A farsa do biocombustível da Brasil Ecodiesel no Piauí
- Detalhes
- Tânia Martins
- 17/01/2008
Em
março de 2004, quando o presidente Luis Inácio Lula da Silva anunciou a nação
brasileira, direto da Fazenda Santa Clara, no município de Canto do Buriti, a 400 quilômetros de
Teresina, que o Brasil estava dando o primeiro passo para a substituição dos
combustíveis fósseis por um combustível limpo, o biocombustível, produzido a
partir da mamona, pela empresa Brasil Ecodiesel, talvez não imaginasse que por
trás da encenação havia uma série de irregularidades.
Quatro anos depois do circo armado para o espetáculo governamental, a cortina
veio abaixo e revelou uma realidade onde os principais protagonistas dessa
história, os trabalhadores rurais, se consideram usados e enganados pela Brasil
Ecodiesel, “Viramos refém dessa empresa", disse o trabalhador rural F.R.
que autorizou somente a publicação de suas iniciais.
Ele se referia a dependência financeira e as más condições de trabalho que
todas 600 famílias contratadas pelo o projeto têm para com a Brasil Ecodiesel
desde que assinaram o contrato, quando do início do projeto. A cada família
foram destinados sete hectares, cinco para o plantio de mamona e dois para
feijão. Do total da produção da mamona 30% é para a empresa e os 70% que sobram
é destinado a cobrir o adiantamento de safra que atualmente é de R$ 160 reais
que recebem por mês. O valor correspondente a 3 mil quilos de mamona por safra.
Dessa maneira não há como o trabalhador obter lucro, uma vez que para cobrir os
custos da produção, teria que produzir 4.500 quilos nos cinco hectares. Ocorre
que por uma série de problemas de ordem técnica relacionadas a baixa
fertilidade do solo, qualidade da semente, entre outros, no máximo estão
conseguindo produzir 300 quilos por hectares. Em algumas áreas, a colheita não
passa de 100 quilos por hectares.
Quanto ao feijão, cada família é obrigada a destinar 30% do que produz para a
empresa. Ainda como parte do contrato, existe a entrega de uma cesta básica no
valor de R$ 100 reais. Segundo o colono, Neto Hipólito, a cesta básica
repassada não passa do valor de R$ 30 reais e, além de pífia, ainda atrasa
quase todos os meses.
Estas irregularidades têm criado uma insatisfação generalizada na fazenda.
Muitos já abandonaram o projeto porque temem que, mais cedo ou mais tarde,
sejam obrigados a saírem da área e ainda endividados já que, mesmo a Brasil
Ecodiesel acumulando prejuízos com o projeto de biocombustível Embora, na
unidade de produção do biocombustível, localizada em Floriano, a 240 quilometros
da capital, a empresa assegura que produz 40 mil litros por dia. O que se
questiona é de onde está vindo a matéria prima?
Pelos cálculos de Neto Hipólito, a fazenda tem uma despesa mensal de RS 500
mil. "A gente não sabe de onde vem esse dinheiro, se vem do governo ou da
própria empresa, aliás, por aqui ninguém sabe nada sobre esse projeto, se
existe um dono e quem é ele. A gente só ver os encarregados, que por sinal está
sempre mudando. Também continuam depositando os R$ 160 reais da parceria",
relata.
Para se ter uma idéia da estranheza do projeto, por enquanto, o plantio de
mamona da próxima safra, que deveria ter iniciado em outubro, até agora não
aconteceu. "Começamos a plantar dai veio uma praga de lagarta e destruiu
tudo, agora não sabemos quando vai recomeçar", contou um dos parceiros do
projeto, o trabalhador rural Pedro Cosme da Silva, 34 anos. Cosme disse que
pelo o andar da carruagem a empresa não tem pressa, pois dos oito tratores ali
existentes cinco foram levados para uma outra fazenda, que dizem ser da mesma
empresa. "A preocupação é que ocorra o mesmo que aconteceu na safra
passada quando o plantio foi feito fora de hora, acarretando uma produção
mínima", disse.
Trabalho Infantil
Nas 20 células, denominação dada pela Brasil Ecodiesel para as áreas onde foram
construídas 35 casas, a insegurança e insatisfação é a mesma. Todos se queixam
de estarem passando necessidades. Para completar a renda muitas famílias
colocam as crianças para tapar buracos na BR- 324 e ganharem trocados dos motoristas.
Durante nossa passagem pelas proximidades das células encontramos inúmeras
menores com idade entre seis a treze anos, labutando com uma enxada preenchendo
infinidades de buracos no que resta de asfalto. Uma dela, T.C. seis anos,
comove até aos mais insensíveis devido a magreza e pele muito clara. A criança
passa o dia inteiro exposta ao sol e o seu rosto descascado e tomado por sardas
é a prova do sofrimento que vimos também através de seus olhinhos infantis.
Segundo ela, logo cedo tem que ir para a estrada conseguir uns trocados que são
entregues a mãe para ajudar nas despesas da casa.
Um pouco mais adiante nos deparamos com os irmãos D.P. 10 anos e A.P. 9 anos.
Eles contaram que passam o dia inteiro tapando buracos e ganham até 20 reais ao
dia. "Às vezes a gente só consegue R$ 10 ou menos que isso. O bom é que
mesmo sendo pouco a gente sempre ganha", contou D.P., um menino que se
mostrou bem educado e inteligente. Ele disse também que com o dinheiro que
ganham ajuda a comprar o que comer. "Nossos pais não queriam isso pra
gente, mais é o jeito vir pra estrada se não a gente passa fome",
completou. Quis saber como fazem para se alimentar e tomar água e D. contou que
um outro irmão menor que os dois leva comida e água.
Já duas adolescentes, com idade entre 13 e 14 anos, que se encontravam na mesma
situação resistiram conversar com nossa equipe. Depois de muita insistência as
garotas revelaram que pedem dinheiro para comprar roupas. Sobre o perigo de
serem molestadas por motoristas inescrupulosos, elas não responderam mais
demonstram pelo comportamento que o perigo é uma constante. Já em conversa com
os adultos, soubemos da ocorrência de prostituição infantil nas imediações da
fazenda.
Produção de Carvão
A área total do projeto para produção de mamona é de 40 mil hectares. Desse
total, somente três mil já deveriam ser utilizados para o plantio da
monocultura, mas, todo o restante já foi praticamente desmatado para a produção
de carvão vegetal. No interior da fazenda estão instalados cinco grandes fornos
industriais, os mais modernos que existem e que são controlados por
computadores.
Os homens que localizamos ensacando carvão próximo as fornalhas nada sabiam
informar sobre a produção. Segundo eles, atualmente a lenha retirada da mata
nativa está sendo levada para a Fazenda Canto do Buriti, aonde hoje vem sendo
produzido carvão. Eles disseram ainda que os encarregados falaram que a
atividade vai retornar em
breve. Já o superintendente do Ibama no Piauí, Romildo Mafra,
disse que apesar dos fornos, a fazenda Santa Clara não produz carvão.
"Eles não têm o DOF-Documento de Origem Florestal, portanto, não podem
fazer carvão", afirmou.
Fonte: Portal AZ - http://www.portalaz.com.br