Correio da Cidadania

Os tais arranjos do poder

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Bolsonaro se cerca de ministros militares prevendo "ano difícil"

Torna-se importante entender o governo militar democraticamente eleito tendo Bolsonaro como candidato como um arranjo de poder diferente, mesmo com continuidades, em relação à polarização entre tucanos e petistas que vigorou durante 20 anos, entre 1994 e 2014.

Uma continuidade que parece evidente remete ao papel do Centrão como elemento estruturante da faceta legislativa e de tensão junto ao presidente e seu governo militar no que diz respeito à distribuição de cargos e verbas.

A eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara está longe de representar um alinhamento automático às demandas do governo Bolsonaro. O Centrão é insaciável, não vai se contentar com o Congresso, quer mais espaço no governo, muito ocupado por militares.

As continuidades param aí. O STF, tido como guardião da Constituição no caso Daniel Silveira, é o mesmo que legitimou os golpes de 1964 e de 2016, bem como o que tirou Lula das eleições de 2018, tendo como brinde os tweets de alerta do General Villas Boas. É parte do arranjo.

E qual é o novo arranjo? Militares, togados (STF a frente), Centrão, agronegócio, mercado financeiro, fundamentalismo religioso (evangélicos a frente) e mídia corporativa dando as cartas para um Bolsonaro enquadrado por esses diferentes atores a cada movimento descompassado que promove.

Bolsonaro não é uma marionete e nem todas as interações entre esses diferentes atores são ensaiados, mas é o que acontece quando o presidente continua no cargo após centenas de milhares de mortes em uma pandemia por conta de sua postura condizente com a morte, para ficar no aspecto mais grave.

De certa maneira, Bolsonaro serve a cada um desses atores tal como esses também dependem dele para se legitimarem, por exemplo: a mídia como se fosse independente, o mercado financeiro que aproveita a instabilidade, o Centrão que vê e disputa oportunidades de cargos com os militares, o STF que se cacifa para além do judiciário, as igrejas que faturam e promovem assistencialismo como nunca no vácuo do Estado.

Essa é apenas uma leitura possível que busca entender algo além das relações tipicamente estudadas pelas relações entre Legislativo, Executivo e Judiciário em uma democracia liberal, seus partidos políticos e grupos de interesse.

A grande novidade desde as eleições de 1989 é a presença marcante e ativa dos militares, um grupo pouco estudado no que diz respeito ao fazer político e atuação institucional que vem crescendo desde o envio de tropas para o Haiti ainda no período Lula, passando pelos megaeventos até chegar na intervenção federal no Rio de Janeiro em 2018.

Esse fazer político dos militares na esfera executiva é o elemento mais descontínuo das últimas três décadas e, agora, é o que fica mais em evidência. Não podemos deixar de considerar esse grupo que dá as cartas no governo Bolsonaro, achando que eles “embarcaram numa canoa furada”, como costuma propagar a mídia corporativa.

No fundo, os militares construíram a canoa da candidatura de Bolsonaro, segundo Piero Leirner desde novembro de 2014, logo depois das eleições. Nessa canoa, o presidente tem liberdade relativa, como qualquer outro teria.

Para moderá-lo, militares e STF, ao mesmo tempo em que se garantem os lucros das finanças, do agronegócio e das igrejas. Por fim, o presidente abre espaço para uma base social específica, que é chamada de bolsonarismo, seus 12% de fiéis que se mobilizam, em especial nas redes.

Resta saber se, por exemplo, com o potencial fim da Lava Jato, as sentenças contra Lula serão anuladas e esse possa se candidatar. O anúncio de Lula (de que quer) já foi feito. Seria uma concessão do novo arranjo? A que preço? Só saberemos acompanhando os lances.

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