Correio da Cidadania

Um passado que não passa e continua a nos assombrar

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Foto: Hitler e Mussolini


No passado remoto, os primeiros da estirpe autoritária decididos a controlar territórios e populações impuseram as suas decisões de vida e morte nas regiões sob o seu controle. Outros da mesma linhagem lhes seguiram ao longo dos séculos e, continuamente, fizeram jorrar suor, sangue e lágrimas. No século passado, os caminhos impostos por gente desse naipe, entre os quais ganharam proeminência Adolf Hitler e Benito Mussolini, levaram-nos a uma Segunda Guerra Mundial, que ceifou a vida de mais de 50 milhões de pessoas. O preconceito, o racismo e a violência regeram os mecanismos de destruição em escala sem precedentes. A expressão mais cruel dessa brutalidade foi o extermínio de cerca de seis milhões de judeus. A barbárie (sem qualquer ofensa aos chamados povos bárbaros) foi de tal magnitude que os sobreviventes da hecatombe global juraram nunca mais permitir a repetição daquela tragédia.

No entanto, a tarefa não era fácil, pois, mesmo no coração da Europa, considerada tão “civilizada”, homens e mulheres de quase todos os tipos haviam se comprometido com os projetos fascistas que subjugaram e destroçaram as democracias. Naquele percurso, incontáveis “pessoas de bem” atuaram como peças na colossal máquina de dizimação em massa, colocada em movimento pelo ex-cabo Adolf Hitler e por seus fanáticos seguidores.

Essas “pessoas de bem” sujaram as suas mãos com o sangue de vítimas inocentes, pois foram convencidas de que elas eram uma ameaça ao seu modo de vida. Esse convencimento deu-se por intermédio da repetição infinita de mentiras que, a princípio, pareciam puro “nonsense”. No entanto, após contínua recorrência, foram aceitas, naturalizadas, multiplicadas e expandidas de tal modo que aquelas sociedades foram tragadas e consumidas por dentro.

Quem, ao final do século 19 ou no início do 20, imaginaria que a Alemanha, com a sua vigorosa cultura e o seu pujante desenvolvimento científico e tecnológico, pudesse culminar na tragédia nazista consumada entre 1933 e 1945? Com a derrota de Hitler, de outros ditadores e dos seus seguidores, todo aquele autoritarismo parecia morto e sepultado. Infelizmente, não foi bem assim.

Desde a década de 1980, assistimos à gradual ressurgência de movimentos de extrema direita. Muitos deles estavam contidos na superfície, mas profundamente enraizados nos subterrâneos mais perversos das sociedades contemporâneas. De lá para cá, esses movimentos foram irrigados com dinheiro sórdido, proveniente de vias difusas e dissimuladas, com o objetivo de alavancar interesses inconfessáveis. Com o advento das redes sociais, espraiaram-se e ganharam voz, vulto e visibilidade, ao atrair multidões de tolos, que reproduzem absurdos negados pela ciência e por todo o conhecimento consolidado.

As novas lideranças de perfil fascista trataram de impor esses contrassensos aos seus seguidores espalhados pelas redes e pelas ruas. Muitos aderiram por meio de uma servidão voluntária. Outros foram sem muito convencimento, um pouco a seguir a onda, mas foram, mesmo sem saber ao certo para onde iam. Muitos desses novos profetas do apocalipse autoproclamaram-se defensores da família, da pátria e da religião. Os que resistiam e questionavam os novos dogmas só podiam ser os suspeitos e os culpados de sempre: os terríveis esquerdistas.

Nesse contexto, presenciamos a ascensão de líderes que tinham (e ainda têm) como propósito destruir os alicerces das sociedades democráticas. A democracia venceu algumas batalhas, mas a guerra ainda está longe de acabar. Organizações da extrema direita contemporânea, reforçadas pelos algoritmos das redes, que lhes dão visibilidade e expandem a violência, estão a nos encaminhar para o abismo do conflito civil. Apenas para ficar em dois exemplos, a negação dos resultados eleitorais pelos seguidores de Trump e do ex-capitão Bolsonaro alertam que um autoritarismo revigorado está a corroer as nossas democracias e a colocar em risco a própria humanidade.

O que acontecerá? Bom, isso dependerá de você, de mim e de toda a coletividade. Nossas escolhas serão fundamentais para definirmos se retomamos o caminho da democracia, com todas as suas imperfeições, os seus limites e os seus problemas, ou se repetimos e ampliamos a colossal tragédia imposta ao mundo pelo nazismo e por outros regimes fascistas.

Sidnei José Munhoz é historiador e autor do livro Guerra Fria, história e historiografia.
Publicado originalmente em Tá por dentro.


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