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Estados Unidos: a incógnita na Síria pós-Assad

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Sírios tentam retomar “vida normal” em meio a bombardeios israelenses após  a queda de Bashar al-Assad | Brasil 247
Durante a Guerra Fria, ditaduras à esquerda ou à direita proliferaram, ao ter o patrocínio ou o beneplácito da União Soviética ou dos Estados Unidos. Ao chegar o período da bipolaridade ao fim, poucas sobreviveriam: as da América do Sul, inclusa a do Brasil, encerraram-se grosso modo nos anos 80, como a do Paraguai, extinta em fevereiro de 1989 por golpe militar de forma inusitada: o líder da deposição de Alfredo Stroessner, Andrés Rodriguez, era seu consogro.

Depois de três décadas e meia à frente do poder, o destituído se exilaria em Brasília, ao residir no Lago Sul, aprazível bairro de classe média alta – a primeira acolhida pelo governo nacional, ocorrida em dezembro de 1948, havia sido menos reconfortante, ao ter tido por morada provisória a embaixada do Brasil no Paraguai após malogrado golpe de Estado.

Das tiranias restantes, a da Síria agonizava havia de via certa mais de um decênio, quando do início da chamada Primavera Árabe. Já na segunda geração a partir de 2000, quando Bashar substituiu Hafez, ela havia sido salva de modo temporário pela Rússia ao destinar tropas de elite e unidades mercenárias a datar de 2015 com o propósito de assegurar sua atuação no Oriente Médio e destarte reviver o ideário de potência global, ao desfrutar da posse de duas bases: uma naval em Tartus e outra aérea em Lataquia.

Com três anos de conflito acirrado com a Ucrânia, haja vista o apoio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), o socorro de Vladimir Putin ao regime autoritário de Bashar al-Assad teve de interromper-se, ao ser defenestrado.

Nem só de auxílio oriundo de Moscou se sustentava Damasco, ao receber de Teerã assistência constante, por viabilizar a ligação com Beirute. Apeada da administração, a família al-Assad encontraria abrigo em solo moscovita, embora sem aparição pública até agora.

Com o inesperado descenso da dinastia civil de extração alauíta nos últimos dias, ascendeu uma derivação ou dissensão da Al-Qaeda, a Hayat Tahrir al-Sham (HTS), oposição notória aos Estados Unidos, de sorte que em maio de 2018 o novo nome do grupo, outrora Frente al Nusra, foi registrado como terrorista pelo Departamento de Estado - https://2017-2021.state.gov/amendments-to-the-terrorist-designations-of-al-nusrah-front/

O quadro atual não obsta Washington a dialogar com a agremiação extremista, uma vez que a Casa Branca deseja a estabilidade local, ponto vital para a região, mesmo se convertido o país em teocracia. Por isso, a preocupação com ocasional vácuo de poder, em função da existência de consórcios militares de diferentes concepções políticas, religiosas e étnicas apoiados por sua vez por potências vizinhas.

Assim, a contraparte da coligação governante seria a de contrair sua movimentação em solo médio oriental, até por ser a reconstrução nacional o propósito principal no momento. Como desdobramento, recursos externos poderiam fluir para a infraestrutura, fator importante de recuperação da produção de petróleo.

Ademais, há a expectativa de centenas de milhares ou mesmo de milhões de cidadãos espraiados a contragosto em nações como Turquia de retornar para suas cidades e na medida do possível de retomar aos poucos a rotina, desde que assegurados direitos básicos.

Se o equilíbrio preponderar em breve, a Casa Branca poderá cancelar as sanções impostas desde 2011 e as operações bélicas aéreas, rotineiras no objetivo oficial de conter atividades do Estado Islâmico do Levante e do Iraque.

Com a vinda dos republicanos a partir de janeiro de 2025 à Casa Branca, isso poderia cessar, embora Washington tenha interesse em resguardar a exploração de petróleo em território curdo, área onde mantém um milhar de combatentes.

É dramática a situação da população da Síria, uma vez que sem Estados Unidos e Rússia a conjuntura provavelmente pouco se alterará para ela, dado que Turquia e Israel irão substituí-los na defesa de seus interesses, não nos da sociedade local.

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Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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