Correio da Cidadania

A Corrida das Vacinas

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Há algum tempo, mais precisamente quando começou a primeira crise mundial em relação ao Novo Coronavírus, venho estudando o tema. Isto desde janeiro de 2020, quando retornei de uma breve estada na Itália, singularmente na região do Piemonte. Onde houve o início da explosão da Covid 19.

A fim de fazer esta diminuta reflexão sobre o tema, necessário se faz recapitular a história das vacinas no mundo.

Embora abordado de maneira exclusivamente técnica, não posso deixar de conjugar experiências profissionais decorrentes de quase 20 anos, trabalhando em Unidades de Terapia Intensivas (UTI) Neonatais.

E, com isto pude constatar a real importância tanto da prática médica, quanto da pesquisa científica para se produzir a ciência mais sublime, dentro da profissão que dizem ser a mais nobre. Nobre, entretanto, é o hábito de servir, de ser útil, de primar pelo coletivo, quando usada desta maneira é sim a ciência ideal.

Em meados do Século XVIII se iniciou a história das vacinas ante a descoberta da vacina contra a varíola.

Edward Jenner constatou que ao inocular secreção de alguém com a doença, a pessoa evoluiria com formas brandas e, este ser se tornaria imune.

Chamada de Cowpox – a varíola das vacas, nasceu da observação de que as pessoas que ordenhavam as vacas teriam certa imunidade contra a patologia.

A descoberta das vacinas foi a maior descoberta de Saúde Pública no mundo, e, um verdadeiro marco. O que até os dias atuais previne milhões de mortes todos os anos.

Há diferentes processos para a produção de uma vacina. A chave para o processo está na produção de anticorpos pelo hospedeiro.

O antígeno (parte integrante do vírus/bactéria em questão) será inoculado no hospedeiro, induzindo a produção de anticorpos. O corpo do hospedeiro irá reconhecer aquela porção como não-própria (“non self”) o que irá induzir uma resposta e reação contra aquele fragmento, e, no sentido de imobilizá-lo ou expulsá-lo do organismo. Resposta esta que é a produção de anticorpos.

Esta inoculação deverá ser feita com o vírus vivo, enfraquecido (atenuado), ou morto, ou até mesmo fragmentos do vírus.

No caso de porções nucleicas do vírus, tais como porções do DNA ou do RNA, estas também podem ser inoculadas no hospedeiro, são as vacinas geneticamente desenvolvidas (engenharia genética), estas causam pouco ou nenhum efeito colateral, com máxima eficácia.

Necessário lembrarmos de um retrovírus (com RNA em seu núcleo) que assombrou os anos 80, e que atualmente “parece” esquecido. Este é o vírus da Imunodeficiência Humana (AIDS).

Para que os antígenos sejam inativados ou mortos, o material viral (ou bacteriano) sofre processo térmico ou químico, o que faz por modificar as proteínas e ácidos nucleicos do vírus ou bactérias levando a sua inativação.

Insta salientar que as vacinas produzidas através de DNA ou RNA recombinante, ou seja, as geneticamente desenvolvidas, causam pouco ou nenhum efeito colateral.

Sua eficácia é máxima, ou seja, possui alto nível de imunização e produção de anticorpos.

Existem também outros ingredientes a integrar as vacinas, são os estabilizadores.

Há grupos que preconizam a não vacinação, fundados em algumas teorias, a maioria sem embasamento científico, pregando que os seres humanos não devem ser vacinados. Diante destas teorias, devemos nos recordar da chamada “Revolta das Vacinas” que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1902.

Enquanto a varíola se espalhava, parte da população simplesmente se recusava a vacinar seus filhos.

Foi quando o médico Oswaldo Cruz, então diretor de Saúde Pública preceituava que se evitassem aglomerações e preconizou a vacinação obrigatória.

O medico Andrew Wakefield, em 26 de fevereiro de 1998, realizou pesquisa preliminar com 12 crianças que foi publicada na Revista Lancet. Seu espaço amostral era restrito e o coeficiente da validade p, com significância baixa (menor que 0,05), ainda sim, seu trabalho foi publicado na Lancet.

A sua pesquisa deu origem a uma controvérsia entre o espectro do autismo e a vacinação. Relacionando uma à outra.

Houve na Europa, uma diminuição maciça da imunização, decorrente da publicação deste Trabalho, o que culminou com uma epidemia de Sarampo.
Em 2004 o Instituto de Medicina dos Estados Unidos da América constatou não existir provas que o Autismo tivesse qualquer relação com o timerosol, substância integrante da vacina e que gerou a polêmica, dando início ao antivacinismo.

Ante tudo isso o Estudo de Wakefield passou a ser considerado sem evidências científicas.

Em 2010, o Conselho Geral de Medicina do Reino Unido qualificou o médico como inapto para exercer a profissão e a Lancet se retratou.

Em nosso país, na última década houve um movimento no sentido de pais que evitam vacinar seus filhos.

Dizem haver associação entre as vacinas e algumas condições, apesar de muitos estudos comprovarem o contrário.

A Comunidade Científica como um todo, bem como a Organização Mundial de Saúde (OMS) é unânime em dizer que não há estudos que comprovem estes enganos em relação às vacinas, entretanto existem diversos trabalhos (estatisticamente significativos) que comprovam os benefícios das vacinas.

A diminuição da mortalidade infantil no Brasil se deve à vacinação e, não procedem falas do tipo: “Meu filho é saudável e não precisa vacinas.”

Ainda temos no mundo casos de pólio e sarampo, como mostra o surto na Europa.

A teoria defendida pelo movimento antivacina, que argumenta que as vacinas levam a lucros exorbitantes para as indústrias farmacêuticas também não se sustenta, uma vez que grande parcela das vacinas são feitas em laboratórios públicos, a exemplo do Instituto Butantã.

O lucro da Indústria Farmacêutica com vacinas é infinitamente menor do que com qualquer outro medicamento.

Hoje, segundo a OMS as vacinas salvam de dois à três milhões de vidas ao ano.

Antes de adentrarmos na questão da vacinação contra o Covid-19, é necessário fazermos breve síntese de algumas das fases de pesquisa que precedem a comercialização de uma vacina.

A primeira fase requer a identificação das moléculas antígenas, isto é, aquelas que serão identificadas como os estímulos externos a serem injetados no hospedeiro e que irão causar a produção de anticorpos. É uma fase destinada a se isolar os componentes responsáveis em um vírus ou bactéria.

Num segundo momento, ainda pré-clínico, há a validação em organismos vivos, a exemplo de camundongos.

Na terceira fase há um ensaio em larga escala, responsável por testar eficácia e segurança.

Em nosso país, as agências reguladoras serão as responsáveis por aprovar o produto e liberar a produção e distribuição.

A imunização de rebanho ou vacinação em massa é uma etapa mais posterior, em que a eficácia e segurança possibilitarão o controle da doença.

Corrida pela vacina

Em relação à “corrida das vacinas” no mundo todo para proteção contra uma eventual infecção pelo Novo Coronavírus, a maioria dos países da União Europeia já está a vacinar seus cidadãos. Em etapas de preferência, que nunca podem ser fundadas em critérios pessoais ou de privilégio, mas sim em taxas de infecção e mortalidade, devidamente respaldadas em estudos de equipes técnicas da Organização Mundial de Saúde (OMS).

O Reino Unido foi o primeiro país a começar a imunização, em 8 de dezembro. A vacina usada no Reino Unido é da marca Pfizer/BioNTech.

Segundo informações de Autoridades britânicas, em 16 de dezembro mais de 140 mil pessoas já tinham sido vacinadas contra a Covid-19.

Nos Estados Unidos a vacinação iniciou no dia 14 de dezembro, e a marca das vacinas é Pfizer/BioNTech e Moderna. As doses da vacina Moderna começaram a ser aplicadas em 21 de dezembro.

O presidente eleito Joe Biden já recebeu a primeira dose da vacina.

No Canadá a vacinação iniciou em dia 14 de dezembro; a marca da vacina é Pfizer/BioNTech. Uma assistente de um asilo médico na cidade de Toronto foi a primeira pessoa a receber a vacina.

O que se presa neste momento é vacinar primeiro os de maior risco de infecção e de morte pelo novo coronavírus.

Já na Suíça, uma senhora de 90 anos foi a primeira a ser vacinada contra a Covid-19.

Ela recebeu a dose da Pfizer/BioNTech no dia 23 de dezembro.

A Arábia Saudita começou a imunização também com a vacina da Pfizer/BioNTech em dia 17 de dezembro. O ministro da Saúde, Tawfiq al-Rabiah, foi uma das primeiras pessoas a receber a vacina.

Em Israel a campanha começou em 19 de dezembro. O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, recebeu a vacina da Pfizer/BioNTech. A população israelense começou a receber a vacina em 27 de dezembro.

Como podemos ver há avanços ao redor do mundo no que compete à imunização contra o novo coronavírus.

Além das vacinas que já estão sendo aplicadas, há inúmeras novas candidatas em fases finais de teste e aprovação.

Posto isso, precisamos pontuar uma questão importantíssima, desde que estamos estudando o Covid-19 podemos comprovar que se trata de um vírus que sofre progressivas mutações em seu material genético, sendo assim, as pesquisas de imunização necessitarão estar em constante revalidação, necessitando de revacinações periódicas.

E, tristemente, como pesquisadora, não vejo perspectivas de vacinação em massa, antes de julho de 2021, em nosso país.

Em suma, não podemos suspender outras medidas de prevenção contra o novo coronavírus, a exemplo do uso de máscara e distanciamento social.

Todas as medidas de prevenção devem ser utilizadas, pois se trata de um vírus altamente mutável, proporcionando um contingenciamento da transmissibilidade, devendo ser adotadas de maneira consciente e em prol de se poupar inúmeras vidas.


Melina Pecora é médica, especialista em pediatria e UTI neonatal, pesquisadora e advogada.

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