Cappio: 'A transposição é um projeto ecologicamente insustentável e eticamente corrompido'
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- Fábia Lopes
- 10/12/2007
Em 2005 o Bispo Dom Luís Cappio, passou 11 dias
em jejum, em Cabrobó (PE), encerrados após o compromisso do governo em
“suspender o projeto de transposição e iniciar um amplo diálogo entre governo e
sociedade civil brasileira”. O franciscano afirma que o compromisso assumido
pelo governo foi descumprido com a chegada do 2º Batalhão de Engenharia do Exército,
instalado em Cabrobó desde o dia 4 de junho deste ano.
Confirma a entrevista com o religioso, que a nove dias retomou o jejum
contra a transposição do rio São Francisco
Que motivos levam o senhor e
algumas organizações da sociedade civil a serem contra o projeto da
transposição das águas do Rio São Francisco?
Dom Luís Cappio –
Olha, os grandes motivos que nos levam a ser contrários ao projeto de
transposição, em primeiro lugar porque ele é socialmente injusto. Porque,
embora a propaganda oficial diga que essa água vai para atender 12 milhões de
habitantes, isso não é verdade. Essa água é destinada para os grandes
empresários, para os grandes empreendimentos econômicos no Nordeste, não é? A
criação de camarão, a produção de frutas para exportação. Essa água vai passar
muito distante das comunidades que realmente necessitam da água. E também é
injusta porque quem vai ser beneficiado com essa água são os grandes, os
projetos, os empreendimentos agroindustriais e que vai pagar a conta de energia
elétrica é o povo, através do subsídio cruzado. É o povo que vai pagar um
aumento na conta de sua energia elétrica para poder subsidiar essa água que vai
beneficiar as grandes empresas.
Em segundo lugar é um projeto economicamente inviável. E por quê? Porque
o próprio governo já apresentou, através da Agência Nacional das Águas (ANA), o
Atlas do Nordeste, que tem mais de 500 alternativas de recursos hídricos para
as comunidades urbanas.
A transposição, também é um projeto ecologicamente insustentável, porque
vai usar um rio que precisa ser urgentemente revitalizado. Também é eticamente
corrompido esse projeto. Porque ele vai transformar a água em objeto de compra
e de venda, de produto de mercado, e a água é um produto, um dom de Deus para a
vida das populações, um bem essencial para a vida e não pode se transformar em
objeto de mercado, de barganha no mercado. É por isso que nós somos contra esse
projeto de transposição, porque não vai atender as necessidades, que
enganosamente o governo ilude a população do Nordeste.
Em declaração à imprensa, o
presidente Lula afirma que “entre os 12 milhões de pobres que sofrem com a
escassez de água e o Dom Luís Cappio”, ele, o presidente, “fica com os pobres”.
Como o senhor acha que o presidente vai se comportar nessa sua segunda
tentativa de barrar o projeto da transposição?
Dom Luís Cappio –
Olha, se essa afirmação do presidente fosse verdade, eu também ficaria com ele.
Eu também assinaria embaixo, porque eu gostaria que todos os meus irmãos do
Nordeste tivessem água, e água com abundância, água de qualidade. Nós estamos
lutando por isso.
É uma mentira muito grande quando eles dizem que nós somos egoístas, que
nós não queremos dar água. Isso não é verdade. Nós estaríamos dispostos a dar
com toda alegria, e queremos dar água para nossos irmãos do Nordeste, queremos
sim. Agora, esse projeto de transposição não é para 12 milhões de pessoas, é
para um pequeno grupo interessado no capital, nas grandes empresas, não é para
o povo.
O governo deveria ter a coragem de falar a verdade, de dizer a verdade
sobre a transposição e não continuar iludindo o povo dizendo que essa água é
para o povo, quando ela não é para o povo, não é? Se o que o presidente disse
fosse verdade, eu estaria com ele e assinaria embaixo dessa palavra dele. Mas,
isso não é verdadeiro. O governo deveria ter a coragem de dizer a verdade, para
quem realmente a transposição interessa, e não é para o povo é para os grupos
econômicos.
Quando eu converse com ele, com o presidente Lula, lá no Palácio do
Planalto, eu disse a ele: “olha presidente, eu a vida inteira lutei para vê-lo
sentado aí, nessa cadeira em que o senhor está. Toda a vida eu vesti a sua
camisa e lutei pelo senhor. Mas, infelizmente, depois que o senhor assumiu o
poder, o senhor se tornou refém dos grandes grupos econômicos do Brasil e do
estrangeiro. Hoje, o senhor é refém do capital. O senhor esquece das suas
origens. O senhor esqueceu do povo que o elegeu para ser o presidente dos
pobres desse país”. Isso eu disse a ele. Nesse momento, ele abaixou a cabeça.
Então, eu não posso admitir que um presidente que foi eleito para ser,
especialmente, prioritariamente, presidente dos pobres desse país, hoje esteja
governando para os ricos do Brasil e do mundo. (Ouça esse trecho aqui).
Quando o senhor chegou a
conclusão que deveria retomar a greve de fome?
Dom Luís Cappio –
Eu cheguei à conclusão em reassumir porque quando, há dois anos atrás, eu
encerrei o jejum lá em Cabrobó, foi porque eu acreditei no governo, quando nós
assinamos juntos o nosso documento, que abria um amplo debate nacional para
procurar as melhores alternativas de abastecimento hídrico para o Nordeste.
Então, eu acreditei nesse contrato, nesse pacto firmado, nesse documento
assinado. Foi por isso que eu deixei o jejum há dois anos atrás. Nesses anos,
foram muitas as tentativas de reabrir esse diálogo, de realmente fazer com que
esse diálogo acontecesse, porque a nossa preocupação é que o povo tenha água, e
água de qualidade. Mas, nunca o governo se interessou de fazer aquilo que havia
prometido e assinado em
Cabrobó. Em vista disso, qual foi a resposta deles? Foi o
início das obras usando o Exército Brasileiro.
Isso comprova que é uma obra autoritária, é uma obra autocrática, que não
é fruto de uma discussão em que o povo participa, porque uma obra desse
tamanho, com esse porte de investimentos econômicos mereceria uma consulta
popular, que o povo opinasse, que o povo também desse as sua sugestões. Uma
obra desse porte, ela necessariamente tem que nascer de um consenso
democrático, e ela foi autoritariamente imposta, está sendo construída através
do Exército Brasileiro. Então, em vista disso, nós retomamos o jejum, porque
fomos enganados, não apenas eu, mas toda a sociedade brasileira foi enganada. O
governo não atendeu aquilo que assinou, aquilo que compactuou, de abrir um
amplo diálogo nacional para ver as melhores alternativas de desenvolvimento
sustentável para o Semi-Árido brasileiro. Foi por isso que nós retomamos o
jejum. (Ouça esse trecho aqui).
Nessa luta em defesa do São
Francisco o senhor tem encontrado mais aliados ou mais opositores?
Dom Luís Cappio –
Eu estou rodeado de amigos, bispos, padres, religiosos, o povo, tá tudo aqui
comigo. A gente sente, o povo é o primeiro que percebe o absurdo de tudo isso.
A solidariedade tem sido imensa. O número de cartas, de e-mails que a gente
recebe, de mensagens solidárias. O número incrível de rádios, de emissoras de
TV, como vocês que me telefonam pra saber da verdade dos fatos. Então, a
solidariedade tem sido muito, muito, muito grande e isso fortalece muito a
luta.
Dentro da Igreja parece não haver
unanimidade em relação à transposição.
Dom Luís Cappio –
Não existe.
Na primeira greve de fome a CNBB
e a Santa Sé o criticaram...
Dom Luís Cappio –
Alguns segmentos, não a CNBB, porque a CNBB sempre esteve conosco. Alguns
grupos, alguns bispos, alguns membros da Igreja que eram opositores. Mas, a
CNBB nos deu o maior apoio. Agora mesmo eu recebi uma carta belíssima da CNBB
manifestando todo o seu apoio e mostrando tudo isso que eu estou acabando de
dizer, que o governo deveria olhar para as carências e necessidades do povo.
Esse seu gesto, de decretar greve
de fome, é um ato de fé ou um ato político?
Dom Luís Cappio –
Agora mesmo eu estava conversando com o meu amigo, Dom Geraldo, bispo de
Juazeiro, e a gente está embasado na fé. A gente assume esse gesto porque a
gente acredita na palavra de Deus, que diz que quando o inimigo é muito forte,
muito grande, somente o jejum e a oração são capazes de dominá-lo. É por isso
que nós entramos no jejum e estamos em oração, porque acreditamos na palavra de
Deus, a única que nos dá força e coragem para enfrentar inimigos tão fortes.
(Ouça esse trechoaqui).
Para finalizar, que recado o
senhor deixa para as famílias do Semi-Árido?
Dom Luís Cappio –
Eu gostaria de dizer para todos vocês, meus irmãos nordestinos... Lançamos uma carta
dirigida a todos vocês, e eu diria o seguinte: “Olha, escute bem o que o frei
vai dizer. Nós não somos egoístas querendo a água do São Francisco só para nós.
Se essa água da transposição fosse realmente para vocês, nós seríamos os
primeiros a aprovar o projeto. O que nós somos contra é a menti, à propaganda
enganosa do governo, dizendo que ‘essa água vai para tirar a sede dos que têm
sede. Que quem tem sede é a favor do projeto’. Isso é uma propaganda enganosa.
Não se deixe levar por essa propaganda, dizendo que essa água vai para 12
milhões de habitantes, porque isso não é verdade. Essa água vai para um pequeno
grupo de empresários e quem vai pagar conta é o povo”. É essa verdade que o
povo precisa saber. (Ouça esse trecho aqui)