Correio da Cidadania

O novo governo do México e o dilema energético da América Latina

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Claudia Sheinbaum assume presidência no México | Internacional
Entre plataformas petrolíferas, torres eólicas e usinas solares, os países latino-americanos — ricos em petróleo, como Equador, Brasil, Venezuela e México — enfrentam o impasse e a pressão de desvincular suas economias dessa exportação. Além do petróleo, entram em cena outros recursos estratégicos, como o lítio no “triângulo do lítio” (Argentina, Chile e Bolívia) e as terras raras, das quais o Brasil detém uma das maiores reservas globais, sem falar no cobre chileno. Todos esses países estão presos ao mesmo dilema: continuar explorando suas reservas petrolíferas na contramão da lógica ambiental global, tentar industrializar suas matérias-primas estratégicas por meio da anunciada “industrialização verde”, adensando suas cadeias, ou simplesmente exportá-las em troca de quase nada.

Nesse contexto, voltei meus olhos para o México, especialmente para as recentes eleições presidenciais de um país que tem o petróleo gravado em sua história. A relação do México com sua estatal Pemex (Petróleos Mexicanos) é emblemática — como nos conta Daniel Yergin em seu livro O Novo Mapa: Energia, Clima e o Conflito entre Nações. Desde sua nacionalização, a indústria petrolífera se tornou um monopólio estatal, com a Pemex controlando tudo, desde a perfuração dos poços até os postos de gasolina. O México já foi um gigante do petróleo, com receitas que, no auge, representavam entre 30% e 40% do orçamento nacional. Mas, como todo país que depende demais de uma única fonte, nos últimos anos, a Pemex viu seu endividamento crescer e sua produção diminuir, enquanto se preocupa com os impactos das mudanças climáticas sobre suas oportunidades de investimento. Isso porque muitos bancos e fundos de investimento estão abandonando os combustíveis fósseis; para contornar essa situação, a Pemex apresentou, neste ano, e com certo atraso, sua primeira estratégia ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa), comprometendo-se a zerar suas emissões até 2050.

Sabendo que o México não consegue prescindir do petróleo, o presidente Andrés Manuel López Obrador fez várias reformas para tentar livrar o país das importações de gás natural dos Estados Unidos. Desde 2018, López Obrador vinha tentando reverter a reforma energética de 2013 que encerrou o monopólio da Pemex abrindo o setor para iniciativas privadas. Embora enxergue o petróleo como o motor do “progresso dos povos”, em 2022 López Obrador também lançou o Plano Sonora, propondo iniciativas de infraestrutura verde para ampliar a produção de energia renovável — após disputas diplomáticas e pressão dos EUA. Apesar dessas medidas, a política energética de López Obrador foi criticada pela dificuldade de expandir as energias renováveis e garantir segurança energética, com o México sofrendo apagões enquanto as temperaturas batiam recordes.

Agora, com a vitória de sua sucessora, Claudia Sheinbaum, que tomou posse em outubro, surge um novo capítulo. Com raízes na militância estudantil dos anos 1980 e uma sólida trajetória acadêmica — doutora em engenharia ambiental, com participação no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) —, Sheinbaum se posiciona como uma líder alinhada com questões climáticas e de sustentabilidade, mas me pergunto como será a política energética sob sua administração, num país tão amarrado ao petróleo?

Durante sua campanha, Sheinbaum apresentou o plano energético "100 pasos para la transformación", prometendo acelerar a transição para energias renováveis. Segundo o Energy Institute Statistical Review of World Energy 2023, a capacidade solar instalada no México cresceu a uma taxa média anual de 61,9% e a eólica, 15% entre 2012 e 2022.

Contudo, esses números ainda são baixos em comparação ao Brasil, que registrou taxas médias de crescimento anual de 127.1% e 29%, respectivamente. Além disso, Sheinbaum herda uma infraestrutura energética defasada e um legado de López Obrador, que priorizou os combustíveis fósseis, como exemplificado pela imponente refinaria Dos Bocas, considerada a obra de infraestrutura mais importante das últimas quatro décadas.

Outro ponto importante do legado de López Obrador a Sheinbaum é o lítio, mineral estratégico para as tecnologias como baterias e veículos elétricos, no qual o México é um ator relativamente novo. Em 2022, tive a oportunidade de contribuir para um livro sobre o lítio na América do Sul, a convite da Secretaria do Meio Ambiente do México. Na ocasião, a postura de López Obrador sobre o lítio oscilava: no início, favorecia a participação de empresas privadas, reconhecendo os investimentos necessários. Porém, em 2022, López Obrador mudou de posição e nacionalizou o lítio, criando a estatal LitioMx. Isso gerou uma disputa jurídica com empresas como a britânica Bacanora Lithium e a chinesa Ganfeng Lithium, que acionaram o governo mexicano devido ao cancelamento das concessões emitidas pelo governo anterior.

Em seu discurso de posse, Sheinbaum reafirmou seu compromisso com o Plano Sonora, que inclui o lítio, buscando criar uma cadeia completa de produção e evitar a simples exportação da matéria-prima. Contudo, o lítio mexicano, por estar misturado à argila, exigirá tecnologias específicas para extração e processamento, e ainda não há produção comercial, o que certamente dificultará a implementação do plano.

O que parece claro, seja sob López Obrador ou Sheinbaum, é que as políticas internacionais e os compromissos globais de descarbonização estão influenciando a política energética do México e a sua relação com o petróleo. Essa nova relação comercial em torno de recursos estratégicos para a tecnologia é o que alguns estudiosos chamam de “acumulação por desfossilização“, uma nova forma de acumulação de capital impulsionada pela agenda climática.

Nesta condição, e tal como em outros países da América Latina, o governo de Sheinbaum será testado pela necessidade de equilibrar uma soberania energética e desenvolvimento, com a urgência de reduzir as emissões de carbono, garantindo energia para a população. Se o México, com seu “Grito de Dolores”, influenciou processos históricos na América Latina, resta-nos esperar que continue a liderar esse caminho também na área energética, especialmente no que diz respeito à sua dependência petrolífera.

Elaine Santos é pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
Fonte: Jornal da USP.

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