Retrospectiva 2024: meio ambiente e clima, desafios do Brasil
- Detalhes
- Telma Monteiro
- 30/12/2024
Essa retrospectiva tem o objetivo de chamar a atenção e impor uma reflexão sobre a importância do equilíbrio entre desenvolvimento e preservação ambiental. Vou inovar e ao invés de listar cronologicamente os impactos ambientais de 2024, vou mostrar no que eles podem resultar no futuro ou no que já resultaram no presente. Impactos que foram produzidos pelas tomadas de decisão dos governos estaduais, municipais, federal, pela legislação ambiental alterada no Congresso ou em vias de ser alterada, pela sanha capitalista dizimando os biomas brasileiros, por ministérios do governo envolvidos com interesses privados desenvolvimentistas como o da Infraestrutura, dos Transportes, do Planejamento e da Fazenda, pela ambição megalômana em transformar o Brasil na maior potência mundial de exportação de commodities minerais e agrícolas.
Parece não importar aos gestores públicos brasileiros quais os projetos das empresas estatais - ou semiestatais - como a Petrobras, a Eletrobras se desenvolvem no campo da energia, prospecção de petróleo na margem equatorial, gás fóssil, extração de urânio, produção de energia offshore, termoelétricas, linhas de transmissão e que vão impactar a saúde e na vida de milhões de brasileiros. São propósitos que estão no radar desse conjunto da sociedade formado por predadores ambientais umbilicalmente ligados à política e ao dinheiro público. Tem sido assim, governo após governo. É preciso mostrar as consequências desse desastre produzido pela humanidade e o que ele está gerando no Brasil, em especial com o aniquilamento ambiental dos povos indígenas, da biodiversidade e dos biomas.
Os eventos e ações destacados aqui mostram a necessidade e importância de políticas públicas consistentes, colaboração entre governos, empresas, povos originários e comunidades locais. Políticas públicas que garantam um futuro de preservação e o respeito do agronegócio pelos biomas brasileiros e pelas populações dos centros urbanos. Não queremos que o Brasil venha a se transformar em um país com refugiados ambientais.
Todas essas questões põem em risco a saúde dos povos, a integridade dos biomas e a desestruturação política e econômica dos estados mais vulneráveis. Entre tantos impactos há que se mencionar o caldo de cultura para o surgimento de uma onda de refugiados ambientais.
O Brasil, diante da crise de governabilidade ambiental histórica de 2024, tem o caldo de cultura propício para conceber os principais problemas ambientais interconectados que ameaçam o futuro do planeta: mudança climática, poluição e perda de biodiversidade, elementos ligados entre si com os quais a sociedade e a economia têm que lidar.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) monitora a mudança climática, a poluição e a perda de biodiversidade para enfrentar crises ambientais decorrentes dos desafios climáticos. Para tanto são publicados relatórios de avaliações científicas e políticas, pelo PNUMA, em conjunto com outros órgãos, como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES).
As questões que geram esses desafios climáticos:
Agrossuicídio
Agrossuicídio é um termo recém cunhado por cientistas, em estudo publicado em 2024, na revista Nature Sustainability (1), para definir práticas predatórias do agronegócio sobre os ecossistemas naturais, florestas e savanas. O desmatamento predatório dessas áreas, para introduzir a pecuária e a agricultura de commodities para exportação, está destruindo os recursos naturais em regiões como a Amazônia. As práticas predatórias do agro poderão inviabilizar economicamente as atividades agrícolas futuras.
Impactos do Agrossuicídio
Mudança climática: a remoção de árvores para a produção agropecuárias nos biomas brasileiros, contribui para o aquecimento global, já que as florestas são fundamentais para o sequestro de carbono da atmosfera; Perda de Chuvas: áreas desmatadas não liberam vapor d'água, o que reduz o volume de chuvas e a produtividade; Degradação do Solo: a vegetação preservada nos biomas impede a erosão do solo e a perda de nutrientes; Redução da Biodiversidade: a destruição de habitats naturais afeta a fauna e a flora; Refugiados ambientais: conhecidos como refugiados climáticos ou migrantes do clima, segundo a definição da National Geographic (2), são pessoas forçadas por eventos climáticos a deixarem suas casas. Esses eventos incluem enchentes, secas, ciclones, elevação do nível do mar, degradação ambiental provocada pelo uso intensivo de áreas antes ocupadas pelas florestas, infraestrutura pensada pelas grandes empresas do agronegócio para exportação de commodities, planejamento futuro equivocado de governos com visões de mercado e não de bem estar da população.
Mudança Climática
A mudança climática é causada pela acumulação de gases de efeito estufa na atmosfera que resulta em aumento das temperaturas globais, derretimento das calotas polares e eventos climáticos extremos, como secas e tempestades severas. Nessa categoria, pode-se listar os fatos que transformaram o Brasil em um turbilhão de problemas ambientais, perdas materiais e desalento da população. Vegetação seca, pequeno agricultor familiar com prejuízos, rios secos, população afetada, falta de água potável, crianças sem transporte escolar nos estados amazônicos, são alguns dos problemas que a mudança do clima provocou no Brasil em 2024.
Chuvas torrenciais: causaram enchentes no Rio Grande do Sul, no final de abril e início de maio. Foram devastadoras e atingiram todo o estado, resultando em mais de 183 mortes, 27 desaparecidos e prejuízos econômicos. Foi considerado o maior desastre climático da história do estado. As enchentes duraram aproximadamente 10 dias, de 27 de abril a 7 de maio de 2024. Chuvas torrenciais causaram grandes danos e afetaram milhares de pessoas.
As autoridades locais, como prefeituras e governo estadual não se prepararam, mesmo com os alertas dos cientistas e dos dados das agências do clima. Eles devem ser responsabilizados por não gerenciarem os impactos provocados e pela falta de infraestrutura adequada. Ao fator clima acrescente-se a inércia e o desconhecimento do governo do Estado (além da prefeitura de Porto Alegre), que não revisou as antigas comportas do rio Guaíba, por exemplo, que segurariam parte das cheias. Não dá para fingir que não foi um desastre anunciado.
Severas inundações em São Paulo, em janeiro, devido às chuvas torrenciais com ventos fortes em várias regiões, levaram à evacuação de milhares de pessoas e danos materiais consideráveis. A cidade de São Paulo nunca se preparou para ventos fortes e aproximadamente 1,5 milhão de pessoas ficaram sem eletricidade. As condições adversas causaram muitos danos, incluindo as quedas de árvores e de postes de energia. As distribuidoras de energia elétrica tampouco se prepararam para as mudanças climáticas.
Seca no Nordeste: uma forte seca persistiu em várias áreas do Nordeste, o que agravou a crise hídrica e afetou a agricultura local. O resultado está nos prejuízos econômicos e dificuldades para as comunidades locais. A seca-relâmpago é outro efeito produzido pela mudança no regime de chuvas, um fenômeno rápido e intenso, que causou danos significativos em curto período. A falta de chuvas e os altos índices de evaporação contribuíram para agravar a situação.
Queimadas: em agosto e setembro, incêndios florestais se espalharam pelo Brasil e destruíram áreas agrícolas e florestas. A fumaça atingiu centros urbanos de várias regiões e afetou a saúde da população. A Amazônia registrou um número recorde de incêndios dos últimos 19 anos: 63 mil focos. Densas nuvens de fumaça vindas da Amazônia, Pantanal, Rondônia e da Bolívia afetaram dez estados brasileiros.
Seca extrema: uma seca extrema já afeta mais de mil municípios, e se intensifica o El Niño e o aquecimento das águas do Oceano Atlântico. Não há dispersão da fumaça pela umidade da floresta e os ventos acabam levando as partículas para todas as regiões. Prevenir e combater o fogo criminoso que aproveita a vegetação excepcionalmente seca, em todos os biomas, é uma atribuição dos governos estaduais, municipais e federal. O país não se preparou para as mudanças do clima que colocam em risco nossa rica biodiversidade. O que falta aos governantes para editarem medidas de prevenção e combate? O que está faltando aos governantes para treinar e equipar brigadistas especializados no combate às queimadas? O que está faltando aos governantes para punir os infratores que limpam as pastagens usando práticas trogloditas?
As florestas públicas não destinadas estão à mercê de quadrilhas especializadas em desmatar para fins escusos, ilegais em áreas protegidas, como mineração e sojicultura. Muitas, ainda, são as florestas que pertencem ao governo mas que ainda não estão “sacramentadas” como unidades de conservação ou terras indígenas ou assentamentos ou concessões para manejo florestal. São 60 milhões de hectares ou 13% da Amazônia Legal com 92% cobertos por vegetação nativa, segundo dados do MapBiomas. No entanto, permanecem nas mãos do desmatador ou explorador ilegal.
Já não restam dúvidas sobre os perigos que corre a Amazônia com a destruição da floresta pelo avanço da sojicultura em terras públicas. Atualmente a Natureza é sujeito de direitos e podemos classificar o Agronegócio como sujeito de responsabilidades pelas mudanças climáticas no Brasil.
Amazônia e a soja: No estado do Pará, região do Tapajós, berço dos indígenas Muduruku, temos um infeliz exemplo do que a sojicultura tem feito com a biodiversidade da Amazônia. Em vídeo recente (postado abaixo), é possível ter uma dimensão do que vem acontecendo em Santarém, Miritituba e Itaituba, nas duas margens do rio Tapajós. O avanço da soja sobre a floresta e a construção de portos para escoar as commodities pelo rio Tapajós até sua foz no rio Amazonas e de lá para o oceano Atlântico são estarrecedores. Carretas percorrem, aos milhares, a BR-163 e a Transamazônica. Pequenos municípios com populações tradicionais, como Miritituba estão deixando suas terras por não suportarem as alterações, o pó que paira na atmosfera da região, as nuvens de farelo de soja, o barulho, a destruição dos habitats e as imensas barcaças navegando o Tapajós sem considerar pescadores e ribeirinhos. As imagens são tristes e não combinam com o discurso do governador do Pará durante a COP 29, em Baku.
Os números são dantescos, a região passou a ser o centro do fim do mundo. O projeto da Ferrogrão, se for concretizado, previsto para ir até Miritituba vai levar um caos inimaginável à região, e piorar o que você verá no vídeo abaixo: (adicionar o vídeo de Santarém, Miritituba)
Pantanal tem vivido, anos após ano, um crescendo na devastação por incêndios que já destruíram, só em 2024, 2 milhões de hectares. Como falar dessa crise aprofundada pela estiagem prolongada agravada pelas alterações do clima? Já estamos vivendo uma situação avassaladora no Brasil, sem que medidas severas sejam tomadas no lugar de paliativas e esporádicas. A falta de coordenação e de equipamentos e pessoal nos órgãos como IBAMA, Funai são realidades que estão sendo escamoteadas da sociedade.
Cerrado: o bioma enfrentou neste ano de 2024 um aumento estratosférico de incêndios. Só quem sobrevoa o Cerrado, região de exploração agrícola do Matopiba (partes dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), pode ter ideia da dimensão do estrago e dos impactos provocados pelos incêndios. Qual é o futuro que espera as comunidades locais e as espécies ameaçadas? A água já está escassa para a população e para o uso no combate aos incêndios (3).
Os números são abissais. Para entender é preciso assimilar que, entre janeiro e setembro de 2024, foram queimados cerca de 22,38 milhões de hectares nos biomas brasileiros, um incremento de 150% sobre 2023. Os estados mais afetados, Mato Grosso, Pará e Tocantins, tiveram impactos na biodiversidade e na qualidade do ar.
O crescimento exponencial das práticas agrícolas criminosas, aliadas à seca, em 2024, afetaram o meio ambiente, a biodiversidade, as terras indígenas e as comunidades locais.
Notas:
1) https://revistaforum.com.br/meioambiente/2024/12/8/agrossuicidio-desmatamento-pode-inviabilizar-proprio-agronegocio-refora-nature-170582.html?form=MG0AV3
2) https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/2024/04/o-que-sao-refugiados-climaticos?form=MG0AV3
3) https://greenbond.com.br/incendios-florestais-no-brasil-cenario-de-2024/?form=MG0AV3
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Telma Monteiro
Ativista sócio-ambiental, pesquisadora e educadora