Pesquisa dá força para o governo iraniano exigir. E agora, Joe?
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- Luiz Eça
- 26/11/2021
Ebrahim Raisi, presidente do Irã. Reprodução
Estamos a dias da reunião entre os EUA e outras grandes potências para negociar a sobrevivência do Acordo Nuclear com o Irã. Há muitas especulações sobre o resultado e suas consequências para a paz mundial.
Pesquisa sobre o pensamento dos iranianos, realizada pela Universidade de Maryland e o Iran Polls, entre 30 de agosto e 6 de setembro, fornece dados para se avaliar as perspectivas dessas negociações.
Uma análise dos resultados nos revela as posições desse povo e suas causas, como também as responsabilidades dos EUA e do Irã, no ponto crítico a que se chegou.
A primeira pergunta feita aos participantes da pesquisa foi: qual a sua opinião a respeito do Acordo Nuclear do Irã com os EUA, a China, o Reino Unido, a França, a Rússia e a Alemanha, o chamado P5+1 (hoje P4+1, depois da retirada dos EUA)? Apenas menos da metade dos respondentes declararam ter posição “fortemente” ou “um pouco” positiva. Comparado com os 75% favoráveis da pesquisa feita em 2016, verifica-se que o Acordo Nuclear não é mais maioria no país dos aiatolás, perdeu muito apoio.
Para 66%, o principal motivo é que seria “muito improvável” ou “relativamente improvável” que Biden, mesmo se voltar ao acordo, cumpra a obrigação prescrita de retirar todas as sanções aplicadas por Donald Trump, que estão destruindo a economia do país e o bem-estar do povo.
No entanto, de acordo com a pesquisa, a maioria dos iranianos mostra certo pragmatismo ao solicitar que o Irã focalizasse o fortalecimento das suas relações diplomáticas e comerciais com a Alemanha, a França, o Reino Unido e outros países europeus. Por sua vez, 54% enfatizaram as vantagens do relacionamento com países asiáticos como a Rússia e a Índia, e especialmente com a China, conforme 57% dos respondentes.
É fácil entender o porquê dessas opiniões. As potências europeias signatárias do Acordo Nuclear censuraram Trump por sua retirada e têm procurado, embora ineficazmente, negociar com o Irã, sem burlar as proibições das sanções. E a China é o único país que desafia os EUA, ignorando as sanções norte-americanas ao se firmar como o maior importador de petróleo iraniano, com 500 mil toneladas diárias (US News,12/11/2021).
A amizade Irã-China foi ratificada por um recente acordo estratégico entre os dois países. E se espera ainda pesados investimentos na infraestrutura iraniana, programados pela Nova Rota da Seda, iniciativa do presidente Xi.
Certamente devido às suas sanções e múltiplas ameaças e acusações contra o Irã, os EUA, de acordo com a pesquisa, são vistos de forma desfavorável por 85% dos iranianos. Entre outras nações, a Arábia Saudita é a única que sai mais criticada, com 89% de opiniões negativas.
Histórico negativo
A inimizade com os EUA vem desde um golpe de Estado, organizado pela CIA, que derrubou o regime democrático iraniano, em 1953, implantando uma ditadura, tendo como chefe o xá Reza Palevi. Em 1979, o xá foi apeado do poder por uma revolução que instituiu a república islâmica iraniana.
Depois de perder o trono, o monarca refugiou-se nos EUA que se recusaram a deportá-lo para o Irã, alegando razões humanitárias: ele estava em tratamento médico no país.
Os agravos entre as partes se sucederam: no governo do democrata Jimmy Carter, estudantes iranianos, com o pouco discreto patrocínio oficial, invadiram a embaixada norte-americana em Teerã, fazendo 54 pessoas de reféns. Na guerra do Irã versus o Iraque de Saddam Hussein (1980-1988), o presidente Ronald Reagan apoiou com armamentos e logística as forças de Saddam. Em 2015, sob pressão de potências europeias e dos EUA, liderados pelo presidente Obama, o Irã aceitou um acordo comprometendo-se a não produzir bombas nucleares durante 10 anos e continuar a se submeter às diretrizes da Agência Internacional de Energia Atômica nos anos a seguir. Finalmente, em 2017, o presidente Trump lançou as sanções, que impedem estrangeiros de investirem no Irã, importarem seus produtos, especialmente o petróleo (a maior fonte de recursos do país), exportarem medicamentos, armas e outros produtos essenciais, além de bloquear as transações bancárias internacionais do Irã.
O objetivo era destruir a economia iraniana, gerando pobreza, desemprego, inflação e grandes aumentos de preços, que levariam o povo se revoltar contra o regime e as autoridades.
The Donald fracassou. É certo que houve grandes manifestações em 2019, violentamente reprimidas pela polícia, mas os iranianos, em maioria, admitem que a economia vai mal (74%), porém, quase metade atribui a culpa a fatores externos, especialmente às sanções estadunidenses.
Não se verificaram evidências generalizadas de descontentamento em relação ao regime e às autoridades, sendo que, para os entrevistados, o país não estaria à beira de um colapso.
Uma grande maioria – entre 70% e 80% – declarou que sentia “alguma” ou “muita confiança” no presidente, no parlamento e no poder judiciário, sendo que 83% manifestaram-se satisfeitos com a polícia e os militares.
Estes resultados mostram que os EUA e seus parceiros Israel e Arábia Saudita estão enfrentando não um regime ou um presidente, mas a nação iraniana, como um todo, decidida a enfrentar as injustas e cruéis ações criadas por Trump.
Respaldo popular
Tendo vencido vários desafios em sua história recente, a maioria dos habitantes do Irã apresenta uma atitude otimista diante do futuro: 54% dizem que, daqui a 3 anos, o povo terá uma vida melhor.
Inicialmente, o povo iraniano confiara em que Biden seria um presidente justo, que cumpriria sua promessa de cancelar as sanções de Trump e levar os EUA de volta ao Acordo Nuclear com o Irã.
Seria o fim dos graves problemas causados pelas sanções e ameaças do governo de The Donald que haviam fortalecido o já existente antiamericanismo.
Tremenda decepção! Biden ignorou o que prometera várias vezes na sua campanha eleitoral a presidente, com a ridícula desculpa de que só agiria se, inicialmente o Irã retroagisse seu crescente enriquecimento do urânio aos níveis definidos pelo acordo nuclear.
Evidentemente, era Washington que deveria voltar primeiro ao acordo, pois fora Tio Sam quem começara a crise, com a cartada de Trump.
Na verdade, a exigência de Biden fora um mero pretexto para forçar negociações cujo real objetivo era apresentar novas exigências: o fim das ações político-militares iranianas nos países próximos, cancelamento do seu avançado programa de mísseis balísticos e o aumento do prazo de vigência, aliadas ao aprofundamento do Acordo Nuclear.
Teerã respondeu negativamente. Seu intervencionismo externo seria meramente defensivo.
Quanto ao programa de mísseis balísticos, era essencial ao país já que se trata do único recurso militar forte o suficiente para enfrentar o exército, a marinha e a aviação israelense, claramente superiores, posição, aliás, defendida por 70% dos respondentes, sendo que outros 20% se disseram parcialmente favoráveis.
Os iranianos ouvidos pela pesquisa revelaram porque consideravam os EUA o maior inimigo do seu país. As sanções de Trump são, claro, o fator principal dessa primazia. Há alguns outros fatos indicativos do grau de hostilidade em relação aos EUA: 76% acreditam que Biden fora avisado por Israel de que iria bombardear as instalações nucleares de Natanz. A atitude possivelmente tomada por ele foi abrir champagne para celebrar. O assassinato do cientista nuclear Mohsen Fakhrizadeh, reconhecidamente por agentes do Mossad, teria também sido cometido com o conhecimento e o nihil obstat de Washington.
Caso os EUA intervissem contra esses atos totalmente ilegais, Israel sairia praguejando, mas teria de obedecer.
Parece óbvio que Biden se posiciona ao lado de Israel nas trincheiras dos conflitos do regime sionista com o Irã.
Enquanto políticos e generais do regime sionista alardeavam muitas vezes que seu exército estava pronto para bombardear o território iraniano, só à espera da ordem do seu governo, Biden e o secretário de Estado Blinken faziam coro com o presidente Neftali Bennett, entoando ameaças mortais contra o Irã.
Enquanto Bennett jurava que atacaria seu inimigo para evitar que Teerã produzisse armas nucleares, a dupla Biden-Blinken anunciava vezes sem conta o já sovado mantra “todas as opções estão sobre a mesa”, caso as presentes negociações falhassem.
Irã se move adiante
Revela o Responsbile Statecraftde 20/10/21 que, em maio deste ano, os negociadores iranianos exigiram que os EUA garantissem que jamais sairiam novamente do Acordo Nuclear, voltando a aplicar as odiadas sanções.
Como era lógico, os estadunidenses responderam que isso era impossível, não podiam forçar os próximos governos dos EUA a aceitar, caso fossem republicanos ou democratas conservadores.
Dizem fontes do Responsible Statecraft (diplomatas do Ocidente e do Irã), que o governo de Teerã entendeu a objeção e reduziu sua exigência: bastava que Biden se comprometesse a permanecer fiel ao acordo durante seu governo.
Satisfeitos, os enviados de Washington voltaram aos EUA com a nova posição. Para surpresa geral, Biden disse não. E sugeriu uma contraproposta inaceitável, muito longe de atender às garantias buscadas por Teerã.
Foi uma decisão inesperada e chocante, que deixou o povo do Irã indignado. Num tal nível que, segundo a pesquisa, Biden passou a ser apenas 3 pontos menos criticado do que Trump, este, sem dúvida, o maior algoz dos iranianos, com as sanções da sua chamada “máxima pressão”.
Cinquenta e dois por cento dos iranianos ouvidos acham que o país deve manter firme sua demanda, confiando nos aliados europeus dos EUA para persuadi-los a aceitar a nova posição do governo xiita. Apenas 27% parecem estar cedendo, ao pedirem flexibilidade às duas partes.
Devido em grande parte à inesperada negativa de Biden, metade das pessoas consultadas na pesquisa não acreditam em um final feliz das negociações.
Apesar desta opinião pessimista, nada menos do que 83% ainda expressam apoio à continuação dos esforços diplomáticos para, pelo menos, suavizar as tensões regionais, com os países do Golfo Pérsico.
Seja como for, o governo islâmico tem deixado clara a importância-chave que atribui à garantia, o que ficou evidenciado quando, numa reunião com Enrique Mora, líder dos negociadores europeus, autoridades iranianas levantaram a questão 5 vezes.
Diplomatas europeus admitem que a facilidade com que os EUA podem sair do acordo é uma “preocupação séria e legítima “do governo de Teerã. Os investimentos esperados no país, depois da uma eventual volta norte-americana ao acordo, só aconteceria se os empresários ocidentais se sentissem confiantes de que não haveria mais novas sanções, que os forçasse a abandonar o Irã. Eles não se arriscariam, a não ser que houvesse uma garantia firme e expressa de Washington de que o Acordo Nuclear com o Irã prosseguiria vivo durante muito tempo.
Um jornal ligado ao governo iraniano foi taxativo: “a decisão de Biden quanto ao oferecimento dessa garantia determinará o desfecho da próxima rodada das conversações (Tehran Times, 29/10/21)”, que está marcada para 29 de novembro.
É a voz do novo presidente, Raisi. Os respondentes da pesquisa demonstraram amplo e crescente apoio ao recém-eleito. Nas eleições anteriores, onde Raisi se classificou em terceiro, apenas 28% dos iranianos declararam-se a seu favor, agora esse número subiu em mais 50%, atingindo a marca de 78% pró-governo.
Rouhani, o presidente anterior, derrotou Raisi em 2017, prometendo a liberalização do regime, com suavização das leis, respeito às liberdades fundamentais e abertura em relação ao Ocidente, especialmente aos EUA. No governo dele, seus planos foram sabotados, de um lado pelo clero, o judiciário e o parlamento, dominados por um conservadorismo linha dura, e do outro pelos EUA, que não se tocaram com as posições amigáveis do governo Rouhani, mantendo-se inimigos jurados do Irã.
Como Rouhani não conseguiu nem modernizar o país, nem derrubar as devastadoras sanções, o povo virou-se a favor dos conservadores, que prometiam uma postura radical diante dos EUA.
O preço das más decisões
Biden já se posicionou contra uma guerra, a solução do problema nuclear teria de ser via diplomacia. Sua belicosidade anti-Irã seria apenas verbal, para agradar a Israel e aos bilionários judeus norte-americanos que rezam pela cartilha israelense e financiam o Partido Democrata.
Ele está arriscando em demasia seu objetivo real, quando exagera na sua postura ameaçadora. Veja até onde ele chegou: atendendo a pedidos do governo israelense, os EUA lhes forneceram os bombardeiros supersônicos B-1B. Essas poderosas aeronaves podem transportar bombas “bunkerbuster” (Israel já recebeu um bom estoque delas), capazes de romper as maciças paredes fortificadas das instalações nucleares do Irã, reduzindo-as a cinzas (Middle East Eye,4/11/2021).
É estranho o governo Biden, que deseja a paz, estar armando Israel, que deseja a guerra, suprindo-o dos meios para poder vibrar um golpe devastador nos programas nuclear e de mísseis balísticos do Irã. Sem seus únicos armamentos capazes de defendê-lo, o que restaria ao Irã além de se render? Somente chamar para lutar a seu lado o Hamas, o Hizbollah, talvez também o Líbano, o Iraque e o Paquistão. Quem sabe a China e a Rússia, provavelmente atuando como bombeiros.
Se quisesse mesmo resolver a questão, Biden aproveitaria os últimos meses de governo do moderado Rouhani para que se conseguisse um acordo, com concessões mútuas, tais como o prolongamento da vigência do Acordo Nuclear; garantia de permanência dos EUA no acordo durante o tempo em que Biden governasse; discussão em reunião futura da intervenção iraniana em países vizinhos; manutenção de algumas das sanções pós-2017, que não lesassem a economia do Irã e o bem estar do seu povo; devolução dos 120 bilhões de dólares iranianos retidos em bancos norte-americanos, europeus e asiáticos.
Apostando que o povo iraniano não aguentaria muito mais tempo os efeitos das sanções, ou seja- as agruras da fome, do desemprego e da falta de remédios, e se revoltaria, Biden preferiu ser duro com Rouhani. Acreditava que Raisi, o provável presidente a ser eleito, linha dura ou não, acabaria por se conformar com a situação precária do seu país e topar tudo que os EUA (e Israel) punham sobre a mesa para ele assinar.
Essa visão não passa de wishful thinking, confunde os desejos do presidente americano com a realidade. Está pintando que as coisas serão diferentes.
Veja o que publicou em 19 de novembro o Entelkhab.ir, site ligado ao governo iraniano: “Bagheri vai requerer que Washington suspenda todas as sanções impostas, pague compensações pelos danos que as sanções de Trump infligiram ao Irã, garantir que as futuras administrações dos EUA não apliquem as sanções outra vez. Bagheri também vai declarar que o Irã se recusa a negociar seu programa de mísseis e sua política no exterior e, antes de o Irã retornar a suas obrigações com o Acordo Nuclear, ele precisa poder exportar seu petróleo e receber seus lucros”.
É muito mais do que Biden esperava conceder. Se ele concordar com parte substancial dessas exigências, vai enfurecer os conservadores republicanos e democratas, com quem conta para ter vida razoável no Congresso. E Israel se sentirá à vontade para lançar sua blitz, já planejada para tentar vulnerar de uma só vez os programas nuclear e de mísseis balísticos do Irã.
Se bater o pé, vetando a maioria das reivindicações do governo Raisi, o Acordo Nuclear com o Irã subirá no telhado e os radicais de Teerã provavelmente acelerarão a produção de armas nucleares, dando pretextos para Bennett lançar um ataque em massa, pedindo o apoio militar de Washington, com a citação do célebre “todas as opções estão na mesa”, para pegar Biden pela palavra.
Qualquer um desses cenários tem carradas de chances de se desenhar. O que causaria fortíssimas dores de cabeça ao presidente dos EUA, pois em qualquer deles os EUA entrariam numa guerra, rejeitada liminarmente pelo povo americano, justamente quando cai o apoio popular a Biden, aumentando a euforia dos republicanos, que anteveem vitória nas eleições de meio de mandato.
Nesse caso, segundo os analistas, a oposição ganharia o controle de uma das casas do Congresso, talvez das duas, e Biden teria de negociar para poder justificar sua estada na Casa Branca.
E agora, Joe?
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.