O Coronavirus reforça a “máxima pressão” sobre o Irã
- Detalhes
- Luiz Eça
- 06/04/2020
Quando, em 2018, o presidente Trump retirou os EUA do acordo nuclear de 2015 com o Irã, acreditava que os europeus se retirariam com ele. Afinal, a manada sempre acompanha as decisões do líder.
Mas, homens não são animais. Homens pensam. Os povos da comunidade internacional, tendo à frente os outros signatários do acordo – Alemanha, Reino Unido, França, Rússia e China – não acompanharam The Donald.
Sabiam que o acordo era uma garantia de que o Irã não produziria armas nucleares, em favor da segurança geral.
Os EUA (apoiados por Israel e Arábia Saudita) ficaram contra o resto do mundo, alegando que o acordo dava luz verde para um programa iraniano de armas nucleares.
A verdade é que não lhes interessava a paz com o Irã, mas sua destruição, país rebelde que ousava disputar a hegemonia no Oriente Médio com os norte-americanos e seus dois parças.
Para The Donald, o acordo nuclear também protegia o Irã, permitindo que continuasse a interferir nos países da região, a fortalecer e controlar os aliados locais, além de desenvolver a capacidade militar do país xiita.
Exatamente o que os EUA vêm fazendo, daí o conflito de interesses entre os dois. Para a lógica imperial, não cabem dois galos num mesmo galinheiro.
Trump achava inaceitável essa situação, a postura audaciosa de uma nação de segunda classe não poderia continuar.
O Irã teria de renunciar a seu programa atômico, ainda que fosse pacífico, a seu programa de mísseis balístico e ao apoio a grupos militantes em outras nações.
A estratégia do governo estadunidense foi provocar uma crise econômica no Irã, tão devastadora que derrubaria o regime ou o faria pedir água.
Isso seria feito através da política de “máxima pressão”, proibindo que nações ou empresas estrangeiras investissem ou negociassem com os setores de petróleo, armamentos, transportes e bancos iranianos.
Quem não obedecesse sofreria uma duríssima sanção: não poderia manter quaisquer transações econômicas com os EUA, perdendo o acesso ao mercado americano, de longe o mais rico do mundo, e com ele porções substanciais das suas receitas.
O resultado foi que todas as empresas europeias, que planejavam ou já tinham iniciado grandes projetos no Irã, desistiram. E deixaram de participar do comércio externo de Teerã.
As importações de produtos essenciais aos iranianos e suas exportações reduziram-se ao mínimo. O pior dos danos sofridos pelo Irã foi causado às exportações petrolíferas, de longe a principal fonte de rendimentos da república islâmica.
De acordo com o Observatório de Complexidade Econômica, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o petróleo bruto era responsável por mais de 70% das exportações iranianas. Por efeito das sanções, as vendas internacionais do produto baixaram de 2,5 milhões de barris diários para menos de 500 mil.
Atualmente, a economia iraniana está na pior, tendo no ano passado encolhido 6%%, enquanto o desemprego chegou a 11,99% e a inflação a 35% (dados do FMI).
O povo já não aguenta mais as consequências desta crise: preços em constante alta, seguidos cortes no número de empregos e no valor dos salários, carências de alimentos e de outros produtos essenciais e uma situação dramática na saúde pública, pela falta de medicamentos e equipamentos importados.
A situação agravou-se consideravelmente com a chegada do Coronavirus. Como a economia encontra-se em queda livre graças às sanções, o Irã não tem como controlar a pandemia. Ainda mais porque seu sistema de saúde não estava preparado para encarar o ataque inesperado do novo vírus.
Até hoje, cerca de 35 mil pessoas foram contaminadas e os mortos já passam largamente de 3.500. Morre um iraniano a cada 10 minutos. Já é o país mais afetado no Oriente Médio e um dos maiores em termos mundiais. Sem ajuda externa, uma catástrofe humanitária parece certa.
Os Estados capazes de atender a essa necessidade dispõem de recursos limitados para se defenderem da pandemia que também os aflige. Mesmo assim, a União Europeia, a Alemanha, a China, a França e a China têm enviado medicamentos e equipamentos médicos para o Irã, embora insuficientes.
Há um jeito de o Irã aumentar amplamente seus recursos, para seu governo poder melhorar radicalmente o sistema de proteção da saúde do seu povo contra a pandemia. E salvar milhares de vidas.
Está nas mãos dos EUA e não custará um único dólar aos contribuintes: a suspensão das sanções contra o Irã, ao menos temporariamente.
Apelos por esta decisão se avolumam, como o lançado por 30 dos mais atuantes congressistas progressistas dos EUA - inclusive Bernie Sanders, Elizabeth Warren, Alexandra Ocasio-Cortez, Joaquim Castro, lhan Omar, Jim McGovern e Debbie Dingells.
Uma petição nesse sentido reuniu as assinaturas de mais de 1.100 acadêmicos norte-americanos.
Várias nações também vêm apelando a Trump, até mesmo o Reino Unido, através do seu primeiro-ministro, o populista de direita Boris Johnson.
Sem as sanções, o governo de Teerã poderia exportar seu petróleo, fazendo dinheiro suficiente para importar a imensa quantidade de equipamentos médicos e medicamentos de que carece.
Empregando o sistema InsTex, criado para permitir exportações ao Irã sem cair nas sanções, a Alemanha, a França e o Reino Unido conseguiram recentemente vender alguns dos tão desejados aparelhos e medicamentos médicos. A esse respeito, o ministro do exterior alemão afirmou que agora estas três nações e o Irã iriam aperfeiçoar o sistema para elevarem significativamente o volume das exportações para o país.
O Sistema Instex foi lançado há mais de um ano. Tendo sido rejeitado pelos EUA por ser uma ameaça à eficiência das sanções, nenhuma empresa europeia teve coragem de desafiar a ira do país da liberdade, exportando para o Irã, através do Instex. O mencionado negócio com o Irã foi o primeiro e único até agora.
Como a operação comercial das três nações europeias visava à venda de equipamentos médicos para um país assolado pela pandemia, o governo de Washington deixou passar para não ficar mais sujo com a comunidade internacional, especialmente porque o volume exportado foi relativamente pequeno.
Não sei até onde irá essa tolerância. Até agora o morador da Casa Branca não tem mostrado possuir qualquer boa vontade.
Ele resiste aos apelos da comunidade internacional. Afirma que medicamentos e equipamentos médicos estão fora da relação dos setores de importação proibida. O Irã só não os teria adquirido porque preferia gastar seu dinheiro, financiando suas interferências no Oriente Médio.
A verdade é que as empresas ocidentais não tem ousado beneficiar-se dessa “generosa” concessão. Temem contrariar as regras complexas e por vezes vagas das sanções e acabarem sendo punidos como transgressores.
Os bancos globais também se omitem. De acordo com relatório do Human Rights Watch do ano passado, as sanções impedem que as instituições financeiras internacionais possibilitem importações iranianas de remédios e equipamentos médicos.
A recente criação de um esquema para o Irã importar bens não sancionados, através da Suíça, de pouco adianta. O Estado iraniano não tem dinheiro.
É triste, mas a estratégia de “máxima pressão” do governo Trump está funcionando.
Como é do conhecimento geral, “a economia do Irã tem sido paralisada pelas sanções dos EUA, que têm também restringido sua capacidade de comprar ou acessar equipamentos médicos ou farmacêuticos nos mercados internacionais (Middle East Eye, 25-03-2020)”.
Exatamente o objetivo das sanções de Trump. Ele e seu secretário de Estado Pompeo não pretendem suspender as sanções logo agora que, com auxílio do Coronavirus, poderão por o governo iraniano a nocaute.
Mantendo as sanções, potencializadas pela ação mortífera da pandemia, os sofrimentos do povo iraniano serão multiplicados, o que provocaria revoltas de dimensões cada vez mais amplas, abalando o regime islamita.
The Donald e Pompeo parecem só ter olhos para sua ideia fixa de causar o maior estrago possível no Irã, cegos para as muitas mortes prematuras, que a fatal combinação de sanções com coronavírus causaria.
O que mais ressalta neste lamentável episódio é a insensibilidade de Trump e o secretário de Estado, Pompeo. Cegos pelo ódio, não enxergam que com sua “máxima pressão”, incrementada pelo coronavirus, estão expressando uma máxima crueldade que os associa a gente como Hitler, Stalin, Pol Pot, Pinochet, Trujillo e semelhantes.
Possivelmente, eles não sabem o que fazem. Mas não merecem perdão.
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.