Correio da Cidadania

Argentina: perguntas de difíceis respostas

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Povo argentino reage à brutalidade do neoliberalismo de Milei - Diálogos do  Sul

Ao se aproximar o aniversário de seis meses do governo de Javier Milei, há mais dúvidas que certezas sobre os principais temas em debate no país. Há alguns consensos sobre a figura do presidente e algumas de suas políticas, embora ninguém arrisque uma previsão sobre a consistência ou a duração dessas convergências. Um deles é que Milei prefere ser um profeta – ou um “vendedor de poções mágicas” – da extrema direita mundial a ser um presidente voltado para liderança política e a busca de apoio às leis enviadas por seus ministros ao Congresso. Outros que sua política econômica recessiva está conseguindo baixar a inflação, ainda que a um custo social enorme; e que os eleitores têm cultivado certa tolerância em relação ao presidente-cantor e ao presidente-profeta, em meio ao vazio político que, até aqui, tem jogado a seu favor.

Estudantes de Ciência Política aprendem com seus professores que não há vazio em política, porém, para o jornalista Joaquín Morales Solá (La Nación, 19/5/2024), talvez a Argentina seja um exemplo de anomalía histórica, pois Milei atua no vazio, com diversos setores de oposição acuados em suas próprias mazelas. O peronismo kirchnerista não consegue indicar algum caminho diferente daqueles indicados pelo sindicalismo e centrais sindicais. Governadores e prefeitos do peronismo não-kirchnerista se limitam a evitar retaliações e a manter seus cargos. O radicalismo, que há anos vem em um processo de esvaziamento, não consegue articular antigas bases sociais e empresariais. Macri e seu partido, o Pro, convergem com muitas ideais e propostas do governo de Milei, mas não conseguem superar as contradições, reais ou aparentes, como o controle do câmbio por meio de regulamentações ou a tentativa de disciplinar empresas do setor da saúde que exageram nos preços de seus planos. Enfim, Milei atua com desenvoltura neste espaço, sem precisar se apresentar como liderança política confiável.

A esperança na continuidade da queda da inflação, no avanço de reformas estruturais e na retomada do crescimento sustentam a popularidade de Milei. Pesquisas junto aos eleitores indicam que o presidente argentino com o apoio de 52 ou 53%, embora tenha perdido popularidade no conurbano bonaerense, uma das regiões politicamente mais “sensíveis” do país e de forte presença kirchnerista. Não há dúvida de que a política econômica agravou a situação do país, em forte recessão, queda acentuada do consumo, desemprego em alta, inflação ainda elevada e grandes dúvidas sobre o câmbio. Para Jorge Fernández Díaz (La Nación, 26/5/2024), a questão principal é saber se a Argentina está diante de um gênio ou de um vigarista saído do filme Nove Rainhas.

Na área internacional, tem prevalecido o vendedor de “tónicos mágicos”, o general Ancap (o super-herói anarcocapitalista), o paleolibertario, o tiranosaurio pop, ao menos para Fernández Díaz. Na viagem presidencial à Espanha, em meados de maio, Milei saiu mais uma vez do papel esperado de um presidente eleito para vestir a fantasia da extrema direita, se congratulando com lideranças como Santiago Abascal, líder o partido Vox, com Viktor Orban e Marine Le Pen. A sociedade e o eleitorado argentino parecem não dar importância ao histrionismo presidencial, farta que estava de uma situação que, ao menos até agora, lhe parece menos auspiciosa ou mais desastrosa que o presente.

Mas há que se ponderar que o pragmatismo, seja em governos à direita ou à esquerda do espectro político, costuma ser melhor conselheiro que a ideologia. Por mais que a chanceler Diana Mondino siga os passos de Milei para contornar situações, desfazer equívocos ou desdizê-lo, enfim, afirmar seu compromisso com a “normalidade” diplomática, o que pesa muitas vezes nos meios de comunicação e na esfera política são os “grandes atos”, a “lacração”, o discurso grandiloquente, a política como espetáculo.

Quais, portanto, as perguntas sugeridas no título? Entre muitas possibilidades, algumas delas já tangenciadas acima, formulamos as seguintes: a) por que Milei, ao ocupar este vazio, negando em alguma medida a ideia da “anomalia histórica”, não se dedica diuturnamente à construção de um consenso político capaz de garantir a governabilidade e, consequentemente, dar maior legitimidade ao seu próprio governo?

b) como podemos compreender a persistência do apoio popular a Milei, tendo suas políticas agravado a pobreza, a desigualdade, o desemprego e sendo a promessa de retomada do crescimento/desenvolvimento algo que ainda não se vislumbra no horizonte do país?

c) por que manter no exterior o ativismo próprio da extrema direita, o discurso ofensivo até com países dos quais a Argentina necessita para sua estabilização econômica, a exemplo da Espanha?

Como eventual leitor(a) já compreendeu nos parágrafos iniciais, não temos respostas. Mas essas perguntas talvez sejam um bom ponto de partida.

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