Correio da Cidadania

Cenários em tempos turbulentos

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Bolsonaro se cerca de ministros militares prevendo "ano difícil"
Em meio à catástrofe que é termos mais de 550 mil mortos oficiais por Covid-19, estamos vivendo um momento interessante ao descobrir o que sempre foi conhecido: que os militares são corruptos e são protagonistas do governo Bolsonaro. Descortinar essa dimensão do poder constituído atual no Brasil é um ganho analítico para quem procura intervir no jogo político institucional. Evidentemente, muita coisa pode acontecer a partir desse descortinamento.

Desde acenos para um acordo, como Lula já fez via Nelson Jobim para “negar revanchismo do PT” em relação aos militares (sobre isso, sugiro: https://veja.abril.com.br/blog/thomas-traumann/o-aceno-de-lula-aos-militares/), até a “operação” de Bolsonaro, a esfriar o clima que a CPI esquentava, a se acentuar com o recesso parlamentar, tudo indica que a escalada que podia colocar o presidente em um processo de impeachment arrefeceu, “deu para trás”. Esse passo atrás nos coloca nas projeções para as eleições de 2022, que indicam agora uma potencial saída de Bolsonaro, ainda que o jogo só acabe quando termine, ou seja, em outubro de 2022.

Antes de entrar no cenário eleitoral, um passo atrás. Talvez a única chance de o impeachment voltar com força é se os deputados sentirem alguma ameaça de Bolsonaro ao processo eleitoral, que tudo indica terá o recheio de um fundo eleitoral triplicado, o que diminui tal possibilidade. Além disso, é muito difícil que se retire o piso mínimo do que ainda permite caracterizar o Brasil como uma democracia, isto é, as eleições.

No entanto, é preciso considerar que Bolsonaro pode radicalizar seu viés autoritário, sair das bravatas e ganhar um processo de impeachment ou ter o apoio dos militares para um fechamento maior do regime. Tenho dúvidas se os militares na berlinda agiriam em consonância, mas nunca se deve descartar esse primeiro flanco, anterior a 2022, em especial pela cultura política autoritária do país.

Daí, se isso não acontecer, teremos eleições em 2022. Se Lula fecha o acordo com os militares, o que temos pela frente? Primeiramente, precisa ficar claro se os mais de seis mil cargos ocupados por militares poderão voltar a ser ocupados por quem os “vitoriosos” de 2022 escolherem. Há dúvidas. Seria uma “vitória de Pirro”. Sem falar em pegar uma “terra arrasada”.

Não falo apenas de reformas (mesmo sendo difícil a aprovação da administrativa e tributária) e privatizações (como Eletrobrás e Correios), mas do esvaziamento dos instrumentos de participação (como os Conselhos que precisavam ser fortalecidos nas próprias gestões petistas) e da concentração econômica no “agro”, com o setor de serviços mais precarizado e um processo de desindustrialização em curso. A chamada “terceira via”, se vingar, passará pelo mesmo problema, com o agravante de ser abertamente neoliberal, o que pode acentuar os problemas citados.

Mas, ainda que desesperador, não podemos descartar o cenário que traz Bolsonaro reeleito. Aliás, se não quisermos isso, precisaremos trabalhar desde já. Mesmo considerando que Lula pode nos dar uma “vitória de Pirro”, essa pode estancar o processo bárbaro que estamos vivendo, acentuado pela pandemia, ainda que possa nos legar outras questões que mereçam contestação no futuro.

Porém, temos um presente catastrófico a lidar. Deixemos o futuro para ser enfrentado. E como Bolsonaro pode sair das cordas? É difícil, mas caso consiga reverter a crise econômica, acelerar a vacinação e se afastar das já recorrentes denúncias de corrupção pode reagir. Não diria que é impossível, mas é uma missão muito difícil. Enfim, alguns cenários para que possamos pensar juntos.

Marcelo Castañeda é sociólogo, professor da UFRJ e escreve no Correio da Cidadania
Twitter: celocastaneda
Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. 

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