Crise em SP expõe caos na entrega da Saúde às OSs
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- Gabriel Brito, Outra Saúde
- 30/08/2022
Foto: Gabriel Brito / Outra Saúde
“A rescisão era pra ter sido paga no dia 10/8, mas ainda não vimos um centavo, nem sequer temos o cálculo rescisório em mãos. E ficamos aqui nos humilhando, implorando, deixando a nossa dignidade de lado para pleitear o que é nosso por direito”. A técnica de engenharia Denise Ramos era uma das 150 pessoas indignadas que protestavam ontem (24/8) diante da secretaria municipal de Saúde de São Paulo. Trabalhadora do Hospital da Brasilândia Adib Jatene, que atende a uma área precária da periferia norte da cidade, ela é vítima de uma sequência de desmandos que atingiu – sob gestão da OS Iabas – a população e os trabalhadores da Saúde ligados ao equipamento. Apesar dos sinais claros de irregularidades, a prefeitura não agiu – e agora parece ignorar os atos de desrespeito à dignidade trabalhista cometidos pela nova OS gestora. O caso mostra até que ponto a terceirização dos serviços de Saúde pode atingir a população e alienar o poder público.
Atuante em diversos estados brasileiros e detentor de múltiplos contratos com a prefeitura paulistana, o Iabas está envolvido, há vários anos, em atos ilícitos. Um deles teve repercussão nacional: as falcatruas na construção dos hospitais de campanha do Rio, que levaram, em abril de 2021, à cassação do então governador Wilson Witzel. Os malfeitos eram visíveis também em SP. Ainda sob a gestão do prefeito Bruno Covas, a CPI das quarteirizações, instalada na Assembleia Legislativa, acusou a OS de desviar recursos recebidos para gerir o Hospital de Campanha do Anhembi, praticando fraudes fiscais, trabalhistas e previdenciárias.
Sob pressão do Ministério Público, a prefeitura desfez alguns dos contratos. Mas não foi sensível às dores da população da Brasilândia. Iniciada na gestão do prefeito Fernando Haddad, a construção do Hospital Adib Jatene ficou parada por quase quatro anos. Foi retomada por Bruno Covas em meio a sua tentativa de reeleger-se, em 2020. Como a inauguração se deu em meio à pandemia, o equipamento foi destinado exclusivamente ao atendimento dos casos da doença. A Brasilândia chegou a ser o distrito de maior mortalidade pelo coronavírus na capital paulista.
Quando a curva de infecções e internações baixou, a população passou a reivindicar que o hospital assumisse os atendimentos normais. Acomodado numa situação em que recebia para socorrer uma quantidade de pessoas que já não entrava no hospital, o Iabas manteve-se apenas como centro de referência de covid, o pulo do gato para embolsar o que a prefeitura lhe pagava sem despender com serviços em saúde.
“O hospital chegou a trabalhar com trinta pacientes. Então, a população começou a cair em cima pedindo para que voltasse a ser hospital geral – com razão, porque ela precisa e o hospital tem capacidade para 400 leitos”, explicou a nutricionista Marina Vrissis, que foi demitida e também esteve presente no protesto diante da Secretaria Municipal de Saúde em 23/8.
Foram 89 milhões de reais pagos ao Iabas somente nos primeiros quatro meses de 2022, conforme audiência pública com a secretaria municipal de Saúde atestou. Ao menos R$ 2,5 milhões usados pela empresa para custear serviços advocatícios no Rio de Janeiro, onde tenta se defender dos escândalos.
As demissões dos 1.360 trabalhadores vieram do nada, no início de agosto. Muitos ficaram sabendo pela internet, conta o Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo – SEESP. Ao tentarem se comunicar com o hospital, receberam a mensagem: Ops, funcionário desligado em 01/08/22. Acesso não permitido. Só então foram informados de que, duas semanas antes, a prefeitura rompera o contrato com o Iapas mas contratara uma nova OS para gerir o Adib Jatene: a Associação Saúde em Movimento (ASM). O desrespeito continua. A ASM está oferecendo, aos demitidos, os mesmos cargos – porém, com salários inferiores.
O atraso no próprio pagamento das rescisões motivou o protesto de ontem. Os trabalhadores reivindicam que a prefeitura honre os compromissos de sua antiga contratada. “Realmente pagam pouco, nós recebemos a proposta e alguns aceitaram; eu fui uma das que aceitou. São muitos pais de família que só têm esse emprego, têm contas a pagar. Então, a gente acaba aceitando um salário mais baixo”, contou a técnica de engenharia Denise Ramos. Cerca de 400 trabalhadores foram levados a fazer o mesmo.
Outra Saúde apurou que as propostas de readmissão da ASM reduzem os salários em até 50%. Juridicamente, OS são organizações privadas sem fins lucrativos. Na prática, parece impossível crer nessa premissa.
Gabriel Brito é editor do Correio da Cidadania e jornalista do Outra Saúde, onde a matéria foi originalmente publicada.