Correio da Cidadania

Onde andas, jornalismo?

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Revista Líbero | Revista Líbero, revista do Programa de Pós-Graduação em  Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, de periodicidade semestral, publica  trabalhos inéditos, de autoria individual ou coletiva, sob a forma de  artigos
Crédito: Revista Líbero

Vira e mexe alguém decreta a morte do jornalismo, e aqui entenda-se jornalismo como um fazer específico que desvela a realidade dos fatos, a partir do singular, abrindo-se para o universal. O jornalismo como a análise do dia, a análise crítica dos fatos, a descrição e a interpretação da realidade, tudo junto e misturado.

Bom, se pensarmos naquilo que se pratica nos meios comerciais de massa, pode haver alguma razão. Deveras, por ali, raramente acha-se o jornalismo. Há desinformação premeditada, há mentiras, há propaganda, mas muito pouco de jornalismo. Ainda que ele sobreviva, vez ou outra assomando em meio ao lixo, pela mão de algum jornalista raiz. É raro, mas acontece.

Nas redes sociais, é como buscar agulha no palheiro. Essas são terras sem lei, nas quais as maiores barbaridades têm morada. Cada pessoa atrás do seu computador ou do seu celular é um produtor de informação. Boa parte delas totalmente inúteis para a compreensão da realidade. Uma grande parte é formada por mentiras bem elaboradas pelos grupos políticos interessados em confundir. Quanto mais informação falsa, melhor. Um meme baseado em mentira pode alcançar visualizações virais enquanto um belo texto de reportagem tem modestas curtidas.

As redes, já sabemos, não são espaços de reflexão ou de busca de conhecimento. É só uma algaravia festiva movida pelas curtidas sistemáticas e insanas. Tudo é engano. Publica-se um textão e em menos de um segundo já temos cinco curtidas, mostrando obviamente que a pessoa curtiu automaticamente, seja por gostar de quem postou, seja por puro hábito de tocar o sinal de positivo, visando ser simpático. É, portanto, impossível confiar nesses espaços. Ali, o jornalismo não só está morto, como bem enterrado.

Também temos de procurar muito bem o jornalismo nos meios de comunicação independentes, comunitários, populares e sindicais. Nesses espaços igualmente achamos propaganda, algum engano, mas é bem mais fácil encontrar o jornalismo. Porque não são meios acossados por empresas financiadoras. Há certa autonomia para abrir os véus da realidade, mergulhando em busca da essência dos fatos. Até porque, no mais das vezes, há um compromisso político nesse fazer. Ainda assim, por falta de recursos o jornalismo acaba ficando para trás.

Também é possível achar o jornalismo em alguns blogs de jornalistas específicos ou mesmo em algumas páginas de entidades e instituições. Porque apesar da formação cada vez mais superficial, indefectivelmente ainda aparecem jornalistas capazes da reportagem, da investigação, da apuração de qualidade, da impressão e da descrição, construindo o que chamamos de verdadeiro jornalismo, que é o que desvela e desaloja.

Para usar um exemplo bem contemporâneo podemos citar o trabalho da jornalista Schirlei Alves sobre o julgamento do estuprador de Jurerê. Quem, senão o jornalismo, se debruçaria sobre as páginas do processo buscando as letras pequenas e interpretando a realidade, como a colega fez? Ou a reportagem do Fabio Bispo sobre os respiradores inúteis comprados pelo estado de Santa Catarina que abriu as gavetas da incompetência e expôs o governador-bombeiro? Ou a reportagem sobre o megavazamento dos dados feita pelo Intercept, contando o que ninguém quer que seja dito? São temas “complicados” que precisam ficar escondidos. Mas, fatalmente, serão os jornalistas da boa cepa aqueles capazes de cavoucar no lixo, expondo a miséria do poder. Isso mostra que o jornalismo segue vivinho da silva e segue sendo muito necessário. Agora, mais do que nunca, justamente por conta da selva fechada da desinformação que se multiplica como um monstro.

E é por entender isso claramente que me causa espécie ver o mundo sindical abrir mão do jornalismo. Justamente agora quando os movimentos estão fracos e a sociedade capturada pela mentira, seja essa viralizada nas redes ou a dos meios comerciais. Percebo que cada dia mais as entidades vão abrindo mão do trabalho sistemático do jornalista ou então usando esse profissional apenas como um produtor alucinado de conteúdo para as redes sociais. Que baita engano. Os jornalistas são seres que investigam, que fazem perguntas incômodas, que precisam de tempo para ler, pensar e elaborar os textos. Jornalista não é para ficar postando coisa no uatizapi ou no facebook. Isso pode ser função de outro trabalhador. Jornalista é para pensar a comunicação eficaz, para escrever reportagens, para tirar o véu do que se esconde.

Vejo que nesses tempos bicudos, quando a informação é coisa fugaz e - no mais das vezes - mentirosa, quem está na frente é a direita. Sindicatos ligados à direita chegam a ter quatro jornalistas profissionais para produzir sua comunicação. Ou seja, empregam profissionais qualificados para fazer o trabalho da mentira e do engano. Já outros que se articulam à esquerda, terceirizam a comunicação ou contratam frilas acreditando que fazer um jornal mensal, burocrático e cheio de notícias velhas pode ajudar o trabalhador a pensar sobre sua realidade. Contratar um jornalista, que atue organicamente junto à categoria é sempre uma decisão difícil. “Ah, não temos verba para isso”. Bueno, então preparem-se para perder a batalha da comunicação.

Sempre é bom lembrar a peleia travada pelo velho compa Vito Giannotti, que gastou sua vida nesse debate, sempre muito aplaudido, mas pouco seguido. Parece que ainda estamos lá atrás, nos anos 80, e parece que ainda precisamos de um profeta do jornalismo, ou seja, aquele que faz, agora, o que tem de ser feito já e no futuro. Fica realmente inacreditável pensar que o mundo sindical ainda não se deu conta do que é esse tempo. Um tempo que precisa, mais do que nunca do jornalismo. Como trabalhadora, sinto-me abandonada e impotente. Não temos ação sindical de luta e não temos sequer uma boa briga comunicacional. Obvio que não se vence o sistema só com o jornalismo. Esse é um fazer profissional e não uma bandeira de luta. Mas tendo jornalismo nas entidades dos trabalhadores, mais chances teríamos de abrir as caixas de pandora do mundo do capital.

Nunca é demais lembrar que o grande herói do nosso tempo é um jornalista: Julian Assange, que mostrou ao mundo os crimes dos EUA e que por isso amarga prisão e tortura. É por isso que eu sigo, como o velho Diógenes com sua lanterna, tentando encontrar o jornalismo. Ondes andas, jornalismo? Apareça, e que seja do nosso lado, porque aqueles que estão vendados, precisam ver.

Elaine Tavares

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC

Elaine Tavares
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