Correio da Cidadania

Após um ano de pandemia, Brasil registra mais de uma morte por minuto

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A única maneira de lutar com a peste é com decência
Albert Camus (1913-1960), escritor

As primeiras infecções do novo coronavírus foram identificadas no final de 2019, mas somente no dia 11 de março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o mundo enfrentava uma emergência sanitária e elevou a classificação da “COrona VIrus Disease” para o nível de pandemia da covid-19. Naquela data os registros mundiais indicavam 150 mil pessoas infectadas e 4,6 mil vidas perdidas para o SARS-CoV-2. Um ano depois os montantes globais estão na casa de 118 milhões de casos e 2,6 milhões de mortes.

No território brasileiro já são mais de 11 milhões de casos e mais de 270 mil mortes. O país deve ultrapassar a Índia até o dia 12/03, assumindo o 2º lugar no ranking global tanto em número acumulado de casos quanto de mortes. O Brasil assumiu o epicentro da pandemia global no mês de março de 2021, pois, com 2,7% da população mundial, tem apresentado uma média móvel de casos e de mortes por volta de 18% do total internacional. Na atual semana o Brasil ultrapassou os números norte-americanos em termos absolutos. Nos 10 primeiros dias de março de 2021 – com 14.440 minutos (24 horas x 60 minutos x 10 dias) – foram registradas 15.714 vidas perdidas. Isto representa mais de uma morte por minuto durante todos os dias do atual mês.

Por conta desta situação dramática se diz que o Brasil é o “último pandêmico”, pois é o único dos grandes países do mundo que apresenta tendência significativa de alta da pandemia, estando na contramão da conjuntura global. No ritmo dos últimos 10 dias, o Brasil deve ultrapassar 2 milhões de casos e 50 mil mortes somente no mês de março, superando de maneira contrastante, por exemplo, com a Indonésia (país de 275 milhões de habitantes) que tem acumulado 1,4 milhões de casos e 38 mil mortes durante toda a pandemia.

Entre os 6 países mais impactados pela covid-19, o Brasil tem os maiores coeficientes diários de casos e mortes. O gráfico abaixo, do jornal Financial Times, mostra o coeficiente diário de casos (por 100 mil habitantes) entre 01/07/2020 a 08/03/2021 e o Brasil aparece com valores acima dos correspondentes nos EUA, Reino Unido, Rússia, México e Índia.

O gráfico seguinte, também do jornal Financial Times, mostra o coeficiente diário de mortes (por 100 mil) entre 01/07/2020 a 08/03/2021 e, igualmente, o Brasil aparece com valores acima dos correspondentes do México, EUA, Reino Unido, Rússia e Índia.

 

Para conter a pandemia, além das medidas conhecidas de prevenção, o mundo tem avançado no processo de imunização e já foram aplicadas (1ª e 2ª doses) 319 milhões de vacinas, sendo 93,7 milhões nos EUA, 24,4 milhões na Índia, 23,8 milhões no Reino Unido, 11,4 milhões no Brasil, 6,7 milhões na Rússia e 3,1 milhões no México. Entre os 6 países mais impactados pela pandemia, em termos percentuais, a vacinação está mais avançada no Reino Unido e nos EUA e caminhando a passos de tartaruga nos demais. Mas o atraso da vacinação é mais grave no Brasil, pois, entre os países do topo do ranking, é o único que apresenta viés de alta de casos e de mortes. Por exemplo, a média de mortes da Índia está em torno de 101 óbitos diários e a do Brasil está em 1.626 óbitos diários (16 vezes mais mortes diárias, embora o Brasil tenha uma população cerca de 7 vezes menor do que a da Índia).

 

O Brasil vive o pior momento da pandemia. Além de ser berço da variante P1, o descontrole da transmissão do vírus e a lentidão do processo de vacinação abrem espaço para o surgimento de novas cepas e mutações do SARS-CoV-2. Em consequência, o país é considerado um celeiro de novas variantes e uma ameaça ao controle da covid-19 em todo o mundo. O Brasil está se tornando um “covidário”.

Mas em meio à dramaticidade da situação, no dia 02/03, o presidente Jair Bolsonaro enviou uma comitiva de dez pessoas, chefiada pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, para Israel em busca de um spray que ele afirmou não saber o que é, mas que “parece um produto milagroso”. A despeito do despropósito e do alto custo da viagem, o melhor saldo da missão foi que a delegação brasileira foi obrigada a usar máscaras faciais em Israel e o professor Ronni Gamzu, CEO do Centro Médico Sourasky, afirmou que drogas antivirais como o spray são importantes, mas nada supera a vacinação em massa como arma contra a pandemia. Sem muitas alternativas e reconhecendo que a campanha nacional de imunização está “devagar, quase parando”, o Ministério da Saúde submeteu uma carta ao embaixador da China em Brasília (aquele que foi criticado anteriormente por membros do governo) pedindo que ele interceda junto à estatal Sinopharm para liberar 30 milhões de doses de seu imunizante.

Desta forma, a cúpula do Executivo Federal parece transitar entre o ridículo e o desespero, no instante em que o país bate tristes recordes sucessivos de casos e mortes da covid-19. Como disse o jornalista Jamil Chade, o Brasil oscila entre ser pária internacional e ameaça global.

O panorama nacional

Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil registrou 79.876 pessoas infectadas e teve o recorde absoluto de assombrosas 2.286 vidas perdidas em 24 horas. Os números acumulados chegaram a 11,2 milhões de casos e 270,7 mil mortes, com uma taxa de letalidade de 2,4%, no dia 10 de março de 2021. O gráfico abaixo mostra a distribuição do número diário de casos da covid-19 desde 01/03/2020 até 10/03/2021 e a média móvel de 7 dias. O pico da 1ª onda ocorreu em julho de 2020 com média de 46 mil casos diários. A segunda onda está em pleno avanço e a média móvel do dia 10/03 ficou em impressionantes 69,1 mil casos em 24 horas. Desta forma, o Brasil assumirá, no dia 12/03/2021, o segundo lugar no ranking global de casos, atrás apenas dos EUA.


O gráfico abaixo, mostra que o cume do número diário de óbitos da 2ª onda já é muito maior do que no pico da 1ª onda. No platô anterior, o Brasil manteve uma média de 1.001 mortes diárias nos 92 dias de junho a agosto de 2020. Nos primeiros 69 dias de 2021 ocorreram 75,7 mil mortes, com média de 1.097 óbitos diários. Mas o recorde geral ocorreu no dia 10 de março com mais de 2 mil mortes em 24 horas e uma média móvel de 7 dias de 1.626 vítimas fatais.

Neste ritmo, o Brasil vai atingir 300 mil mortes até o final de março e pode alcançar 500 mil mortes acumuladas até o mês de setembro de 2021.


O gráfico abaixo mostra os números diários de casos e de mortes da covid-19 no Brasil entre 29/03/2020 e 10/03/2021. Nota-se que todas as baixas acontecem nos fins de semana e as elevações nos dias úteis, mas as linhas (pontilhadas) do ajuste polinomial de terceiro grau apresentam uma suavização das oscilações sazonais. As curvas epidemiológicas estavam subindo no primeiro semestre de 2020 e atingiram um pico em junho e julho. Nos meses seguintes houve queda do número de casos e de mortes. Em novembro, teve início a 2ª onda e as curvas passaram a apresentar uma tendência de alta até o pico mais elevado no dia 10 de março. As projeções do ajuste polinomial indicam que os valores diários de casos e mortes devem bater novos recordes ainda mais dramáticos até meados de março de 2021.


O panorama global

No dia 10 de março de 2021, o mundo atingiu 118 milhões de pessoas infectadas e 2,6 milhões de vidas perdidas pela covid-19, com taxa de letalidade de 2,2%, segundo o site Our World in Data, com base nos dos dados da Universidade Johns Hopkins.

O gráfico abaixo, mostra o número diário de casos da covid-19 e a média móvel de 7 dias entre 01 de fevereiro de 2020 e 10 de março de 2021. Nota-se que o crescimento foi contínuo durante o ano passado, com uma aceleração em outubro até o pico de cerca de 650 mil casos em média no dia 22 de dezembro, uma pequena redução no final de dezembro e uma nova subida em janeiro de 2021 com o recorde de cerca de 740 mil casos diários em média no dia 11 de janeiro.

Mas a partir de meados de janeiro a média móvel caiu rapidamente e chegou a 360 mil casos no dia 20/02. Pela primeira vez a média global de casos foi reduzida quase pela metade. Nas últimas semanas a média de casos globais subiu ligeiramente e o aumento dos casos no Brasil contribuiu para interromper a queda mundial.

 

O gráfico abaixo, mostra o número diário de óbitos da covid-19 e a média móvel de 7 dias entre 01 de fevereiro de 2020 e 10 de março de 2021. Nota-se que a média móvel apresentou um pico de cerca de 7 mil óbitos diários no dia 15/04, uma queda nos meses seguintes até o valor perto de 5 mil óbitos em 15/10 e uma nova subida até o pico de quase 12 mil óbitos diários na véspera do Natal. Os valores caíram no final de dezembro e voltaram a subir em janeiro, quando marcou um novo pico no dia 26/01 com uma média de cerca de 14,3 mil óbitos diários. Em fevereiro os números caíram e atingiram uma média de pouco menos de 10 mil óbitos diários. Em março a média móvel continuou caindo e está um pouco acima de 8 mil óbitos diários no dia 10/03.


O gráfico abaixo mostra os números diários de casos e de mortes da covid-19 no mundo entre 01/04/2020 e 10/03/2021. Nota-se que também neste nível as baixas acontecem nos fins de semana e as elevações nos dias úteis, mas as linhas (pontilhadas) do ajuste polinomial de terceiro grau apresentam uma suavização das oscilações sazonais. A curva epidemiológica de casos subiu continuamente – mesmo que em ritmos diferenciados – durante todo o ano de 2020 e atingiu o pico em meados de janeiro de 2021. Mas desde então os números estão caindo. Já a curva epidemiológica de mortes apresentou um pico em abril de 2020, caiu nos meses seguintes e voltou a subir a partir de outubro com o pico da 2ª onda no final de janeiro de 2021. Mas em fevereiro e março os números globais de óbitos estão em queda. As projeções do ajuste polinomial indicam que os valores diários de casos e mortes, ao contrário do Brasil, apresentam tendência de diminuição no restante do mês de março.

 

O impacto da covid-19 sobre a pobreza na América Latina

A pobreza vinha caindo no mundo entre 1990 e 2015, mas interrompeu a queda no último quinquênio. Em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou os 17 pontos dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O objetivo número 1, visa a Erradicação da Pobreza, estabelecendo: “Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares até 2030”.

A América Latina e Caribe (ALC) também estava vencendo a pobreza, como mostra o gráfico abaixo, publicado em março de 2021, no relatório “Panorama Social de América Latina 2020”, pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Nota-se que 51,2% da população da região estavam em situação de pobreza em 1990 e caiu para o mínimo de 28,6% em 2013, porém, voltou a subir ligeiramente nos anos seguintes e deu um pulo para 33,7% em 2020 em função da pandemia da covid-19. A pobreza extrema estava em 15,5% em 1990 e caiu para 7,8% em 2014, mas também voltou a crescer nos anos seguintes e chegou a 12,5% em 2020.

O painel B do gráfico mostra os números absolutos e indica que o número de latino-americanos em situação de pobreza passou de 212 milhões de pessoas em 1990, para 229 milhões em 2002, caiu para o mínimo de 164 milhões de pessoas em 2012 e voltou a subir para 209 milhões em 2020. O número de latino-americanos em situação de extrema pobreza estava na casa de 60 milhões de pessoas entre 1990 a 2002 caiu para cerca de 45 milhões entre 2006 e 2014, mas voltou a subir para 78 milhões em 2020.

O impacto da pandemia é evidente, pois a pobreza e a extrema pobreza em 2020 passaram a ser maiores do que em 2010. Ou seja, a ALC teve uma década perdida na redução do número de pobres e dificilmente a região conseguirá eliminar a pobreza extrema até 2030, como estabelecido no objetivo 1 dos ODS. As medidas de auxílio emergencial são importantes no momento para aliviar os efeitos da recessão, mas, em geral, são medidas paliativas e somente o Pleno Emprego e o Trabalho Decente poderão colocar o país na trajetória do progresso e do bem-estar (Alves, 19/02/2021)

A situação do Brasil é especialmente dramática, pois teve a pior década perdida da sua história, entre 2011-20, tanto em termos econômicos, como em termos sociais na mitigação da pobreza e da fome. A pandemia da covid-19 agravou a situação. Se o Brasil sofreu muito no ano passado, tudo indica que vai ter um quadro ainda mais dramático no corrente ano, pois tendo atingido 7,7 milhões de casos e 195 mil mortes no dia 31 de dezembro de 2020, pode alcançar montantes de 2 a 3 vezes maiores até 31 de dezembro de 2021.

Não precisava ser assim. Mas erros reiterados desaguaram na maior média móvel mundial de casos e de mortes ocorrida no dia em que o mundo marcou um ano da pandemia. Os números da doença em março, se não forem rapidamente revertidos, configuram um péssimo presságio para o restante do ano de 2021 no Brasil.

José Eustáquio Diniz Alves, sociólogo, mestre em economia e doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É colunista do Portal Colabora, onde este artigo foi originalmente publicado.

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