pará-los.
PS: Fechado o artigo, soubemos que o Brasil, representado pelo Ministro Ricardo Salles, foi o maior empecilho para que se firmasse um acordo para a limitação das emissões de carbono na conferência do clima, na Espanha. Ou seja, não estamos apenas promovendo a nossa devastação, mas a do planeta Terra como um todo. Mais vergonha.
Danilo Di Giorgi, Rodolfo Salm e Rogério Grassetto Teixeira da Cunha
Jornalista e tradutor