Correio da Cidadania

Círculo Palmarino contra o ataque covarde aos territórios dos Templos de Candomblés

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Houve um tempo em que parte da sociedade baiana, especialmente a elite cristã, pedia abertamente através da imprensa que a polícia providenciasse o fim dos Candomblés. Em 1904, o Diário da Bahia, em uma nota intitulada "Fetiches e Africanismos", afirma: "Desse modo devem ser perseguidos pelas autoridades os candomblés, manifestações de seitas africanas, de raças extintas, que deixaram na nossa querida terra, como uma vingança terrível da escravidão, este gosto lubrico da lithurgia das seitas africanas onde a superstição e a ignorancia se misturam a ancia de praticas exquesitas"(1). Declarações como estas legitimavam o racismo institucional e a intolerância religiosa naquela época.

 

Causa-nos surpresa que, 103 anos depois desse texto ser publicado no extinto jornal baiano e de toda a luta do povo negro para garantir o respeito aos Candomblés, as autoridades constituídas continuem a perseguir os terreiros de Candomblés, a destruir suas insígnias sagradas e a violentar seu povo - ações que deveriam ser pensadas como impossíveis para o início do século XXI. Mas, pasmem, foi isso o que ocorreu na cidade do Salvador, a velha Cidade da Bahia. Na quarta-feira, dia dedicado a homenagens a Oyá, o Prefeito de Salvador, através de seu secretariado na SUCOM (Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo), autorizou e executou a destruição do Terreiro de Oyá Onipó Neto, localizado entre o Imbuí e a Boca do Rio, área "nobre" de Salvador. Não foi à toa que, no mesmo dia e no seguinte, ventos, raios, trovões e tempestades paralisaram a cidade, as águas invadiram todas as áreas, em um fenômeno que para os que crêem nos Orixás seria uma revelação de Oyá, orixá que controla os ventos, raios e tempestades, manifestando sua insatisfação ao desrespeito a seu culto. Esta foi a segunda vez que este terreiro teve sua estrutura destruída pelos órgãos públicos; a primeira demolição ocorreu na gestão de Antônio Imbassay, em 1997, que recuou diante das manifestações de protesto deflagradas pelos diversos movimentos e segmentos sociais de nossa cidade.

 

Não é de estranhar que a atitude de intolerância por parte do poder público municipal contra o terreiro venha a se efetivar nesta gestão do prefeito João Henrique, justamente no momento posterior à aprovação do PDDU (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano), que autorizou a elevação do gabarito da orla para a construção de prédios de até 13 andares. A nosso ver, este projeto autoritário de redefinição do ordenamento do solo urbano de Salvador servirá para legitimar a maior "faxina étnica" de todos os tempos a se realizar em nossa cidade, respondendo a um anseio da elite, que há muito tempo espera para se livrar das populações pobres e negras que insistem em se manter em áreas em que a especulação imobiliária tenta pôr as mãos. As vítimas dessa "faxina étnica" já começam a aparecer.

 

Nesse momento, queremos nos unir à comunidade do terreiro e a todo o movimento negro local e nacional contra tal ato e reafirmar o sagrado direito constitucional de "liberdade religiosa"; ao mesmo tempo, conclamamos a todos, religiosos ou não, a travar uma luta cotidiana e incessante contra qualquer tipo de ódio religioso. Nós, do Círculo Palmarino, destacamos e nos solidarizamos com a comunidade do terreiro Oyá Onipó Neto e sua representante maior, a Ialorixa Mãe Rosa; e o Ogã da Casa Ilê Axé Oxumarê, coordenador do CEN (Conselho de Entidades Negras), Marcos Rezende, que, num ato de protesto contra a violência perpetrada pelos poderes públicos, faz uma greve de fome desde sexta-feira, 29/02/2008.

Nesta luta, o Ogã reivindica o respeito aos nossos ancestrais, aos lugares de cultos do povo de santo e exige que o prefeito reconheça publicamente a atitude equivocada tomada e que se retrate frente às comunidades do candomblé, especialmente à comunidade do Terreiro Oyá Onipó Neto, e que, além da garantia da reconstrução do que fora destruído, assegure a não transferência do terreiro do local onde está, reconhecendo o sagrado direito daquele território, declarando-o de interesse social.

 

Marcos Rezende, nos solidarizamos com você e acreditamos que essa é uma luta de todos nós, ao passo em que acreditamos que a sua força valerá muito mais para nós ainda em vida. AXÉ.

 

Que OYÁ o proteja e o mantenha vivo para a luta.

  

(1) Diário da Bahia, 31/07/1904, p.1. Mantivemos a grafia da época. In: Reis, Meire Lúcia Alves dos. A cor da Notícia. Representação do Negro na Imprensa Baiana de 1888 a 1937. Dis. Mest. Ufba. 2001.

 

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