Correio da Cidadania

A escala 6 x 1 e os trabalhadores

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Foto: Raphael Sanz, Correio da Cidadania.

A pauta da diminuição da carga horária no trabalho, hoje concretizada contra a escala 6 x 1, e que tem levantando milhares de pessoas em luta no país, mostrou uma verdade inabalável: o tema que toca a maioria das gentes é o que diz respeito ao seu cotidiano material. A vida real, concreta, de quem efetivamente carrega o mundo nas costas a partir do seu trabalho é o que tem poder de mobilizar. Temas como racismo, gênero, etnia são importantes, é óbvio, e se expressam na vida das pessoas causando dor e sofrimento, mas também causa dor o transporte ruim, o salário baixo, a escala desumana de trabalho, o posto de saúde que não funciona. Assim que essas pautas precisam andar juntas. Por isso que quando uma pauta como a da escala 6x1 aparece consegue tocar muito mais corpos que as pautas de causas.

A luta pela diminuição da carga horária de trabalho é uma luta histórica dos trabalhadores. Desde o começo do capitalismo os trabalhadores têm lutado e morrido por isso. Logo, não é uma novidade. A novidade nesse caso é ver que políticos visceralmente ligados ao identitarismo foram os que colocaram o tema em foco, o que mostra também que eles finalmente compreenderam – espero – que a luta contra o capital é a única que nos unifica como classe. E, portanto, é que precisa ser feita para que venha de verdade a transformação. Derrubar o capital, e não tentar viver no capitalismo com alguns direitos a mais.

Há muitos anos temos discutido no IELA o tema do identitarismo. Muito provavelmente o professor Nildo Domingos Ouriques foi um dos primeiros no Brasil a fazer a crítica aos movimentos que decidiram apostar em lutas de causas, deixando de lado (ou obscurecendo) a luta de classe. Na verdade, já nos anos 1980 o teórico equatoriano Agostin Cueva alertava a América Latina sobre o risco de os trabalhadores passarem a se organizar a partir de causas, bem como o mexicano Hector Diáz-Polanco discutia os movimentos forjados a partir de etnia e identidade. Num mundo no qual o capitalismo avançava na exploração, perder o foco da luta de classe parecia um erro. E ao que se nota, foi.

Alavancado por financiamento da Fundação Ford e outras instituições estadunidenses – coordenadas pelo Departamento de Estado – os estudos sobre causas passaram a se proliferar nas universidades: gênero, mulher, etnia, negritude, causa LGBT. Temas verdadeiramente importantes, mas que passaram a ser apresentados completamente esterilizados da luta anticapitalista. A lógica do individualismo passou a dirigir os temas:
Meu corpo, minhas regras. Minha comunidade, minha cor, meu isso, meu aquilo. A medida é o eu, o igual. E o diálogo entre diferentes passou a desaparecer, mesmo entre companheiros.

Dussel, em 1970 já mostrava que a lógica filosófica do “o ser é, o não-ser não-é” tinha de ser superada. Não foi. Foi aprofundada a ideia de que o que é diferente de mim, não-é. E, com isso, os trabalhadores se dividiram. Até a solidariedade desapareceu. Os temas ligados à materialidade da vida cotidiana foram capturados pela direita que começou sua escalada de sucesso no mundo todo.

Não sei o que vai dar essa batalha contra a escala 6×1. Os trabalhadores vão aos poucos percebendo a absurda exploração dos seus corpos, servidos a cada semana como sacrifício ao lucro do patrão. Essa é uma pauta que pode crescer e mobilizar as massas. Até porque, aquelas mesmas figuras de sucesso no Youtube nas redes sociais que até ontem falavam das causas, começam a discutir o drama do chamado “chão-da-fábrica”, que é o cotidiano exasperante de quem vende sua força de trabalho e entrega a alma e o corpo ao capital. O identitarismo sacou que a classe tem de estar no foco de nossa reflexão. Até quando, não sei. E se vai aprofundar o debate contra o capital, também não sei. Mas é um bom começo.

Há que lembrar o que disse o velho Marx no seu texto sobre salário, preço e lucro: “o homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida está toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. É uma simples máquina, fisicamente destroçada e espiritualmente animalizada, para produzir riqueza alheia. Os trabalhadores, ao lutarem contra isso cumprem um dever para com eles mesmos e sua descendência”.

“A la carga”, diria o general Artigas! Lutar contra o capital é a nossa principal batalha.

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Elaine Tavares

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC

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