Correio da Cidadania

Suspender a desintrusão de Raposa Serra do Sol é grave retrocesso para os direitos indígenas

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A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender a Operação Upatakon 3 de desintrusão da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, constitui um grave retrocesso nos esforços do Governo Federal de efetivar os direitos dos povos indígenas, garantindo-lhes as terras necessárias para sua sobrevivência física e cultural, e a sua continuidade enquanto povos membros do Estado Nacional brasileiro, ressalvada a sua especificidade étnica e cultural, conforme estabelece a Constituição Federal e distintos instrumentos internacionais ratificados ou aceitos pelo Brasil como a Convenção 169 de OIT e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas.

 

Lamentavelmente o poder judiciário geralmente sempre foi impermeável a reconhecer esse direito dos povos indígenas à diferença. Do contrário, não estaria julgando em favor dos invasores que não só insistem em subtrair a base material, sociocultural e espiritual da existência dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol. Impedir que prossiga a desintrusão da Terra Indígena é admitir que os detentores do poder econômico podem subverter a ordem e afrontar o estado de direito. É legitimar a lei do mais forte, dos poderosos que não só ignoram os direitos originários dos povos indígenas, mas se sobrepõem às Leis do Estado, e quebrantam a credibilidade do Governo brasileiro, dentro e fora do país, no que diz respeito aos esforços de garantir o respeito aos direitos humanos das coletividades tradicionalmente marginalizadas, excluídas e discriminadas.

 

Contrário à alegação do Governo de Roraima, acatada pelo STF, no sentido de que a desintrusão, obrigatória por lei, poderia causar "grave risco à ordem pública", a descontinuidade da operação Upatakon 3 é que constitui grave risco à ordem pública, uma vez que os invasores se sentem agora autorizados a fazer o que bem entendem, ou seja a continuarem a intimidar, ameaçar, agredir, discriminar e usurpar o direito territorial dos povos e comunidades indígenas da Raposa Serra Sol.

 

A decisão do STF, por fim, é um estímulo aos invasores que resistem a abandonar outras Terras Indígenas já homologadas, bem como a setores militares e políticos que se opõem à demarcação das Terras Indígenas em forma contínua, consideram os índios empecilhos ao desenvolvimento e pregam a integração dos índios a chamada comunhão nacional. Posicionamentos que demonstram um vergonhoso atraso no justo entendimento do texto constitucional que reconhece o caráter multiétnico e pluricultural do país e no desconhecimento dos avanços na legislação nacional e internacional, a respeito da viabilidade do direito os povos indígenas à diferença, sem que isso ameace a soberania e a integridade política e territorial do Estado brasileiro.

 

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) lamenta profundamente a decisão tomada pela Suprema Corte e alerta para responsabilização do Estado Brasileiro pelos riscos que implica a permanência dos invasores, principalmente 6 rizicultores, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que já demonstraram do que são capazes, confrontando autoridades policiais (o Estado), queimando casas e pontes, bloqueando estradas, destruindo escolas, intimidando e agredindo indígenas e usando bombas de fabricação caseira, dentre outros atos criminosos.

 

A Coiab reitera a sua solidariedade aos povos indígenas de Roraima e se compromete a denunciar junto a organismos internacionais o grave retrocesso que se evidencia no trato dos direitos coletivos e constitucionais dos povos indígenas no Brasil.

 

Manaus, 11 de abril de 2008.

 

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)

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