Trump ameaça Panamá
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- Elaine Tavares
- 30/12/2024
O canal do Panamá começou a ser construído em 1880 pela França, mas não foi adiante em função de problemas de engenharia. Os Estados Unidos assumiram a obra em 1903 depois de terem fomentado uma rebelião contra o governo da Colômbia, país que controlava aquela faixa de terra. Com a ajuda dos EUA os “rebeldes” venceram e se independizaram, criando um novo país, o Panamá. Assim, como prêmio pela “ajuda”, entregaram a construção do canal para os Estados Unidos. A obra levou 10 anos para ser concluída e tão logo foi inaugurada acabou entregue aos EUA, que passaram a controlar o canal. A zona do canal foi território dos Estados Unidos até o ano 2000, quando um acordo firmado em 1977, durante o governo de Omar Torrijos, garantiu o retorno do controle aos panamenhos.
Apesar de a devolução ter acontecido, os Estados Unidos nunca deixaram de estar de olho no canal, afinal foram quase 100 controlando o tráfego de navios e abocanhando lucros estratosféricos. Não é sem razão a investida do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, contra o Panamá. Ele nem assumiu e já mandou recado ao presidente José Raúl Mulino dizendo que o Panamá precisa baixar o preço das taxas do pedágio do canal. Segundo ele, se o governo não fizer isso os EUA poderão reclamar a retomada do canal. Mulino foi rápido na resposta dizendo que a decisão sobre as taxas não são da presidência e sim de um processo aberto, de audiências públicas, do qual participam os clientes e outros atores envolvidos. Segundo ele não há qualquer possibilidade de mudar a realidade jurídico-política da administração do canal. “Os Estados Unidos não têm mais ingerência aqui”.
Dias depois da resposta pública de Molino, Trump voltou à carga. Anunciou que o embaixador do país no Panamá será Kevin Marino Cabrera, conhecido por ser um “feroz” defensor dos interesses dos EUA, e que foi coordenador da campanha eleitoral de Trump. Além disso, já começou a circular pela mídia a “denúncia” espalhada por Trump de que o canal está tomado por soldados chineses. Seria engraçado se não fosse trágico, uma vez que o presidente estadunidense repete a mesma velha tática dos governos de seu país, de jogar mentiras na mídia para justificar suas ações de guerra. Muito provavelmente Trump vai fazer do Panamá e do canal um campo de batalha contra a China.
Mulino negou qualquer presença militar chinesa e deixou claro que desde a inauguração da obra em 1914 os barcos de qualquer nação pagam taxas de acordo com as toneladas de deslocamento de água. Não há discriminação. É só mais uma bravata do presidente dos EUA que deve estar de olho nos lucros do canal. Para se ter uma ideia, quando estava na mão dos EUA, no último ano da posse, em 1999, o Panamá recebia apenas 160 milhões de dólares pela cessão. Agora, com o controle da passagem entre os dois oceanos, o Panamá recebe mais de dois bilhões de dólares ao ano.
Sobre a relação com a China, Mulino declarou que são relações comerciais apenas, não há qualquer ação militar no canal. Disse também que só vai voltar a discutir o assunto depois que Trump assumir de fato a presidência.
De qualquer forma, o modo “estadunidense” de pressão já está a todo vapor. A mídia insiste na “presença militar chinesa” e já existem grupos internos no Panamá denunciando má gestão de recursos do canal. Este é um tema que vai longe. A intenção é dobrar o governo panamenho para que se curve aos interesses estadunidenses.
Ataque ao bairro Chorrillo
Sempre é bom lembrar que ajoelhar não significa nada. Basta recordar o ex-presidente Manuel Noriega, que foi treinado pela CIA e colocado no poder para servir aos interesses dos EUA. Bastou ele dar uma pequena guinada para ações mais nacionalistas e pronto. Virou inimigo. O governo dos EUA alegou que Noriega estava ligado ao narcotráfico e queria impedir a “neutralidade” do canal.
Assim, ao autoproclamar o direito de intervir militarmente para defender o canal que ainda estava sob sua posse, os EUA invadiram o Panamá em 1989 e colocaram no pequeno país mais de 26 mil soldados. O bairro popular de Chorrillo, onde se concentravam muitos partidários de Noriega, foi o que mais sofreu. Mais de 500 civis foram mortos e quase quatro mil soldados panamenhos também pereceram.
Agora que a China passou a ser o principal inimigos dos EUA no mundo, não é de admirar que Trump use a relação comercial entre a China e o Panamá para ameaçar o governo.
Voltar a dominar o canal é estratégico para os Estados Unidos.
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Elaine Tavares
Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC