Correio da Cidadania

Reforma Agrária (3) - Pernambuco

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A CPT avalia 2006 como ano improdutivo para o Incra e pede mais compromisso dos governos estadual e Federal com a Reforma Agrária.

 

  • Ano após ano a Comissão Pastoral da Terra publica uma avaliação da reforma agrária no estado, material este que é encaminhando para o Caderno Conflitos no Campo Brasil e que é comparado com os dados apresentados pelo Incra. Este ano, o Incra só liberou os dados há pouco menos de um mês, o que atrasou a publicação da avaliação que segue abaixo.

 

  • Os dados colhidos pela CPT em 2006 divulgam números que se repetem em sua insignificância quanto ao assentamento de famílias e que assustam no que diz respeito à violência dos latifundiários contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais e quanto à incapacidade do poder público de encaminhar uma reforma agrária séria.

 

  • Pode-se dizer que algumas peculiaridades, como a tardia liberação do orçamento (que só foi liberado no final de março), a greve dos servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e os engessamentos do ano eleitoral tornaram 2006 um ano ainda mais improdutivo para o Incra. Exceto a desapropriação de parte da Usina Catende, que por sua vez é uma luta do início da década de 90, pouco foi feito pelo órgão que tem o desafio de assentar cerca de 30 mil famílias sem-terra no Estado de Pernambuco.

 

  • O que vimos este ano foi mais uma vez a expansão da Reforma Agrária de mercado feita através do programa de crédito fundiário. Neste programa não há desapropriação das terras por parte do Incra. As terras, mesmo as improdutivas, são alvo de especulação e são vendidas aos trabalhadores/as intermediadas por bancos. Esta é a política de reforma agrária do Banco Mundial, que, por sua vez, desconsidera importante conquista da Constituição Federal que prevê a desapropriação das terras que não cumprem a sua função social para fins de reforma agrária. Prefere-se a opção de negociar com latifundiários do que exercer o poder constitucional da União para desapropriar as terras improdutivas.

 

  • Assistimos também ao aumento do Programa de Agrocombustível do governo federal substituir os investimentos na produção de alimentos feita pelos pequenos produtores, que, como se sabe, representa cerca de 85% dos empregos do campo e abastece a mesa das famílias urbanas. Estes impactos também se agravam pelo novo “boom” na produção de cana-de-açúcar, que também fez crescer bastante o preço do açúcar e do álcool no mercado internacional, a custa da exploração brutal de trabalhadores e trabalhadoras rurais, da perversa ampliação da concentração de terras e da expansão das monoculturas causando baixa sustentabilidade.

 

  • A intensa exploração do trabalho na cana, que causou em 2005 a morte de quatorze trabalhadores por exaustão, não deixou de ser notícia em 2006. Só no ano passado, o Ministério do Trabalho e Emprego notificou 52 fazendas e usinas em todo o Brasil e libertou 1.062 trabalhadores mantidos em condições análogas ao trabalho escravo. A migração dos cortadores de cana e a degradação do seu trabalho foram notícias nos principais jornais locais e nacionais.

 

  • Em Pernambuco, houve o aumento da migração de mão-de-obra do agreste e do sertão para a zona da mata e para outros estados para trabalhar desordenadamente e sem garantias trabalhistas na expansão da cana-de-açúcar, motivada pela ressurreição do Pró-álcool, pela especulação do capital internacional com terras e usinas, bem como estimulada pelo Programa de Agrocombustível.

 

  • As mesmas usinas que violam os direitos trabalhistas e negam a função social da terra promovem também a constante degradação do meio ambiente, seja através do desmatamento - hoje Pernambuco tem apenas 2,5% da Mata Atlântica -, seja pela poluição dos rios provocada pelo derramamento do vinhoto, substância tóxica resultante da produção de álcool etílico pelas usinas. Só nos últimos meses do ano, a Comissão Pastoral da Terra recebeu mais de três denúncias de derramamento de vinhoto nos rios da zona canavieira do estado.

 

  • O Ano de 2006 também foi marcado pela intransigência do governo federal. Mesmo com a continuidade da luta das entidades e movimentos sociais contra a transposição do Rio São Francisco, o governo federal deu início às obras da transposição, que beneficiam, principalmente, o agrohidronegócio voltado para a expansão da cana-de-açúcar e para outras culturas sustentadas em regime de latifúndio e de monocultura.

 

  • O governo federal também permaneceu omisso na solução de questões centrais e estratégicas para a reforma agrária no país e em nosso Estado, a exemplo de ainda não ter promovido a atualização nos índices defasados de aferição da produtividade da terra; de não ter se empenhado na votação da emenda constitucional que limita a extensão do latifúndio no Brasil; e, particularmente, permaneceu omisso na Zona da Mata nordestina e pernambucana, nas quais débitos milionários de muitas usinas exigem providência firme de execução de dívidas e, por essa via, obter terras para assentar trabalhadores e trabalhadoras.

 

 

  • Como resultado da falta de políticas para o campo, em 2006, a violência rural continuou alarmante. Foram em número de quatro os assassinatos de trabalhadores ligados à luta pela terra, 52 manifestações dos movimentos sociais e 72 ocupações de terras. Ocorreram ainda nove prisões e nove denúncias de conflitos trabalhistas no estado. O ano foi mais uma vez marcado por despejos violentos como o de Cabrobó, no dia 08 de março, e a tentativa de despejo de Chico Mendes, no dia 02 de agosto. Segundo os dados do Incra, foram 25 ações de reintegração de posse no ano de 2006.

 

  • No aspecto da violência, denunciamos que em 2006 a Polícia Militar, especialmente o seu Batalhão de Choque, manteve a mesma absurda ação permanente como um dos principais agentes de violências contra os trabalhadores e trabalhadoras e como agente permanente de violação aos direitos humanos fundamentais de crianças, adultos e idosos nos campos e acampamentos pernambucanos.

 

 

  • A CPT tornou a denunciar o Poder Judiciário, cuja seriedade é gravemente comprometida por conta da sua relação de identidade e parcialidade com o latifúndio e com seus interesses. De acordo com os dados do Incra, foram suspensos, por decisão judicial, 26 processos de desapropriação. Dentre eles o do Engenho São João, onde fica o acampamento Chico Mendes e que pertence à Votorantim; o Engenho Pereira Grande, da Usina Estreliana; O Engenho Veneza, em Itaquitinga, onde fica o acampamento Irmã Dorothy, todos palcos de dolorosos conflitos.

 

  • Contudo, como não poderia ser diferente, 2006 também foi marcado por muita resistência por parte dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais que se mantiveram firmes na luta. Pudemos acompanhar a luta das famílias que resistiram e denunciaram as ameaças e os despejos promovidos por fcapangas nas ilhas de Sirinhaém, comemoramos um ano da imissão de posse do Engenho Prado - plantando e colhendo esperança-, denunciamos abusos e poluição e vimos os movimentos se organizarem em torno de campanhas pela desapropriação de terras, como a campanha Chico Mendes, aqui se produz dignidade.

 

  • Esperamos que 2007 caminhe para uma reforma agrária com justiça social. Esperamos mais compromissos da nova gestão estadual, principalmente, com o comportamento da força repressiva do Estado, que ultimamente agiu como milícia dos detentores do poder econômico, político e latifundiário de Pernambuco, tratando de forma agressiva e violenta, e criminalizando os movimentos sociais. Esperamos também do governo federal mais agilidade no uso das suas atribuições para a efetivação de uma reforma agrária que vise ao desenvolvimento econômico e social e à justa distribuição de terra, de renda e de oportunidades de cidadania.

 

Recife, 17de abril de 2007

 

Fonte: Comissão Pastoral da Terra – CPT

 

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